A recente prisão de Fábio Coelho , presidente do Google no Brasil, mostra que o País ainda vive um momento de indefinição sobre como deve ser tratado o conteúdo publicado na web, e em que situações ele deve ser retirado do ar. O executivo foi preso após a empresa manter no ar um vídeo publicado no YouTube com supostas acusações a Alcides Bernal (PP), candidato à prefeitura de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
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“O Brasil está omisso em relação a este assunto, está atrasado. Não existe nenhuma lei que diz que tipo de conteúdo deve ser retirado”, disse o deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG), relator do projeto de Lei nº 84/1999.
A proposta do PL-84, atualmente em discussão no Congresso, é definir os tipos de crimes virtuais e a conduta dos provedores (empresas que fornecem conexão de internet, mas também empresas que oferecem serviços na web, como redes sociais) no caso de investigações sobre crimes como pedofilia ou difamação na web.
Já para Gisele Arantes, advogada especialista em direito digital do escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados, a legislação atual, apesar de não tipificar os crimes virtuais, ainda permite que a Justiça trate a maior parte dos casos que envolvem a web. “Leis que tratem do mundo virtual fazem falta, mas conseguimos trabalhar bem usando ao fazer a analogia com as leis existentes”, diz Gisele.
Recurso negado
Segundo Gisele, o juiz da 35ª Zona Eleitoral de Campo Grande (MS), Flávio Saad Peron, pediu a prisão de Fábio Coelho com base no artigo 347 do Código Eleitoral, que estabelece que ninguém deve recusar o cumprimento às ordens da Justiça Eleitoral ou impedir a sua execução – independentemente do ambiente a que esta ordem se aplique, seja real ou virtual.
O mandado de prisão foi expedido apenas depois que o juiz solicitou a retirada dos vídeos do site. Segundo o Google, o vídeo continuou no ar porque a empresa entendeu que ele não infringia as leis brasileiras e, por isso, entrou com um recurso. “Enquanto aguardávamos a apreciação de nosso recurso, um mandado de prisão foi expedido contra minha pessoa na qualidade de representante legal do Google Brasil”, disse Coelho, em uma mensagem publicada no blog oficial do Google.
Segundo Gisele, do PPP Advogados, o Google deveria ter cumprido a ordem judicial no momento em que ela foi expedida pelo juiz. “Não cabe à empresa nenhum juízo de valor. Ela deve cumprir a decisão no prazo especificado”, diz a advogada. O presidente do Google foi liberado no mesmo dia da detenção (26), após o mesmo juiz que indeferiu o recurso emitir seu alvará de soltura, por considerar que se trata de um crime de menor potencial ofensivo.
Defesa da liberdade de expressão
Após a liberação de Coelho, o juiz declarou o recurso do Google indeferido e a empresa foi obrigada a bloquear o acesso ao vídeo no Brasil. Internautas que acessam o site a partir de outros países, no entanto, conseguem acessar o vídeo normalmente.
“Estamos profundamente desapontados por não termos tido a oportunidade de debater plenamente na Justiça Eleitoral nossos argumentos de que tais vídeos eram manifestações legítimas da liberdade de expressão e deveriam continuar disponíveis no Brasil”, disse Coelho, no blog oficial.
Em casos recentes, como do filme anti-islâmico “Inocência dos muçulmanos” que causou manifestações em diversos países do Oriente Médio, o Google também optou por enfrentar a Justiça e manter o vídeo no ar. “Este vídeo se enquadra claramente em nossas regras e, assim, ele não tem razão de ser excluído do YouTube. No entanto, nós temos restringido o acesso ao filme em países onde ele é ilegal, como Índia, Indonésia e Líbia”, disse um representante do YouTube à BBC.
“Temos políticas bem claras sobre quais vídeos são inaceitáveis – e quando denunciados, nós analisamos e, se necessário, removemos”, diz Coelho, do Google. Em suas diretrizes para vídeos publicados no YouTube, o Google proíbe que os usuários publiquem vídeos com conteúdo de sexo e nudez, apologia ao ódio, que contenham imagens chocantes ou de crianças. No site oficial, é possível consultar a lista de restrições para vídeos do YouTube.
Polêmica é antiga
O Google já enfrentou diversos processos no Brasil que pediam a remoção de conteúdo de serviços como o YouTube e Orkut. Em alguns dos casos, alguns deles movidos por celebridades, o Google levou a melhor e o conteúdo continua no ar.
Foi o caso da apresentadora Daniella Cicarelli , que pediu a remoção de um vídeo que mostrava imagens íntimas dela com seu namorado Tato Malzoni em uma praia da Espanha em 2006.
A apresentadora Xuxa Meneghel também perdeu um processo contra o Google no início de 2012, quando pediu a remoção de todos os resultados de busca que ligassem o nome da apresentadora a conteúdos de pedofilia ou sexo. A maior parte dos links está relacionada ao filme “Amor estranho amor”, em que Xuxa participa de cenas sensuais com um adolescente. O processo foi iniciado pela apresentadora em 2010.
Projetos de Lei
O projeto de Lei nº 84, do deputado Eduardo Azeredo, está em discussão desde 1999. A demora se deve ao seu teor polêmico. Entidades de defesa da internet acusam o projeto de restringir a liberdade de expressão na internet e também solicitar que os provedores de acesso e serviços “espionem” as atividades dos usuários enquanto navegam na web, de modo a contribuir com as autoridades em futuras investigações sobre crimes cometidos em ambiente virtual.
Segundo Azeredo, o objetivo do projeto é tornar mais claro para os internautas e para as empresas de internet quando são cometidos crimes virtuais e, se um conteúdo, como um vídeo ou mensagem, estiver envolvido, quando é possível pedir na Justiça sua retirada do site em questão. “A lei de crimes virtuais facilitará as investigações e as decisões da Justiça”, diz o deputado.
Outro projeto de Lei que poderá influenciar nas decisões da Justiça em relação ao conteúdo na web é o Marco Civil da Internet . Atualmente em discussão no Congresso, ele reforça a posição do Google e de outras empresas de internet. Elas argumentam que os provedores de serviço só podem ser responsabilizados criminalmente caso se recusem a retirar do ar conteúdo após receberem ordem judicial. Os provedores não teriam, portanto, a responsabilidade de fiscalizar todo o conteúdo publicado por seus usuários no momento da em que eles vão ao ar.