Atrasos, baixa qualidade, falhas de projeto... quem já fez uma reforma ou acompanha o mercado imobiliário sabe dos obstáculos enfrentados pela construção civil brasileira.
E como ela é intensiva em mão de obra, muitas vezes recai sobre os trabalhadores a responsabilidade pelos problemas do setor - que apesar de estar perdendo o fôlego, ainda é responsável por 8% do total de ocupados no país.
Uma das questões é justamente essa: o apetite por trabalhadores significou uma enxurrada de novatos.
Hugo Rosa, presidente da Método Engenharia, nota que a taxa de trabalhadores com menos de um ano de experiência no setor chegou a atingir 50% recentemente, o que ajudou a baixar a produtividade.
Em pesquisa recente da EY com empresas de capital aberto da construção, a qualificação de mão de obra foi citada por 78% como uma das lacunas da produtividade nos últimos dois anos.
O mesmo número de empresários cita o treinamento como uma das medidas sendo tomadas para resolver o problema. Ana Estela, pesquisadora do IBRE-FGV, diz que as construtoras tem um horizonte longo e foram pegas de surpresa pelo boom do país:
"Até 2005, não havia uma perspectiva sustentável de crescimento, então elas não investiam em treinamento e formação, o que passaram a fazer. Mas o resultado demora para aparecer".
Ela nota que não só as empresas, mas sindicatos e cursos técnicos do governo estão contribuindo com o processo, assim como o aumento de salários, que ajuda a atrair um novo tipo de profissional. Com o tempo, isso deve mudar o perfil da mão de obra.
Artesanal X industrial
Para Rosa, o baixo nível técnico e educacional do brasileiro é uma queixa generalizada dos empresários de todos os setores, mas está longe de ser o principal problema: "você vai para os Estados Unidos e vê muitos trabalhadores que vem da América Latina, inclusive do Brasil, e os mesmos que tem aqui uma baixa produtividade tem uma alta produtividade lá."
A chave para entender o problema são os itens que figuram no topo da lista da mesma pesquisa da EY: melhoria de projetos, de gestão e de métodos.
Moral da história: vai ser difícil (e insuficiente) qualificar o trabalhador até que o método de construção deixe se ser basicamente artesanal, como é hoje.
"A questão não é qualificar o trabalhador para o que é feito hoje, e sim passar para um processo industrializado, com menor dependência desse artesanato, onde cada serviço tem uma caractéristica diferente. Quando você tem o trabalhador em um ambiente industrial, aí sim você pode qualificar pra valer", diz Rosa.
Os incentivos, hoje, vão muitas vezes contra esse processo. Ana cita um exemplo simples: um bloco que é feito na obra tem uma tributação específica; já um bloco que vem de fora custa mais caro, pois está sujeito ao ICMS.
Ela diz que outra dificuldade é que um novo processo produtivo exigiria uma mudança da própria mentalidade, o que afeta as duas pontas: do operário ao empresário.