Publicada em 20 de Novembro de 2015 �s 15h42
O combate aos preconceitos, assim como as políticas de inclusão, são alguns dos ideais praticados pela comunidade acadêmica da Universidade Estadual do Piauí. A instituição vai além do simples cumprimento de leis que tratam sobre políticas afirmativas e organiza eventos, possibilita publicações e estabelece parcerias com espaços e movimentos como o Memorial Zumbi dos Palmares, que atua em prol do Movimento Negro na capital piauiense.
E é por conta da atuação de espaços, como o Memorial, que instituiu-se no Brasil no dia 20 de novembro o Dia da Consciência Negra, data em que morreu Zumbi dos Palmares, no ano de 1695. A UESPI realizou em 2014 o evento “Consciência Negra”, através do PARFOR, para homenagear a data e discutir sobre a temática negra no Brasil e no Piauí atuais, em dois dias que ficaram marcados por mesas-redondas, palestras e manifestações culturais no campus Poeta Torquato Neto.
Para o reitor Nouga Cardoso Batista, são iniciativas que ajudam a constituir o caráter laico e acolhedor da UESPI: “A Universidade, por definição, por política, tem que ser laica, e quando se constitui esse conceito laico significa dizer que todos os seres humanos devem ter um espaço e ocupar um espaço dentro da universidade”, reflete. O reitor prossegue e afirma que o espaço a ser disponibilizado não deve ser somente o físico, mas o social, o político.
“No que diz respeito à questão do negro, procuramos permitir que eles próprios construam uma demanda de gestão acadêmica dentro da universidade, e um exemplo foi a recente questão que nos foi trazida da língua Yorubá. A universidade por si só nunca tinha pensado anteriormente na transmissão dessa língua enquanto missão acadêmica, mas essa demanda é fruto do espaço que se abre aos diferentes segmentos da sociedade”, pontua.
Eventos, pesquisas e publicações
No ano de 2014, como já lembrado, foi realizado o Dia da Consciência Negra na UESPI. Para 2015, a instituição promove um evento ainda maior, o África Brasil, IV Encontro Internacional de Literaturas, Histórias e Culturas Afro-Brasileiras e Africanas. O encontro, que é bianual, começou com caráter nacional, ganhou maiores proporções e se tornou internacional. Em 2015, o África Brasil discute temas como produção literária afro-brasileira e africana, combate ao preconceito, e obrigatoriedade do ensino da cultura e história africanas e indígenas na rede pública e privada de ensino do Brasil.
Eventos como este reforçam a importância da temática afrodescendente na instituição, como explica o Prof. Dr. Élio Ferreira. “Nosso objetivo é estabelecer um intercâmbio, uma troca de experiências entre pesquisadores, estudiosos e estudantes da UESPI com outras universidades do Brasil e de outros países”.
Ainda de acordo com ele, o África Brasil é provavelmente o maior evento de afrodescendência do país, visto que conta com mais de 250 trabalhos apresentados, vindos de 100 universidades brasileiras e traz pesquisadores dos EUA, França, Rússia e Portugal.
O professor, que também é poeta e participa de projetos envolvendo música, ressalta o papel do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro – NEPA, na universidade. “Desde a criação do NEPA, em 2005, estamos realizando encontros como o Simpósio de Literatura Afro-Brasileira e Africana, e desde 2008 estamos mantendo os nossos projetos PIBIC, com vários alunos trabalhando esses temas de afrodescendência”, afirma o professor.
Com isso, também aumentou o número de monografias, livros, anais de eventos, e outras publicações. “A melhor maneira de se ensinar as pessoas é através das narrativas, das histórias. Então, a partir do momento em que discutimos essas obras e elas chegam à escola, os alunos vêem um escritor negro, indígena e a imagem dessas pessoas é positiva, isso ajuda a construir a autoestima da criança”, comenta Élio, destacando o uso dessas obras nas escolas.
Para o professor e alunos da universidade, a discussão de temáticas afro também se mostra relevante na UESPI, como forma de dar visibilidade e também levar isso para fora da instituição.
“Eu acredito que seja importante porque até hoje ainda é difícil encontrar negros na universidade e eventos como o África Brasil proporcionam essa inserção do negro para discutir a temática na universidade e fazer com que se leve isso pra sala de aula, tanto da universidade quando de fora da universidade,” disse Evyla Kataryna, aluna do 3º bloco do curso de Letras – Português.
Parcerias
Além dos eventos, a UESPI também reforça o seu caráter plural através de ações e parcerias. Como já mencionado, a instituição mantém uma parceria com o Memorial Zumbi dos Palmares, iniciada no começo de 2014. Nesse importante espaço do movimento negro, a universidade já pôde atuar com cursos de Espanhol, Inglês, Libras, e com o mais recente curso do idioma Yourubá.
Para a vice-reitora, professora Bárbara Melo, a atuação da UESPI deveria ser estendida a mais instituições de ensino, de forma que todas as pessoas que compõem a sociedade piauiense se sentissem incluídas. “A universidade é um palco de pluralidade. Aqui não se aceita, não se permite nenhum tipo de discriminação. Além de coibir qualquer prática discriminatória, a gente fortalece ações de inclusão, ações afirmativas, como por exemplo, essa firmada com o Memorial. Além disso, temos as parcerias no sentido de fortalecer os grupos de pesquisa, que desenvolvem estudos sobre a comunidade negra, sobre a contribuição da literatura africana e dos países de população predominantemente negra”, afirma Bárbara.
Quem corrobora com a afirmação é a coordenadora do grupo Afoxá, Artenildes Silva. O Afoxá é um dos grupos que promovem atividades dentro do Memorial. Segundo Artenildes, a UESPI manifesta esse ideal também com manifestações culturais. “A visibilidade das manifestações culturais dentro do campus, com recital de poesias, exposição das artes plásticas e apresentações culturais é admitir que a cultura afrodescendente também faz parte do espaço acadêmico e que a UESPI não pode ser um espaço apenas de produção científica, mas também promotora de diálogos com saberes diversos”, esclarece.
Outra voz dentro da universidade que atua no sentido de promover esse diálogo com o movimento negro e também outros movimentos é a do coordenador geral do PARFOR UESPI, Raimundo Dutra. Para ele, a UESPI é uma das universidades que mais se destaca no Nordeste por conta do seu diálogo com os movimentos sociais.
“Quando estabelecemos parcerias ou fazemos ações, junto as comunidades indígenas, pessoas de assentamentos, do movimento negro, do movimento LGBT, sentimos que a UESPI é muito aberta, e tem os braços abertos para os movimentos sociais”, relata.
Ações afirmativas
A UESPI vem cumprindo a lei estadual 5791, de 19 de agosto de 2008, em relação à questão das ações afirmativas. Segundo essa lei, 30% das vagas ofertadas nos cursos de graduação da instituição devem ser reservadas a essas políticas. Segundo a pró-reitora de Ensino e Graduação, Ailma do Nascimento, as cotas são uma forma de democratização do acesso ao ensino superior, garantindo a todos uma formação superior de qualidade.
“É uma política de acesso, política social e a nossa função é formar cidadãos e não só os alunos negros, mas a toda política de inclusão social. A UESPI vem trabalhando nessa vertente”, garante. Além das cotas, a universidade também trabalha com a reformulação dos projetos pedagógicos, incluindo disciplinas, como a do curso de Letras, que tratam sobre Literatura Negra.
E assim como Ailma, o pró-reitor adjunto da PREG, Paulo Henrique Pinheiro, também destaca o porquê de a universidade atuar desta maneira. “A UESPI se sente muito confortável diante da temática, porque trabalha essas questões de várias formas, desde ações do PARFOR, a cursos de línguas africanas, e valorização da cultura afrodescendente”.
Para ele, além da questão legal, a instituição mantém como princípio a pluralidade. “Primeiro, atendemos a uma demanda social importante, porque a cultura negra tem grande relevância dentro da formação cultural do brasileiro e também atende a um dispositivo legal, na medida em que esses dispositivos fomentam e estimulam a discussão das temáticas afrodescendentes e da cultura negra dentro do seio acadêmico”, finaliza.