Pressionado por conta das suspeitas de corrupção investigadas pela Justiça dos Estados Unidos em entidades de organização do futebol, o presidente da CBF, Marco Polo del Nero, esteve nesta terça-feira em audiência pública na Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados, em Brasília, para uma sabatina de cerca de cinco horas, sem pausa, com parlamentares. Alguns deles pediram sua renúncia - que ele rejeitou. Acuado por perguntas duras, que questionaram abertamente sua participação nas fraudes, Del Nero garantiu aos interlocutores que desconhecia o esquema de corrupção denunciado pelos americanos. Ao
- Nenhuma notícia eu tinha e nem sabia de nenhum fato desabonador do presidente Marin (José Maria Marin, seu antecessor na presidência da CBF, um dos sete presos na Suíça). Não compartilho dessas coisas. Não sabia disso. Quando ele foi detido, eu estava no hotel. Eu desci, ele já tinha saído. Queria saber o que estava acontecendo. Não posso responder por cada ser humano, nem por meu próprio irmão. Não tenho um, mas considerava o Marin um irmão - disse ele.
Del Nero assegurou que não deixará a presidência da CBF. Garantiu que ficará no cargo até o fim.
- Renuncia quem tem alguma coisa errada. Não renuncio. Vou até o fim do meu mandato. Fui eleito democraticamente. Tenho a obrigação. Às vezes, dá vontade de ir embora. Presidente de clube tem vontade de ir embora todo dia. Eu também não vou renunciar. Vou ficar lá até meu último dia de mandato.
O dirigente também foi perguntado sobre ser, ou saber quem é, o "conspirador 12" - um dos pilares do esquema de corrupção. Mais uma vez, garantiu inocência.
- Não sei quem possa ser. Posso ter certeza que eu não sou. Não fiz nada errado.
Crítico do atual presidente da CBF desde a época em que Del Nero esteve à frente da Federação Paulista de Futebol (FPF), Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians, afirmou esperar que ele não seja o "coconspirador 12".
- Eu torço mesmo, de coração, para que você não seja o 12º coconspirador, até pela amizade que eu tinha com o senhor, porque talvez o futebol brasileiro não se recuperasse disso.
"Dor" e defesa
Antes de começar a responder perguntas, Del Nero fez um pronunciamento e comentou as suspeitas de irregularidades. Referiu-se especialmente à prisão de Marin. E disse que ficou ferido com a situação.
- Não posso deixar de lamentar o que vem ocorrendo. São fatos sumamente graves, noticiados pela imprensa, mas infelizmente atingem um grande companheiro com quem mantive um convívio nos últimos anos. Isso machuca muito mais. Era um homem com quem eu participava de todos os momentos. A propósito das denúncias que a todos surpreenderam, cabe-nos aguardar o encerramento das investigações em curso.
Em suas primeiras colocações, Del Nero já se protegeu de eventuais suspeitas sobre a escolha de sedes da Copa do Mundo - o centro das investigações, mas sem indícios sobre o Mundial de 2014, no Brasil. Disse que nunca participou do processo.
- Faço questão de esclarecer que jamais participei de escolhas da sede da Copa do Mundo. Não votei e não sei como foi no passado. Falam até que no Brasil teve alguma coisa errada quando, na verdade, tivemos uma candidatura única. Não sei como pode ter algo errado se fomos candidatura única - disse ele, referindo-se à escolha da sede de 2014.
O presidente da CBF foi questionado sobre sua participação em contratos realizados antes de ele assumir a função - alguns são suspeitos de corrupção. Ele confirmou que participou de reuniões.
- Acompanhava os contratos quando era chamado. Naqueles que fui chamado a participar, participava como ouvinte. Podia opinar. Era mais sobre tempo de contrato. Normalmente, valores estavam mais ou menos combinados. Quanto maior era o número de anos, melhor, porque havia garantias. No regime presidencial, a palavra final é sempre do presidente. Hoje, é minha. Antes, era do Marin. Mas participei, sim - admitiu.
Del Nero também foi perguntado sobre como funcionam os contratos com empresas de marketing. Segundo ele, a CBF aceita as empresas vantajosas financeiramente.
- Não contratamos empresas de marketing. As que oferecerem alguma coisa que leve dinheiro à CBF, contratamos. Não temos empresas de marketing prestando serviços à CBF.
O sucessor de Marin não vê razão para oferecer a quebra de seus sigilos - bancário, telefônico etc. Diz que a decisão cabe à Justiça.
- Temos que respeitar a Constituição Federal. Se o Poder Judiciário entender que deve ser quebrado, será quebrado. Mas por quê? O que fiz de errado? Não é assim: ir abrindo o sigilo, mostrando as contas. São particularidades da nossa vida. Se tiver que abrir, o Poder Judiciário vai pedir. Temos que obedecer o sagrado processo penal.
A sabatina foi interrompida brevemente por uma manifestação. Um grupo se colocava contra a redução da maioridade penal. "Esporte sim, cadeia não", gritavam.
Ao fim da sabatina, Marco Polo Del Nero deixou a Câmara dos Deputados sem conceder entrevistas. No trajeto do dirigente entre o plenário e o estacionamento, houve bastante tumulto envolvendo jornalistas, que tentavam fazer perguntas, e seguranças, que abriam caminho para a passagem da comitiva da CBF.
O escândalo
As investigações da Justiça americana provocaram a prisão de sete dirigentes da Fifa no último dia 27 de maio, em Zurique, na Suíça. Entre eles está o ex-presidente da CBF José Maria Marin. Entre as suspeitas de irregularidades, estão contratos da entidade máxima do futebol brasileiro com uma empresa americana de materiais esportivos e pagamentos relacionados à Copa do Brasil.
Mesmo não citado até o momento nas denúncias, Del Nero vem sendo bastante questionado por ter ocupado cargo de vice-presidente e ter tido atuação bastante ativa na CBF durante a gestão de Marin. Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) deve ser instalada nos próximos dias no Senado Federal para apurar possíveis irregularidades na confederação.
Nos últimos dias, Marco Polo del Nero vem tomando algumas medidas para tentar se estabilizar à frente da CBF. A entidade anunciou o início de uma revisão em todos seus contratos. Também informou que foram entregues cópias dos documentos ao Ministério Público, para que sejam analisados. A CBF ainda convocou para a próxima quinta-feira uma assembleia extraordinária em que serão discutidas mudanças parciais no estatuto, incluindo a limitação de mandato e uma nova forma de escolha de vice-presidentes. Nesta segunda-feira, dirigentes da entidade se reuniram com representantes dos clubes e confirmaram que outra alteração deve ser a concessão de autonomia aos Conselhos Técnicos dos campeonatos nacionais.