Em Lagarto, no centro-sul do Sergipe, o WhatsApp também parou de funcionar, mas ninguém parece chateado com o juiz da cidade, responsável pelo bloqueio do serviço no país inteiro. Marcel Maia Montalvão é um ídolo local.
"Aqui ele tem uma repercussão muito grande. Quem quer enfrentar a criminalidade tem um respaldo a favor. É o perfil Sérgio Moro", diz o jornalista e advogado Adailson Santos, que entrevistou o magistrado quando ele chegou ao município de 100 mil habitantes, em 2015.
A promessa da vinda do juiz era que ele travaria uma guerra contra o tráfico de drogas, um dos principais problemas da região. Na avaliação dos moradores ouvidos pela BBC Brasil, é isso que ele está fazendo ao barrar o aplicativo.
A decisão de Montalvão é uma tentativa de pressionar a empresa a quebrar o sigilo de conversas entre traficantes, para uma investigação em curso desde 2013. Também decretada pelo juiz, a prisão do vice-presidente do Facebook no Brasil, Diego Dzodan, em março, fez parte do mesmo caso.
Pelo país, as reações nas redes sociais foram enormes, e houve críticas diversas por um único juiz de primeira instância ter bloqueado um aplicativo em todo o território brasileiro.
Mas advogados, jornalistas e policiais lagartenses consultados pela BBC Brasil definiram Montalvão como, "bem preparado" e "humilde". Disseram que ele está sempre usando um colete à prova de balas e acompanhado de uma escolta policial. Também anda armado, devido às ameaças que já sofreu.
Antes de chegar à cidade, onde é o único juiz da Vara Criminal, atendendo de furtos a homicídios, ele trabalhava em Estância, a 65 km dali. Lá teria sido ameaçado por criminosos e por isso candidatou-se à vaga no município vizinho. Desde então, afirmam os locais, o lugar não é o mesmo.
"A chegada do Marcel foi de grande importância. Antes da vinda dele, estava muito violento. Vagabundo com ele...ah, ele trabalha em cima da lei, e não tolera. Tanto que a população de Estância está pedindo o seu retorno", diz o radialista Nando Moreno, há 25 anos na cidade.
Ele veio com o objetivo de organizar a vara criminal", diz Adailson. "É um dos mais rígidos no Estado."
Montalvão teve outras decisões de notoriedade no ano passado, quando decretou a prisão do ex-deputado estadual Raimundo Lima Vieira (PSL), envolvido em um escândalo de desvio de verbas da Assembleia Legislativa de Sergipe. Segundo o Ministério Público Estadual, o político fazia parte de um esquema de repasse irregular de recursos.
Procurado, ele não respondeu ao pedido de entrevista. A assessoria de imprensa da Vara Criminal disse que, como o processo que levou ao bloqueio do WhatsApp tramita em segredo de Justiça, ele não iria se manifestar sobre o caso.
Participativo e implacável
O magistrado é conhecido por participar das operações policiais e não ficar só no escritório. Na delegacia regional, um funcionário, que preferiu não se identificar, elogia.
"Ele aplica a lei com bastante rigor. E é o que precisa, a legislação é muito branda. Vagabundo pensa duas vezes antes de cometer algum delito, porque sabe que vai ser punido com o rigor da lei."
O policial compara Montalvão a seu antecessor, "voltado para os direitos humanos" e "mais leve" em relação às punições.
A identificação do juiz como "implacável" é reafirmada por suas falas. Na entrevista que concedeu a Adailson Santos em 2015, publicada no Portal Lagartense, o juiz falou de sua "missão" no local.
"Mas como eu já disse aqui estou à mercê de Deus e um dos predicados que todo magistrado deve ter é justamente o da coragem. Vim aqui para servir em nome de Deus e cumprir uma missão. E aqui cumprirei minha missão doa a quem doer."
Apesar da fama de justiceiro, na mesma entrevista, o magistrado rechaçou a frase "bandido bom é bandido morto", defendeu condições dignas para os presos e se disse favorável à redução da maioridade penal, mas com ressalvas.
"A maioridade penal não será resolvida com a menor idade penal. Não é reduzindo a idade de um ser humano que faz com ele não pratique aqueles atos que são contrários à lei."
Argumentos
Além de ser visto como duro no combate ao crime, Montalvão é considerado autor de argumentações bem fundamentada. Segundo os entrevistados, ele não tomaria uma decisão para aparecer, hipótese levantada após o pedido de prisão do executivo do Facebook e a determinação de bloqueio do WhatsApp.
"Não é um juiz que joga para plateia, que faz algo para ter ibope. É super-sensato com as suas decisões. O Facebook ou WhatsApp não estavam cumprindo a determinação judicial. Têm que estar sujeito à lei brasileira", defende o advogado criminalista Glover Castro, que participou de diversas audiências com Montalvão.
Colegas de Glover ressaltam que o sergipano é rápido no trabalho. Ele teria tirado o atraso dos processos e seria o "primeiro a chegar e o último a ir embora" na Vara Criminal.
Lá, mesmo com a escolta policial sempre presente, todos se sentem à vontade para conversar com o magistrado, dizem os entrevistados.
"É um cara simples. Durante uma audiência, se um garçom levar uma água para ele, tem que levar para todos ali presentes", conta Adailson.
A visão igualitária se refletiria em episódios recentes: "a decisão aplicada a um traficante ou a alguém que tenha dinheiro, como um representante do Facebook, (ocorre) da mesma forma."
Apesar da cordialidade com que parece tratar os moradores, pouco se sabe da vida pessoal de Montalvão. É consenso que ele não mora em Lagarto, mas ninguém arrisca dizer onde fica sua casa. Aracaju (a 80 km dali) é uma das apostas.
De sua história, sabe-se que foi professor de Matemática por 20 anos antes de se formar em direito, em 2001, e que seu pai era engraxate. Foi juiz eleitoral e passou por outros municípios do interior antes de parar em Lagarto.
"Ele é discreto", diz José Raimundo Ribeiro, ex-deputado estadual, ex-prefeito e pré-candidato às eleições municipais de 2016. Com 78 anos, nascido e criado ali, Ribeiro se diz orgulhoso do trabalho do recém-chegado, com quem sempre bate papo no fórum. O "doutor", conta, costuma usar terno, mas às vezes tira o blazer porque o calor com o colete é demais.
"Ele tomou medidas que merecem elogio de toda a sociedade lagartense." O tom de José se estende ao bloqueio do WhatsApp, que ele achou até bom. "Tem muita gente aqui em Lagarto que só vive de fofocas, jogando famílias contra famílias, não têm o que fazer, ficam mandando mensagem. Ele tomou uma posição acertadíssima."