O ano começou com perspectiva de avanço na agenda de privatizações e concessões no país, em meio à mudança de governos federal e estaduais, melhor cenário macroeconômico e também em razão de uma série de projetos já estruturados herdados das administrações anteriores. Levantamento do G1 mostra que são ao menos 229 projetos em andamento hoje no Brasil. E o número deve aumentar, uma vez que a equipe do governo Bolsonaro e novos governadores têm prometido ampliar o número de estatais e fatias de subsidiárias a serem colocadas à venda, além de terrenos e imóveis públicos.
A crise fiscal e o rombo das contas públicas colocaram a privatização de estatais e de serviços de aeroportos, rodovias, ferrovias e portos de volta na agenda política e econômica do país. Em janeiro do ano passado, o Mapa das Privatizações do G1 identificou 238 projetos anunciados pelo governo federal, estados e municípios.
Apesar do tema desestatização ter entrado de vez nos planos dos governos, a transferência de ativos e projetos para a iniciativa privada se manteve em ritmo lento no último ano, frente às incertezas da corrida eleitoral, dificuldades na elaboração de estudos técnicos e modelagem, além de obstáculos políticos e brigas judiciais.
Em 1 ano, apenas 12% dos projetos de privatização e concessão saíram do papel. Dos 238 projetos de desestatização listados pelo G1 em janeiro do ano passado, apenas 28 foram concluídos (3 apenas parcialmente), mediante a realização de leilão, venda do controle ou participação acionária, ou liquidação da estatal.
Por outro lado, de lá para cá, outros 26 novos empreendimentos entraram na lista de projetos em andamento, e 7 da lista original foram excluídos por decisão dos governos ou falta de viabilidade econômica. Com isso, são atualmente ao menos 229 projetos em curso: 69 do governo federal, 103 de 14 estados e do DF, e 57 de prefeituras de 8 capitais.
A lista inclui projetos de venda de empresas ou ativos públicos, mas também concessões, PPPs (parceria público-privadas), arrendamentos, prorrogações de contratos, entre outras modalidades de transferência do controle ou gestão para a iniciativa privada.
O balanço de 2019 não inclui a 5ª Rodada do Pré-Sal e 2 leilões de linhas de transmissão de energia. Os projetos foram concluídos no ano passado pelo governo federal, mas anunciados e inclusos no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) após a publicação do levantamento de 2018 do G1.
O que saiu e o que entrou na lista
Entre os principais projetos concluídos estão as privatizações das 6 distribuidoras da Eletrobras, leilões de petróleo e gás, a concessão da Rodovia de Integração do Sul e de trechos estaduais de rodovias em Minas Gerais, as linhas 5 do Metrô e 7 do monotrilho de São Paulo, e a venda de fatia Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará.
Por outro lado, ainda não saíram do papel as privatizações de estatais como Eletrobras, Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) e Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE/RS), a venda do Complexo do Anhembi e do autódromo de Interlagos, em São Paulo, as concessões dos estádios do Pacaembu (SP), Arena Castelão (CE), Arena Pantanal (MT), além de uma série de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos prometidas desde o início do ano passado.
Entre os 26 novos projetos que entraram na edição deste ano do Mapa das Privatizações, destaque para o plano de privatização da Sabesp anunciado pelo novo governo do estado de São Paulo, a concessão da Rodoviária de Porto Alegre, o VLT Norte do Distrito Federal, a venda de imóveis da Cemig e da participação da estatal mineira em consórcios de petróleo e gás, além de projetos federais de ferrovias e terminais portuários.
Mais de R$ 127 bi em investimentos previstos
A venda de ativos ou privatização de serviços públicos é vista como uma das alternativas para obter recursos extras para reduzir os rombos das contas públicas, aliviar as despesas e também aumentar o volume de investimentos em infraestrutura.
Segundo o levantamento do G1, a previsão é de mais de R$ 127,4 bilhões em investimentos ao longo dos próximos anos, considerando apenas 87 projetos com estimativa informada pelos governos. Deste total, R$ 113,6 bilhões são de projetos federais, R$ 9,6 bilhões de estaduais e R$ 4,2 bilhões de municipais.
Tirar esses projetos do papel, no entanto, não depende apenas de decisão política, mas também da capacidade de elaboração de estudos técnicos e de estruturação de modelagem que garanta o interesse de investidores. Em média, projetos de desestatização costumam levar de 1 ano e meio a 2 anos pelo menos para chegarem à fase de assinatura.
Para poderem ser levados a leilão, os projetos precisam passar antes por uma série de etapas, que incluem audiências públicas, análise de tribunal de contas e, dependendo do ativo, aprovação do Legislativo e mudança de lei. Isso, se ao longo de todo o trâmite também não surgirem ações na Justiça pedindo mudanças ou simplesmente o impedimento da licitação.
"No caso das privatizações, as dificuldades são maiores do que nas concessões de PPPs, devido à necessidade em alguns casos de atualização legislativa", afirma Fernando Vernalha, especialista em infraestrutura e sócio do escritório VGP Advogados.
Obstáculos e dificuldades
Dos 229 projetos em andamento, 154 seguem sem data prevista para conclusão.Destes, 28 estão suspensos ou aguardam autorização da Justiça, do Legislativo ou de tribunais de contas para poderem prosseguirem.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, a venda das estatais de energia e gás – CRM, CEEE e Sulgás – ficou emperrada em função de um impasse na Assembleia Legislativa. O mesmo aconteceu com a Cedae, no Rio de Janeiro, cuja privatização enfrenta a resistência inclusive do governador eleito Wilson Witzel (PSC).
Já na cidade de São Paulo, editais lançados no ano passado tiveram que ser refeitos por erros ou para deixar alguns pontos mais claros, após questionamentos. Entre os projetos que seguem suspensos estão o estádio do Pacaembu e a PPP da iluminação pública, cujo contrato final, assinado com o vencedor da disputa, foi anulado pela Justiça após suspeita de fraude.
"O desafio da capacitação dos agentes públicos não é novidade e permanecerá, certamente, pelo menos durante os próximos anos como uma das questões a serem priorizadas pelas administrações", afirma Guilherme Naves, sócio da Radar PPP, empresa que monitora os negócios entre governos e iniciativa privada. "O alinhamento com os órgãos de controle e com o Poder Legislativo continua como um dos fatores mais decisivos para projetos se converterem ou não em contratos".
Próximos leilões
Os 32 projetos previstos para saírem do papel até o final de março têm previsão de garantir mais de R$ 7 bilhões em investimentos para os próximos anos, além de uma arrecadação de mais de R$ 4 bilhões para o governo federal.
Somente na esfera federal, a previsão é que 25 projetos herdados do governo Temer sejam concluídos nos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro, segundo o secretário especial da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Adalberto Vasconcelos, que foi mantido no cargo para dar continuidade aos projetos.
Veja abaixo os principais projetos com leilão previsto para os próximos meses:
12 aeroportos: Bloco Nordeste (Recife, Maceió, Aracaju, João Pessoa, Campina Grande e Juazeiro do Norte), Bloco Sudeste (Vitória e Macaé) e Bloco Centro-Oeste (Cuiabá, Sinop, Rondonópolis e Alta Floresta;
Ferrovia Norte-Sul;
Lotex (raspadinha);
PPP da Rede de Comunicações Integrada do Comando da Aeronáutica (COMAER);
Linha 15-prata do monotrilho de São Paulo;
Ibirapuera e outros 5 parques de São Paulo;
Imóveis da Cemig e participação da estatal mineira em consórcios de petróleo e gás.
Os leilões mais aguardados estão marcados para março. A disputa pelos 12 aeroportos da Infraero está agendada para o dia 15 de março. Já no dia 28 de março, será realizado o leilão da ferrovia Norte-Sul, tido como um dos principais projetos para escoamento da produção agrícola e que vem sendo anunciado desde o governo Dilma Rousseff. Se sair do papel, será o primeiro leilão do setor em 11 anos.
Em entrevista ao G1, o chefe do PPI disse que as concessões de ferrovias e rodovias serão as prioridades de 2019. Atualmente, dos 69 projetos em andamento carteira do programa federal, 12 são de ferrovias e 8 de rodovias.
Na área de rodovias, os projetos mais avançados para o ano são o da BR-364-365/MG-GO e o da BR-101/SC. E o governo já adiantou que pretende incluir a rodovia Rio-Santos (trecho da BR-101) no leilão de relicitação da Nova Dutra (Rio-São Paulo).
Otimismo cauteloso do mercado
Na visão do mercado, o ano de 2019 deve ser melhor que o de 2018 para concessões e privatizações. Além da redução das incertezas políticas, as condições macroeconômicas também estão mais favoráveis, com taxa de juros e inflação mais baixas. Analistas ouvidos pelo G1 destacam, porém, que não se pode desconsiderar as dificuldades políticas de tirar vários destes projetos do papel.
"O governo ainda está no começo, o novo Congresso ainda não está trabalhando e o teste será feito para valer no mês de março", afirma a economista Tereza Fernandez, da MB Associados, citando as expectativas em torno do avanço das reformas no Congresso.
"2019 é um ano de transição, em que os agentes estão cautelosamente otimistas, esperando que as reformas avancem", destaca o economista Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria.
Levantamento da Inter.B estima que o volume de investimentos em infraestrutura no país somou R$ 117,8 bilhões em 2018, o equivalente a apenas 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto). Até 2015, o índice se manteve acima de 2%. Para 2019, a consultoria projeta uma leve alta nominal dos investimentos, para R$ 118,3 bilhões, mas prevê uma nova queda em termos de percentual do PIB, para uma taxa de 1,6%.
Segundo Frischtak, mesmo que confirmada a expectativa de impulso na agenda de concessões e privatizações, um avanço mais significativo no volume de investimentos privados em infraestrutura só deverá ser observado a partir de 2020 e continuará sendo limitado pela pouco espaço orçamentário para investimentos públicos.
Os analistas lembram ainda que o tema desestatização está longe de ser uma unanimidade no país e que tende a continuar enfrentando oposição de parte da população e de setores da sociedade.
"É importante reconhecer que a população não deu a ninguém um cheque em branco. Pesquisas recentes mostram, ainda, grande reticência dos cidadãos em relação ao tema, o que faz com que o diálogo e a comunicação de qualidade sobre esses projetos permaneçam como um dos grandes potenciais entraves", afirma Naves.
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Veja os estados com projetos de andamento nas esferas estadual e municipal:
Alagoas: 2 estaduais
Bahia: 1 estadual e 2 municipais
Ceará: 13 estaduais
Distrito Federal: 15 projetos
Espírito Santo: 4 estaduais
Goiás: 4 estaduais
Mato Grosso: 5 estaduais
Mato Grosso do Sul: 3 estaduais
Minas Gerais: 11 estaduais
Piauí: 26 estaduais e 12 municipais
Rio Grande do Norte: 5 estaduais
Rio Grande do Sul: 7 estaduais e 14 municipais
Rio de Janeiro: 1 estadual e 4 municipais
Rondônia: 7 municipais
Roraima: 2 municipais
Santa Catarina: 2 estaduais e 2 municipais
São Paulo: 2 estaduais e 14 municipais
*Colaboraram: Sofia Sepreny (AL), Alan Tiago Alves (BA), Bruno Cabral e Verônica Prado (CE), Mateus Rodrigues (DF), Luiza Marcondes e Viviane Machado (ES), Paula Resende (GO), Raquel Freitas (MG), Pollyana Araújo e André Souza (MT), Anderson Viegas (MS), Andreia Xavier (PB), Maria Romero, Lorena Linhares, José Marcelo e Lucas Marreiros (PI), Daniel Silveira (RJ), Rafael Barbosa e Igor Jácome (RN), Carolina Cattaneo, Janaína Lopes e Tatiana Lopes (RS), Jonatas Boni, Pedro Bentes (RO), Emily Costa (RR), Mariana de Ávila (SC), Gabriela Gonçalves e Tahiane Stochero (SP)