O italiano Arrigo Sacchi ganhou quase tudo no futebol. O "quase" é em grande parte culpa da seleção brasileira. O título que acabou com a seca de 24 anos do Brasil, no Mundial de 1994, tirou do técnico que ficou célebre por montar o grande time do Milan de Van Basten, Gullit e companhia a chance de chegar ao topo do carreira com a conquista da Copa do Mundo.
A derrota nos pênaltis na Copa dos Estados Unidos, porém, não diminui a importância do treinador no futebol italiano. Com o Milan e a seleção, ele rompeu com uma característica já enraizada na Itália, a de que o importante no futebol é primeiro não levar gol para depois tentar vencer.
Hoje, Sacchi trabalha como comentarista de televisão e coordenador das categorias de base da Federação Italiana de futebol. Em entrevista ao UOL Esporte, o técnico analisou o jogo entre Brasil e Itália na próxima quinta-feira, em Genebra, na Suíça. Para ele, o meia-atacante Kaká, a principal novidade da lista de Luiz Felipe Scolari, se perdeu na carreira ao deixar o Milan.
"Não deveria ter saído do Milan. Ele era um rei, conhecia tudo, jogava tranquilo, seguro, tinha uma boa adaptação na Itália, conhecia os demais jogadores, tinha confiança dos dirigentes, dos jogadores, do treinador. Saiu porque tentava cobrar mais", afirmou o técnico.
CONFIRA A ENTREVISTA EXCLUSIVA DE ARRIGO SACCHI:
UOL Esporte: O que você espera do amistoso entre Brasil e Itália?
Arrigo Sacchi: Itália e Brasil são os dois maiores ganhadores de Copas do Mundo. Por isso é um jogo histórico. Os dois times têm problemas, mas estão melhorando. Itália chegou em segundo lugar na Eurocopa e o Brasil ainda está sendo montado pelo Felipão. Brasil sempre tem grandes jogadores, de nível. Tem jogadores com experiência. Thiago Silva, Dani Alves, Júlio César, Ronaldinho..
UOL Esporte: Ronaldinho não estará neste jogo. A novidade é a volta do Kaká...
Arrigo Sacchi: Kaká, eu não sei. Mas hoje ele é uma incógnita. Era um jogador que me encantava, mas hoje está jogando pouco. É difícil fazer uma avaliação sobre ele.
UOL Esporte: Por que você acha que teve essa queda?
Arrigo Sacchi: Os jogadores muitas vezes se equivocam. Quando estão bem num lugar, num clube, acabam indo embora porque vão lhes pagar mais dinheiro em outro lugar. Quase sempre estão mais ricos, mas piores tecnicamente e até menos contentes
UOL Esporte: Você acha que foi um equívoco a sua saída do Milan?
Arrigo Sacchi: Sim, ele não deveria ter saído. No Milan era um rei, conhecia tudo, jogava tranquilo, seguro, tinha uma boa adaptação na Itália, conhecia os demais jogadores, tinha confiança dos dirigentes, dos jogadores, do treinador. Foi para um grande clube, é verdade. Eu estive no Real Madrid. É um lugar fantástico. Mas teve, é visível, problemas de ambientação. Alem da questão física, teve um problema de autoestima. Isso acontece quando não se está tranquilo, seguro, coisas negativas acontecem do ponto de vista técnico.
UOL Esporte: O Kaká costuma argumentar que saiu porque o Milan também quis que ele saísse, que o clube queria vendê-lo.
Arrigo Sacchi: Ele saiu porque tentava cobrar mais. Milan não podia dar tanto quanto ele queria. Eu acho que ele já cobrava bastante. Era 10 vezes o que ele ganhava quando chegou à Itália. É o mesmo que aconteceu com Shevchenko. Se foi do Milan [para o Chelsea] e acabou como jogador.
UOL Esporte: O que você conhece da atual seleção do Brasil? O "jogo bonito" acabou?
Arrigo Sacchi: Eu acho que quem joga melhor terá mais chances de ganhar. É algo óbvio. Mas cuidado, o Brasil ganhou cinco vezes, quando a primeira coisa é que tinha um espírito de equipe. Brasil sempre tem grandes jogadores, teve gerações geniais que não ganharam. Sempre que ganhou foi porque teve espírito de equipe, jogando com os 11 jogadores, não esperando um craque resolver sozinho. Isso numa seleção é complicado porque se tem pouco tempo. O Brasil tem que ter fantasia. Sem espírito e fantasia o Brasil não consegue ganhar.
UOL Esporte: Mas a geração atual de jogadores brasileiros não é pior que as anteriores?
Arrigo Sacchi: O Brasil sempre tem jogadores interessante. Tem bons jogadores atuando na Europa. Não vejo como um problema individual, vejo como algo coletivo do time.
UOL Esporte: O que você acha do Neymar?
Arrigo Sacchi: Me encanta! Tem um futuro promissor. Tem técnica, fantasia, capacidade. Mas repito, não está sozinho, tem Lucas, e um jogador muito técnico que é muito bom, do Chelsea, o Oscar. Sempre haverá bons jogadores brasileiros. O problema é conseguir armar um time.
UOL Esporte: No Brasil se fala que ele precisa ir para a Europa para Neymar na Europa?
Arrrigo Sacchi: Eu acho que tudo que é bom quando uma pessoa está convencida. Se ele estava convencido de que ficar no Brasil é bom, ele escolheu a melhor coisa. Claro que vai se aprimorar se vier para a Europa, mas está bem. Tem muito futuro, é jovem.
UOL Esporte: Para você, qual o melhor time hoje?
Arrigo Sacchi: Espanha, sem dúvida. Estão muito à frente dos demais. Tem jogadores importantes, mas, mais do que isso, um estilo de jogo definido. Domina as partidas e por isso vence com tranqüilidade até. Tem um estilo moderno. Mais adiantado que os rivais. Os times ficam esperando sempre que um jogador decida. Eles parecem que tem um "roteiro", por assim dizer. E , claro, com ele e as individualidades conseguem se superar.
UOL Esporte: E na Itália, o Catenaccio acabou?
Arrigo Sacchi: Tentamos melhorar. O técnico da seleção da Itália, Cesare Prandelli, é uma pessoa que eu conheço bem, esteve comigo no Parma. Ele gosta de um futebol bonito. Temos dificuldade para imprimir isso porque os jogadores não estão acostumados. Nos seus times jogam num sistema mais defensivo. Na Eurocopa, depois da Espanha, foi o time que jogou um futebol mais bonito.
UOL Esporte: Itália ou Brasil? Quem joga mais bonito?
Arrigo Sacchi: Não sei. O Brasil tem sempre jogadores muito bons, mas nem sempre tem um jogo bom, um esquema bom.
UOL Esporte: E a derrota de 1994, na final da Copa do Mundo, ainda é algo que o faz sofrer?
Arrigo Sacchi: Sofrer? Não. Era um time com grandes jogadores, me lembro de Romário, Bebeto. No final ganhou quem merecia mais. Mas fomos fortes até o fim. Não perdemos no jogo, perdemos nos pênaltis.Sim, houve um tristeza, mas quando chega nos pênaltis, você pode ganhar ou perder. Estavam todos exaustos. Foi uma Copa num clima muito ruim para a gente. Fazia muito calor e isso prejudicou o nosso time também. Mas repito, venceu quem mais mereceu.