A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) revogou nesta terça-feira (29) a prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica de aborto. A decisão vale apenas para o caso específico, mas abre um precedente na mais alta Corte do país para a descriminalização (fim da prisão) para mulheres ou médicos que realizam o aborto.
Três dos cinco ministros que compõem o colegiado consideraram que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não configura crime. Segundo o Código Penal, a mulher que aborta está sujeita a prisão de um a três anos; já o médico pode ficar preso por até 4 anos.
A maioria dos ministros da Primeira Turma, contudo, considerou que essa punição viola vários direitos da mulher previstos na Constituição: a autonomia; os direitos sexuais e reprodutivos; a integridade física e psíquica; e a igualdade em relação ao homem.
"Como pode o Estado – isto é, um delegado de polícia, um promotor de justiça ou um juiz de direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida?", escreveu o ministro Luís Roberto Barroso, autor do voto vencedor.
Além desses fundamentos, o ministro também considerou o impacto da criminalização sobre mulheres pobres.
"O tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos", escreveu no voto.
Citando pesquisas internacionais, ele também considerou que punir com prisão não diminui o número de abortos, classificando como "duvidosa" a ideia de que criminalização protege a vida do nascituro.
Além disso, disse que o Estado dispõe de outros meios para evitar a prática, como educação sexual, distribuição de contraceptivos e apoio à mulher que, embora queira ter filhos, enfrenta dificuldades para criar uma criança.
Por fim, entendeu que a prisão traz mais custos sociais que benefícios, levando-se em conta os problemas de saúde e mortes provocadas por métodos perigosos de realizar o aborto clandestino.
Julgamento
O julgamento do caso começou em agosto deste ano. Na época, o relator da ação, ministro Marco Aurélio, derrubou a prisão por motivos processuais: considerou que não havia risco às investigações, chance de haver novos crimes ou possibilidade de fuga se os réus fossem soltos.
Na sessão desta terça, porém, Barroso acrescentou que, segundo sua interpretação da Constituição, o aborto até o terceiro mês da gestação não é crime. Para definir esse critério de tempo, o ministro observou regras aplicadas em diversos outros países.
"Praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante a fase inicial da gestação como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália", pontuou o ministro.
Acompanharam Barroso os ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Luiz Fux e Marco Aurélio, apesar de concordarem com a soltura dos médicos, não se manifestaram sobre a descriminalização do aborto.
Aborto em caso de zika
Embora não se aplique a outros casos, o entendimento desta terça da Primeira Turma deverá ser lembrada num julgamento previsto para o próximo dia 7 de dezembro, quando os 11 ministros da Corte debaterão no plenário se o aborto pode ser descriminalizado se a gestante estiver contaminada com o vírus da zika.
Atualmente, a prática do aborto só não é punida com prisão caso a gravidez seja resultado de um estupro, caso haja risco para a vida da mulher ou no caso de fetos anéncefalos, deficiência que inviabiliza a vida do bebê após o nascimento.