Não bastaram os grandes investimentos dos últimos anos, vindos a reboque da política de pacificação e da proximidade dos grandes eventos. A 36 dias do início da Copa do Mundo, empresários da rede hoteleira, instalados em várias comunidades com UPPs do Rio, lamentam a baixa procura por estadia e passeios em favelas, durante o período de realização da competição. Os prejuízos começam a ser sentidos por eles, que esperavam já estar faturando alto por conta do mundial. Para os empreendedores, não há dúvidas: os recentes conflitos e ataques a policiais em favelas das Zona Sul e Norte, aliados às recomendações de vários consulados para que as áreas sejam evitadas por turistas, são responsáveis pela frustração. Que o diga a administradora Cristiane Oliveira, de 42 anos, dona do Hostel Favela Inn, no Chapéu Mangueira, no Leme. Desolada, ela diz não ter uma só vaga ocupada por turistas que estarão no Brasil, exclusivamente, pelo futebol.
“Tivemos uma procura normal, de estudantes e mochileiros. Estava esperando movimento digno da alta temporada mas, por enquanto, só tenho quartos vazios e prejuízos”, conta. De acordo com a Associação de Albergues do Rio, 60% da rede carioca já estão reservadas, enquanto a Associação Brasileira de hotéis fala em 90% de quartos credenciados pela Fifa já reservados.
Imaginando cômodos abarrotados para a Copa do Mundo que gerou a maior venda de ingressos em todos os tempos, Cristiane investiu R$ 15 mil na construção de um quarto anexo, para abrigar mais seis pessoas. “É absurdo que se aconselhe alguém a não visitar as favelas. Medo eu tenho dos protestos e dos vários roubos que podem ocorrer no asfalto, no calçadão”, desabafa. As cartilhas divulgadas por consulados de países como Inglaterra, Argentina, Alemanha e Estados Unidos recomendam cautela na hora de visitar as comunidades pacificadas.
No Vidigal também há quem amargue prejuízos e cancelamentos de última hora por conta da violência. “Desde a morte do dançarino Douglas Pereira, o DG, no Pavão-Pavãozinho, mês passado, foram muitos os telefonemas de turistas preocupados com a violência e cancelando reservas”, conta a recepcionista do Alto Vidigal Guesthouse, Jéssica Almeida. De acordo com ela, a repercussão negativa da mídia internacional fez com que apenas 60% das vagas estejam ocupadas atualmente. Para a semana da grande final, no Maracanã, por exemplo, ainda não há reservas.
Enquanto isso, Dona Marta se beneficia
Não são apenas os empresários da Zona Sul que reclamam dos prejuízos. Na Zona Norte, a atividade que virou moda entre turistas estrangeiros desde o início do programa de pacificações, as visitas guiadas aos morros cariocas, também estão sofrendo com baixa procura. Segundo João Paulo Campos Lopes, diretor administrativo da Rio Now, que realiza passeios no Alemão, mesmo com a proximidade da Copa, a procura pelo serviço sofre com uma baixa. “No início das pacificações, houve um ‘boom’ de procura, mas com esses protestos violentos de moradores e ataque às UPPs, os turistas estrangeiros ficam com receio e estamos com menos clientes para a temporada”, disse. O prejuízo para os guias é maior nas comunidades onde está havendo uma sequência de conflitos, como a Nova Brasília e a Fazendinha.
“Os guias do Complexo do Alemão e de outras favelas onde há confronto estão passando ‘perrengues’. Então os turistas trocam os passeios em comunidades com clima mais tenso para vir ao Dona Marta, onde não tem guerra de tráfico”, relatou Thiago Firmino, guia local da favela de Botafogo.
Rafael Ricci, sócio da Jeeptour, empresa que faz passeios em várias comunidades, diz que o movimento de turistas sem vínculo com agências para a Copa ainda não chegou. “Só recebemos contatos vindo de agências de viagens. Por enquanto, temos dias inteiros vazios”, conta ele, que pretende realizar incursões com até 500 pessoas por dia. Porém, o empresário não culpa os avisos dos consulados. “Não fere sugerir cuidado a ninguém”. Campanha é para além do Mundial
Acontece na manhã de hoje, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), o lançamento regional da campanha ‘Não Desvie o Olhar’ . A iniciativa, encabeçada pela rede internacional ECPAT (sigla para Fim do Tráfico e da Exploração Infantil, em inglês), visa combater a exploração sexual de crianças durante a Copa do Mundo.
Entre as ações da campanha no Rio, está a distribuição de cartilha com orientações a PMs e guardas municipais sobre como agir para prevenir casos de exploração infantil. Elaborada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a cartilha aponta como identificar casos de abuso e os procedimentos a serem tomados quando constatada atitude suspeita.
“O objetivo do material é fomentar a prevenção da exploração sexual. Com uma linguagem bem acessível, a ideia é que seja útil para além da Copa”, sugere a Procuradora do MPT Sueli Teixeira Bessa. Além da cartilha, o aplicativo para smartphone e tablet ‘Projeta Brasil’, que auxilia nas denúncias de abusos, também será apresentado. “A exploração de menores é a pior forma de trabalho infantil. ‘Não Desvie o Olhar’ busca chamar a atenção da sociedade para o tema”, comenta a procuradora.