O Fantástico deste domingo (21) mostrou o caso do personal trainer João Antônio Trindade Bastos, de 23 anos, preso por engano em um estádio de Sergipe após falha no sistema de reconhecimento facial. O erro grave, no entanto, não se trata de um caso isolado.
Na orla de Aracaju, há cinco meses foi realizada uma prévia carnavalesca com milhares de pessoas e todo o percurso dos trios foi monitorado por câmeras. No meio da multiFadão, estava a auxiliar administrativa Taislaine Santos, de 31 anos, que foi identificada pelo reconhecimento facial como foragida da Justiça.
“Humilhada, constrangida. O que eu passei, eu não desejo para ninguém, foi muito difícil”, disse Taislaine.
A PM levou Taislaine na viatura. Ela contou ao Fantástico o que sentiu naquele dia: “Eu senti medo. Foi uma humilhação imensa, né? Milhares de pessoas estavam ali me vendo passar pela aquela situação. Foi muito constrangedor”, acrescentou.
Taislaine passou duas horas na delegacia, e precisou provar que não era a mulher que os policiais procuravam. “Eu acho sim que minha cor de pele influenciou com certeza na abordagem. Na forma como eu fui tratada”, lamentou.
Afinal, como o sistema funciona?
O sistema de reconhecimento facial analisa todas as características do rosto de uma pessoa. Nariz, boca, distância entre os olhos, o formato da mandíbula. Essas informações são processadas e viram um número de identificação digital, um algoritmo.
Especialistas criticam como estes programas são desenvolvidos. Nos EUA, por exemplo, uma pesquisa revelou que grandes algoritmos de reconhecimento facial erravam 34% a mais no caso de mulheres negras, em comparação com homens brancos.
"O nível de erro para homens brancos não chegava a 1%, né? Revelando exatamente como esses algoritmos são treinados majoritariamente com faces de pessoas brancas, o que faz com que esse algoritmo identifique mais facilmente rostos brancos do que rostos negros", explicou Pablo Nunes, cientista político e coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
O especialista afirma que esses programas, como estão, podem resultar em grande efeitos negativos para a população negra.
Com as polêmicas recentes, o governo de Sergipe suspendeu o uso do sistema, e anunciou que vai revisar as abordagens, para evitar constrangimentos como a de Taislaine.
Pioneiros no Brasil
Bahia e Rio de Janeiro são pioneiros no sistema de reconhecimento facial. Os testes no estado nordestino começaram em 2019. Atualmente, cerca de 800 câmeras operam em 81 municípios 24 horas por dia: um investimento de R$ 87 milhões, que levou à prisão de 1.523 pessoas.
No Rio de Janeiro, a sirene apita no Centro de Comando da Polícia Militar toda vez que um suspeito é reconhecido pelas câmeras.
“Então o agente aqui, analista, ele vai clicar na imagem pra analisar onde foi e se a pessoa tem similaridade com a foto do banco de mandados de prisão”, explicou Major Agdan Miranda Fernandes, diretor de Infraestrutura e Tecnologia da PM-RJ.
“Havendo a similaridade, imediatamente, ele já vai mandar pro batalhão da área pra poder fazer a abordagem. Se for essa pessoa, ele vai encaminhar pra delegacia. Se não for essa pessoa, ele é liberado imediatamente no local”, completou.
Em Sergipe, os primeiros testes com as câmeras de reconhecimento facial começaram há um ano, em partidas de futebol e festas públicas. Desde então, a polícia prendeu 13 pessoas.
“A Secretaria de Segurança Pública aqui do estado de Sergipe criou a comissão e já está discutindo esse protocolo. E a ideia nossa é justamente essa, a gente diminuir, a gente acabar cada vez mais com a exposição do cidadão que está sendo abordado”, Ten. Cel José Luiz Ferreira dos Santos, relações-públicas da Polícia Militar.