Ainda vai levar algum tempo para saber qual foi o impacto exato da Copa do Mundo para a economia brasileira. Vários indicadores apontam, no entanto, que o segundo trimestre do ano viu uma forte desaceleração da economia, com as previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano recuando para algo em torno de 1%.
Para consultorias e analistas consultados pelo G1, apesar das promessas do governo de que o evento geraria milhares de empregos e ajudaria a impulsionar o crescimento, o Mundial teve efeito praticante nulo ou insignificante para a economia.
“A Copa é um evento que aumenta muito o bem estar, mas tem impacto meio irrelevante na economia, sobretudo em países grandes como o Brasil. Se teve algum efeito, minha análise é que foi negativo. Foi como se tivéssemos tido um grande feriado prolongado. E se o país trabalhou menos, também produziu menos”, afirma o economista Celso Toledo, da consultoria LCA.
Para Emerson Marçal, coordenador do centro de macroeconomia aplicada da FGV-SP, o efeito Copa ao término do ano deverá somar zero. “O país parou por vários dias. A produção caiu, as vendas no varejo caíram, mas as pessoas também se planejaram para fazer antes ou depois o que fariam durante a Copa. Muitos setores adiantaram o início do semestre, outros vão ter agora um dezembro mais longo. Mas ao fim do ano o efeito deve somar zero", avalia o economista.
Na análise por setores, entretanto, houve quem faturou com a Copa, sobretudo os segmentos ligados ao turismo e lazer, como hotéis e bares. Por outro lado, a indústria manteve a trajetória de queda, por conta da grande quantidade de feriados e dias parados. (Veja ao lado o desempenho de diversos segmentos)
Produção da indústria cai
“A indústria foi quem mais sofreu, pois a coisa já estava vindo ruim. Ocorreram dispensas e a produtividade, de fato, diminuiu. Talvez a indústria de lenços de papel pode ter ido bem após aquele dia fatídico”, brinca Marçal ao se referir à derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1. O desaquecimento econômico, associado à fraca demanda e aos feriados, levou fábricas de diferentes áreas a dar férias coletivas ou a mudar a jornada de trabalho em junho.
Embora ainda não tenham sido divulgados dados consolidados da indústria em junho, avalia-se que tenha ocorrido um novo tombo. A confiança dos empresários caiu pelo 6º mês seguido e atingiu o menor nível desde 2009.
As vendas de papelão ondulado – que costumam ser vistas como um importante termômetro do comportamento da economia, uma vez que o material é usado em praticamente toda a cadeia industrial – caíram 3,38% em junho.
Somente no setor automotivo, a queda na produção foi de 33,3% na comparação com junho do ano passado. Já as vendas de veículos caíram 17,27%. No acumulado até maio, a indústria brasileira acumula queda de 1,6% na produção e de 2,2% na geração de emprego, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
700 mil estrangeiros
Já os setores ligados ao turismo comemoram o faturamento e o número recorde de estrangeiros no país: 700 mil apenas em junho – número 132% acima do mesmo mês do ano passado. O dinheiro deixado pelos "gringos" no Brasil durante o período da Copa foi 169% maior que o volume de dólares gasto no mesmo período de 2013, segundo levantamento da empresa de cartões de crédito MasterCard.
Nos 21 aeroportos das 12 cidades-sede, a média diária de passageiros foi de 485 mil, número superior ao do carnaval e do último Natal.
A taxa de ocupação nos hotéis das cidades-sede cresceu 24% na comparação com o mesmo período de 2013, estima o Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB). Em cidades como São Paulo, entretanto, o movimento caiu por causa da redução do turismo de negócios.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado de São Paulo (ABIH-SP), a ocupação ficou entre 58% e 62% durante a Copa, abaixo da média de 75% no ano passado. A entidade avalia, porém, que não ocorrem perdas, uma vez que houve uma transferência dos eventos corporativos e feiras para outras datas ao longo do ano para não concorrerem com o período do Mundial.
“São Paulo não perdeu nada. Pelo contrário, houve ganho porque a Copa trouxe uma demanda totalmente nova para a cidade. Tivemos queda em junho, mas em todos os outros meses do ano tivemos crescimento de mais de 10% e vamos crescer entre 4% e 7% no ano”, afirma o presidente da associação, Bruno Omori.
Vendas nos bares crescem 25%
Nos bares, estima-se que as vendas tenham crescido 25%, em média, segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes).
Já nos restaurantes houve queda de 10% no faturamento, em razão do menor número de eventos corporativos no período de Copa. Outra explicação é o perfil do turista de Copa, que geralmente viaja sem a família e vai pouco a restaurantes.
A Abrasel calcula que o faturamento geral do setor chegou a R$ 11 bilhões em junho, uma alta de mais de 20% ante o ano anterior.
Os produtores de cerveja também saíram ganhando. Em junho, a produção nacional foi de 1,04 bilhões de litros, o que representou uma alta de 6,3% ante junho de 2013. No semestre, o setor acumulou crescimento de 11,6%.
Televisores são destaque no varejo
A venda de televisores disparou, puxada pela Copa e pelas promoções. Segundo sondagem da consultoria GFK, a alta foi superior a 100% no início de junho. No acumulado entre janeiro e maio, o crescimento foi de 41% ante o ano passado, segundo os dados da GFK.
Outro destaque no mês de Copa foi o setor de semiduráveis, que inclui vestuário, calçados e artigos esportivos. O IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) estima um crescimento de 9,3% das vendas em junho.
No comércio, em geral, entretanto, o termômetro é de desaceleração das vendas. O IDV calcula que as vendas cresceram menos em junho, 3,9%, ante alta de 5,4% em maio.
Somente no Rio de Janeiro, o Centro de Estudos do Clube dos Diretores Lojistas (CDLRio) estima que o comércio deixou de ganhar R$ 1,2 bilhão durante o período da Copa, apesar da grande circulação de turistas na cidade.
Setores não sentiram impacto
Na construção civil e no mercado de materiais de construção, a avaliação foi de estabilidade durante a Copa.
Embora ainda não existam dados de junho do mercado imobiliário, a Caixa Econômica Federal informou que não foi observada alteração na concessão do crédito imobiliário em decorrência da Copa.
Já a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desacelerou para 0,4% junho, mas acumulou alta de 6,52% em 12 meses, acima da meta do governo, de 6,5%.
A balança comercial registrou em junho o melhor resultado do ano. No mês de junho, as exportações superaram as importações em US$ 2,36 bilhões, favorecidas pela alta das vendas de produtos básicos, que cresceram 9,5%. No ano, entretanto, o déficit está em US$ 2,49 bilhões.
No mercado financeiro, a Copa reduziu o volume financeiro total negociado em razão dos pregões mais curtos em dias de jogos do Brasil. O giro financeiro diário negociado na Bovespa, entretanto, ficou praticamente estável ante maio. O volume médio diário foi de R$ 6,33 bilhões em junho, apenas 0,5% inferior ao do mês anterior. No acumulado de junho, o Ibovespa avançou 3,76%.
Investimentos
O Ministério do Turismo estimou em R$ 30 bilhões a injeção de recursos na economia provocada pela Copa. O valor corresponde a cerca de 0,7% de tudo o que foi produzido no país em 2013.
Antes do início da organização do mundial, levantamento feito pela Ernst & Young (EY), em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), estimou que a Copa injetaria R$ 142,3 bilhões na economia brasileira entre 2010 e 2014, sendo cerca de R$ 30 bilhões em investimentos em estádios e obras de mobilidade urbana, podendo gerar cerca de 3,6 milhões de empregos em todo seu ciclo.
Os números oficiais sobre criação de vagas no mercado de trabalho em junho só serão conhecidos no final do mês.
Ainda que o cálculo não tenha sido refeito ou revisto, a Ernst & Young avalia que os números estão próximos da realidade do que se assistiu. “As projeções deveriam ser mensuradas agora ao término do evento, mas dado do sucesso da Copa acredito que os números estão bem próximos da realidade”, afirma Marcos Nicolas, diretor de Mercados Estratégicos da EY, destacando que o estudo levou em consideração um número de 600 mil turistas estrangeiros, abaixo dos 700 mil que vieram ao país.
Parece ser consenso, entretanto, que as obras de infraestrutura ficaram abaixo do esperado, praticamente se limitando aos estádios. Levantamento do G1 mostrou que apenas 50% das obras de mobilidade previstas para os jogos foram entregues.
“A grande decepção é que foi prometida uma agenda de obras não apenas ligadas ao evento e boa parte dela ficou pelo caminho”, avalia Emerson Marçal, da FGV.
Legado da Copa
Nicolas lembra, porém, que muitas das obras prometidas e que não foram entregues continuam sendo tocadas e resultarão em investimentos concretizados. “Legado não é só o dia seguinte. A Copa serviu de catalisador para acelerar obras necessárias e este aspecto – de não ter sido completado os investimentos – irá contribuir para que essa questão ganhe ainda mais urgência”, avalia o diretor da EY.
Para ele, o legado econômico da Copa precisa também contabilizar o sucesso do ponto de vista organizacional e o potencial de atração de mais turistas e investimentos no longo prazo.
“Estamos dando um salto enorme em termos de projeção do país e de capacidade de atender o turista, o que gera círculo virtuoso para a atração de novos negócios”, opina Nicolas.
Para Marçal, da FGV, independente das oportunidades perdidas e do baixo efeito do mundial no PIB, não é a Copa o principal fator para explicar o ritmo da economia no ano.
“A economia não ia parar ou voltar a andar por conta da Copa. Foi mais como dar uma festa. A gente curtiu a festa, mas gastou também", compara o economista. "Em se tratando da economia do país, a questão é retomar uma agenda de pró-crescimento, pois a inflação está num nível preocupante, o país continua com uma série de gargalos como reforma tributária, integração comercial e poblemas de infraestrutura que não são atacados", conclui.