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Sabesp aposta em clima, mas especialista alerta que água pode acabar em 100 dias

Publicada em 02 de Julho de 2014 �s 11h30


Cantareira, que abastece 9 milhões só na capital, registra 20,4% de sua capacidade nesta terça-feira Cantareira, que abastece 9 milhões só na capital, registra 20,4% de sua capacidade nesta terça-feira Enquanto a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) mantém o discurso de que o volume de água atual dos sistemas Cantareira e Alto Tietê é suficiente para durar até março e de que as chuvas a partir de outubro normalizarão os dois reservatórios, especialistas alertam para uma realidade bem menos otimista. Chefe do Departamento de Recursos Hídricos da Universidade de Campinas (Unicamp), Antônio Carlos Zuffo calcula em no máximo 100 o número de dias em que as 30 milhões de pessoas dependentes dos sistemas se verão completamente sem abastecimento caso medidas concretas não sejam tomadas para mudar a situação atual. Imagem: Patricia StavisCantareira, que abastece 9 milhões só na capital, registra 20,4% de sua capacidade nesta terça-feira O agravamento tem sido cotidiano. Em 28 de maio foi iniciada a retirada do volume morto das represas do Cantareira. A medida, na qual a água localizada sob o nível das comportas dos reservatórios foi bombeada para cima, elevou o nível do sistema para 26,7% de sua capacidade. Pouco mais de um mês depois, nesta terça-feira (1º), ele chegou a 20,4%, uma taxa de 0,18% de queda diária, que deve levar o volume útil anterior - de 8,2% passou para 1,5% - a zerar já no próximo dia 8 de julho. "O cenário em que encontramos é cada vez pior, porque as medidas deveriam ter sido tomadas em janeiro, no máximo em fevereiro, mas nada de fato foi feito. E estamos alertando para a seca desde o ano passado", explica Zuffo em entrevista ao portal iG. "O governo precisa assumir que a crise é extremamente grave e decretar o racionamento o quanto antes para garantir que cheguemos ao período chuvoso ainda com água. Sem o Alto Tietê e o Cantareira, São Paulo literalmente para." saiba mais Sistema Cantareira esvazia em ritmo mais rápido Situação do Sistema Cantareira ainda é dramática, diz presidente da ANA Sem chuvas em SP, Cantareira pode secar até outubro Nível do Sistema Cantareira volta a cair e chega aos 26,2% Maio pode tornar-se o mês mais seco da história do Cantareira Leia mais sobre Crise no Sistema Cantareira Para chegar ao cálculo, Zuffo levou em consideração uma série de fatores. A começar pela continuidade da estiagem, que tem afetado toda a região dos reservatórios, no interior paulista, desde o início do ano. Em nota enviada ao portal iG na semana passada, a Sabesp reforçou que não trabalha com qualquer possibilidade de racionamento, rodízio ou restrição de consumo nos municípios onde atua, destacando que "em outubro inicia-se o período de chuvas, que deve ajudar a normalizar os níveis dos mananciais". Infelizmente, o clima, como ficou comprovado nos últimos meses, não é tão previsível. Em janeiro e fevereiro, as chuvas ficaram quase três vezes abaixo da média. Em dezembro, esse indíce chegou a quase quatro vezes. Em março e abril as precipitações voltaram à situação esperada, mas em maio houve novo retrocesso, com menos da metade das chuvas aguardadas nas regiões e, em junho, mais uma vez, quase quatro vezes inferiores ao normal para a época. "Historicamente, as chuvas podem atrasar, podem começar só em dezembro em vez de em outubro. E, se elas atrasarem uma semana, teremos dois reservatórios sem água nenhuma", alerta Zuffo. A meteorologista Neide Oliveira, do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), concorda. "É uma tendência normal a redução dos regimes de precipitação nesta época, que, no entanto, está mais seca do que o habitual. Analisando da mesma forma, as chuvas devem voltar a ocorrer de novo entre setembro e outubro. Mas a atmosfera é muito dinâmica, pode mudar o tempo todo", diz ela. "Assim, é impossível fornecermos previsões de longo prazo, pois simplesmente não dá para confiar. O que fazemos são previsões de dez dias e elas dizem que o tempo continua seco." Membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê - que passou a abastecer 4 milhões de pessoas na capital paulista em fevereiro como forma de amainar a crise do Cantareira e hoje conta com apenas 26% de volume útil -, o professor José Roberto Kachel tem cálculos um pouco mais otimistas, mas segue a previsão de calamidade do colega caso a atual situação permaneça. "Se persistir a estiagem, temos de 145 a 150 dias para um esvaziamento total das represas do Alto Tietê", diz ele. "A Sabesp insiste que não existe possibilidade de esvaziamento das represas e, consequentemente, necessidade de redução da vazão captada porque virão chuvas com intensidade para recuperá-las. Só resta rezar para que ela esteja com a razão." Pensando em alternativas, o Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), que atua no incentivo à recuperação dos mananciais da região do Cantareira, propôs, em encontros realizados no interior paulista na semana passada, o início de um processo de "intercalamento" no uso das águas dos dois sistemas. Baseado em um modelo aplicado há anos no Ceará - chamado de "alocação de água" no Estado, acostumado com a seca -, ele propõe uma espécie de racionamento no qual a recomendação é que a captação de recursos seja revezada entre os setores agrícola, industrial e urbano a fim de não sobrecarregar os sistemas. "É um grande acordo dos usuários para sistematizarem os usos. Hoje, a captação de todos os setores é feita principalmente de dia, então a ideia é fazer com que haja um revezamento. Por exemplo, o município capta sua parte durante o dia, enquanto a indústria e o setor agrícola se revezam ao longo da noite. Mas isso não tem nenhuma ligação com os órgãos gestores, seria uma comissão estabelecida pelos três setores para se avaliar e decidir. O fato é que, se a retirada permanecer como está, corremos o risco real de exaurir os reservatórios", diz o PCJ. A distribuição da captação, no entanto, apenas retardaria a paralisação das indústrias e empresas agrícolas durante o período de estiagem, ou seja, prolongaria a atividade econômica, mas sem um efeito prático em relação à inevitável seca dos reservatórios. "É uma sobrevida, porque, se isso não ocorrer, a indústria vai dispensar e, naturalmente, de forma gradativa também haverá um desabastecimento de produtos", analisa Zuffo, citando o déficit de 12 m3/s no abastecimento apenas no Cantareira. A Agência Nacional da Águas (ANA), responsável pela outorga da água para os governos estaduais, junto ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), já recomendou a adoção de um critério para operar os reservatórios com expectativas de curto prazo, fazendo controles semanais ou quinzenais e os devidos ajustes posteriores para que as vazões sejam liberadas de acordo com o verificado no período anterior. Para evitar a seca, os órgãos podem até obrigar a Sabesp a reduzir o abastecimento - o que a companhia nega, defendendo a atual operação dos dois sistemas como dentro de suas expectativas. "A empresa tem envidado todos os esforços no sentido de minimizar os efeitos da estiagem de maneira a poupar a população de eventuais incômodos. Foram adotadas medidas como implantação do bônus para quem economizar água, transferência de águas dos sistemas Alto Tietê e Guarapiranga para usuários do Cantareira, início de obras para utilização da reserva estratégica e uma intensa campanha sobre a necessidade de economizar água junto aos veículos de comunicação. Até o momento, houve adesão de 91% da população ao bônus. Desses, 54% o atingiram", diz em nota. Para Zuffo, o discurso é vazio e tem ligação direta com a disputa eleitoral de outubro, quando Geraldo Alckmin, cujo governo é proprietário da Sabesp, tentará a reeleição. "Já era para termos racionamento há muito tempo. Do jeito que está, além da falta d´água total para a população, veremos em breve também a falta de energia, e tudo isso gerará um efeito dominó, com escassez de produtos no mercado, fechamento de indústrias, aumento de preços, de desemprego, de criminalidade, shoppings e escolas fechando. É um horizonte bastante negro", diz Zuffo. "O governo está brincando com a vida de 30 milhões de pessoas no Planalto Paulista, expondo a população a um risco extremamente elevado apenas para ganhar uma eleição."

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Fonte: Vooz �|� Publicado por:
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