O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, cassou neste domingo (8) a liminar (decisão provisória) emitida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que permitia a apreensão de livros na Bienal do Rio de Janeiro.
O ministro atendeu a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Mais tarde, o ministro Gilmar Mendes proferiu decisão semelhante ao analisar medida cautelar impetrada pela GL Events Ehxibitions, organizadora da Bienal do Livro do Rio de Janeiro. A Prefeitura do Rio anunciou que recorrerá das duas decisões.
Na última quinta-feira (5), o prefeito Marcelo Crivella determinou o recolhimento de exemplares do romance gráfico "Vingadores, a cruzada das crianças" (Salvat), que tem a imagem de um beijo entre dois personagens masculinos. Neste domingo (8), Crivella negou que tenha havido "censura" na decisão.
Os livros eram vendidos lacrados, e a capa não tem nenhuma imagem de conteúdo erótico.
A organização da Bienal reagiu. Informou que não iria retirar os livros e que dá "voz a todos os públicos".
Na manhã de sexta-feira, todos os exemplares se esgotaram em pouco mais de meia hora. À tarde, fiscais da prefeitura foram àBienal para identificar e lacrar livros considerados "impróprios". A fiscalização não encontrou conteúdo "em desacordo com a legislação".
Ainda na sexta, a Bienal recorreu àJustiça para assegurar o "pleno funcionamento do evento" e, durante a noite, uma liminar foi concedida pelo desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, da 5ª Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Rio de (TJ-RJ) impedindo a apreensão de livros.
No entanto, a prefeitura recorreu, e, na noite de sábado (7), o presidente do TJ-RJ, Cláudio de Mello Tavares, mandou recolher as obras da Bienal que tratam de temática LGBT voltadas para o público jovem e infantil que não estivessem com embalagem lacrada e com advertência para o conteúdo, sob pena de apreensão dos livros e cassação de licença.
Foi por causa dessa decisão que Dodge foi ao STF. A procuradora-geral argumentou que a determinação do desembargador Tavares “fere frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artÃÂstica e o direito àinformaçãoâ€, contidos na Constituição. Dodge ainda disse haver uma “censura genéricaâ€.
'Livre trânsito de ideias'
Na decisão, Toffoli argumentou que a decisão do presidente do TJ-RJ, que permitia as apreensões, ligou as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado àinfância e juventude, "ferindo, a um só tempo, a estrita legalidade e o princÃÂpio da igualdade".
"Ademais, o regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias, no qual todos tenham direito a voz. De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo", afirmou Toffoli.
O presidente ainda destacou na peça judicial a decisão tomada pelo STF em 2011 que reconheceu o direito àunião civil para casais formados por pessoas do mesmo sexo.
"A liberdade de expressão é um dos grandes legados da Carta Cidadã, resoluta que foi em romper definitivamente com um capÃÂtulo triste de nossa história em que esse direito – dentre tantos outros – foi duramente sonegado ao cidadão. Graças a esse ambiente pleno de liberdade, temos assistido ao contÃÂnuo avanço das instituições democráticas do paÃÂs. Por tudo isso, a liberdade e os direitos dela decorrentes devem ser defendidos e reafirmados firmemente", sustentou o ministro.
‘Fato gravÃÂssimo’
O decano (mais antigo ministro) do STF, Celso de Mello, classificou a apreensão das obras como um "ato gravÃÂssimo".
Em nota àcolunista Mônica Bergamo, do jornal "Folha de S.Paulo", o ministro disse que "sob o signo do retrocesso – cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do estado – um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princÃÂpio democrático".
Ainda segundo o ministro, "mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica erigem-se, por ilegÃÂtima autoproclamação, àinaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República".