Dilma Rousseff com o Cardeal Dom Orani Tempesta em Roma, em 22 de fevereiro deste ano
Imagem: IGDilma Rousseff com o Cardeal Dom Orani Tempesta em Roma, em 22 de fevereiro deste ano
Para conquistar votos dos eleitores católicos, candidatos à Presidência da República já dedicam boas horas de suas campanhas a participações em missas, festas religiosas e às promessas de atenderem à pauta lançada pela Igreja para as eleições deste ano. O tucano Aécio Neves investiu em peregrinações e festas em homenagens aos santos católicos, na busca de uma identificação com o eleitor religioso. Já a presidente Dilma Rousseff tratou de agradar à cúpula católica, atendendo suas reinvindicações apresentadas nos bastidores, bem antes do início da campanha.
O socialista Eduardo Campos, por sua vez, também procurou o clero para rezar a cartilha das eleições deste ano, em defesa da reforma política. Além disso, assumiu o compromisso de não mexer na legislação sobre aborto.
Dilma costurou apoios na cúpula da igreja, tendo como ponto inicial da conversa a defesa de uma proposta de reforma política, com plebiscito. A proposta é um dos pontos centrais de seu programa de governo e também da cartilha “Pensando o Brasil”, lançada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que orienta os católicos a votarem em candidatos que defendam as mudanças na política.
Na campanha passada, Dilma se viu às voltas com temas de cunho moral como aborto e casamento gay, assuntos caros para as igrejas. A polícia chegou a apreender em uma gráfica de Guarulhos, mais de dois milhões de panfletos encomendados em nome da CNBB. Os panfletos serviriam para orientar fiéis a não votarem no PT ou em Dilma, devido ao “interesse” dela e do partido na legalização do aborto.
Neste ano, para se prevenir das críticas, a presidente Dilma ainda aceitou enviar ao Congresso um projeto de lei para “corrigir” o termo “profilaxia da gravidez” constante na lei 12.845, que regula o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Além de substituir na lei o termo por “medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro”, a proposta exigida pelos religiosos também substitui a expressão “qualquer forma de atividade sexual não consentida” por “formas de estupro”.
Com isso, alegam os religiosos, o texto da lei não abriria qualquer possibilidade de legalização do aborto no Brasil, fora das exceções previstas no Código Penal.
O envio da proposta para correção dos termos ao Congresso ocorreu logo após a sanção da lei pela própria presidente, em agosto de 2013. Para chegar a Dilma, representantes da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), apoiados por alguns pastores evangélicos, contaram com a articulação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ligado à Igreja Católica.
Embora a proposta não promova uma mudança importante no mérito da lei, os religiosos enxergam nela a possibilidade servir de cabide para uma série de emendas. O projeto, que está em discussão na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara, já conta com emendas do deputado Henrique Afonso (PV-AC) e do deputado João Campos (PSDB-GO), autor do projeto de lei que ficou conhecido por promover a “cura gay”.
Agenda religiosa intensa
Nas duas primeiras semanas de campanha, a agenda de Aécio foi cheia de atos pensados para indicar sua devoção católica. Em uma das primeiras agendas de campanha, Aécio incluiu em seu roteiro uma passada pelo Convento da Penha, em Vila Velha, no Espírito Santo, principal ponto de peregrinação do Estado. Ele alegou que Tancredo Neves, há 30 anos, deu início à campanha pela democratização, em terras capixabas e que, com o gesto, seguia os passos de seu avô para a campanha.
Nas outra semana, o candidato do PSDB à Presidência da República visitou o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e participou de cerimônia religiosa ao lado do arcebispo metropolitano da capital, dom Walmor Oliveira de Azevedo.
Na ocasião, Aécio lançou mão novamente da tradição. Disse que, reproduzia no local os passos do avô, que costumava dar início a suas campanhas no local. “Faço questão, no momento em que essa caminhada se inicia efetivamente, com muita fé, de pedir coragem, serenidade para enfrentar obstáculos que serão colocados à nossa frente. Temos uma missão complexa e não a cumpriremos sem enfrentar dificuldades”, disse o tucano.
Em pouco mais de duas semanas de campanha, Aécio assistiu à missa em Juazeiro do Norte (CE) em homenagem a Padre Cícero e prometeu a criação de um roteiro religioso de 800 quilômetros ligando o santuário de Caeté (MG) à Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP), pela Estrada Real.
Ele ainda se reuniu com o cardial arcebispo, Dom Orani Tempesta, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, em busca de apoio.
Integrantes da campanha de Aécio fazem questão de dizer que as agendas religiosas são naturais por se tratar de um candidato que sempre foi católico praticante, de família católica tradicional mineira, e que a concentração da agenda do início da campanha em atividades religiosa ocorreu por pura coincidência. “Não foi nada deliberado, ele é muito religioso”, diz o deputado federal Marcus Pestana (PSDB-MG), um dos mais próximos de Aécio.
“O povo brasileiro é extremamente religioso. Não diria que as pessoas misturam política com religião, mas quando elas veem um candidato assim, se identificam”, admitiu Pestana.
O coordenador-geral da campanha tucano, o senador José Agripino Maia, despista quando o assunto é a busca do voto religioso. “O Estado é laico”, diz ele.
Cláusula de barreira
Ao clero e em entrevistas, Aécio falou do seu compromisso em encaminhar ao Congresso, caso seja eleito, uma proposta de reforma política. No entanto, de acordo com a coordenação de sua campanha, a proposta defendida pelo tucano em nada tem a ver com a iniciativa popular defendida pela CNBB, pelo PT, e por diversas entidades, entre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Não é o que eu converso com ele”, disse Agripino.
A reforma política que Aécio quer encaminhar ao Congresso tem como ponto principal a cláusula de barreira para limitar o número de partidos. "Este será o ponto de partida”, explicou Agripino. "O que ele propõe é uma reforma exequível e não um monte de ideias sem chances de serem aprovadas pelo Congresso."
A cláusula de barreira existe em vários países, mas no Brasil não chegou a ser implantada por ter sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Ela exige de um partido tenha um número mínimo de 5% do total de votos para a Câmara dos Deputados, no âmbito federal, e nas casas legislativas dos Estados e municípios para que a legenda possa continuar funcionando.
A reforma proposta pela CNBB vai noutro sentido. Os bispos católicos querem a convocação de um plebiscito, a votação em listas fechadas para as eleições proporcionais, com alternância entre mulheres e homens nestas listas. A proposta defende ainda, como ponto importante, a proibição de financiamento de campanha por empresas privadas, ponto que os tucanos se posicionaram contrários no Congresso.
Sem regras novas sobre aborto
Eduardo Campos, por enquanto, reservou espaço à Igreja Católica na na pré-campanha, quando esteve com o bispo de Aparecida, dom Raymundo Damasceno. Na ocasião, ele recebeu a pauta católica e prometeu dar seguimento, caso seja eleito. Sua vice, Marina Silva, que é evangélica, também participou do encontro.
Além de assumir a reforma política propostas pela Igreja, Campos também disse que não enviará ao Congresso, caso seja eleito, nenhuma proposta de legislação que modifique as regras sobre aborto.
Atualmente o aborto só é permitido do Brasil para gestações decorrentes de estupro ou que representem risco de vida para a mãe. Além disso, por decisão do STF, a gravidez pode ser interrompida em casos de anencefalia fetal.