A pesquisa Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública revela que 27,1% dos policiais, entre 21.101 entrevistados, são favoráveis à criação de uma polícia única, de caráter civil. Apenas 14,22% acreditam na manutenção do atual modelo de corporações estaduais, sem alteração da divisão de atribuições entre Polícia Militar (ostensiva) e Civil (judiciária).
O estudo foi elaborado pelo Centro de Estudos de Pesquisas Jurídicas da Fundação Getúlio Vargas, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp/MJ) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que realizou nesta quarta e quinta-feira debates durante o 8º Encontro Nacional, em São Paulo.
A cientista social Silvia Ramos, da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, e do FBSP, no entanto, acredita que há várias interpretações em relação à desmilitarização e que a dos policiais, não necessariamente, é a mesma das manifestações que têm ido às ruas com esse objetivo.
Um PM pode ser julgado e punido por um tribunal militar se estiver com a bota mal-lustrada ou barba por fazer. As penas chegam à prisão. Eles também não podem formar e participar de sindicatos para reivindicar melhores salários e outros benefícios trabalhistas. O cenário justificaria a concordância de 53,4% dos entrevistados, incluindo os civis, de que não deve haver julgamentos pela Justiça Militar.
Atualmente, há duas portas de entrada, tanto na PM quanto na Polícia Civil. Soldados, sargentos, tenentes e cabos são praças, enquanto capitães, majores e coronéis são oficiais que entram nas corporações depois de passarem por uma escola militar. As diferenças de patente se refletem em injustiças, segundo relatos dos próprios agentes. “Eles se sentem muito oprimidos por tudo isso”, diz a pesquisadora, que também faz parte do FBSP.
Entre os civis, delegados e inspetores realizam concursos diferentes. Um inspetor com 30 anos de carreira, por exemplo, pode ser comandado por um delegado que nunca esteve nas ruas. “Essa é uma deformação muito grande que acontece no Brasil e não se repete em quase nenhum outro lugar do mundo”, garante Silvia.
Os policiais se mostraram bastante insatisfeitos com a gestão das corporações por entenderem que privilegiam a hierarquia em prejuízo da competência. Segundo 80,1% deles, há muito rigor em questões internas das corporações e pouco rigor em questões que afetam a segurança pública. 58% dos participantes concordam com a afirmação de que essas hierarquias provocam desrespeito e injustiças profissionais no ambiente de trabalho.
“A maior surpresa da pesquisa é que os próprios policiais querem mudar a polícia”, destaca a cientista social. “Em várias perguntas entre ‘fica como está ou muda’, ganhou o ‘muda’. A gente sempre pensa na polícia como corporativa, defensiva, mas ela demonstrou interesse em mudar”, comenta.
Um exemplo disso seria o índice de 54,9% dos entrevistados que consideram a “ênfase desproporcional das políticas de segurança na repressão ao tráfico de drogas” como fator que dificulta o dia a dia de trabalho. Atualmente, a maior parte das pessoas presas em todo o país é enquadrada como traficante, enquanto crescem os debates pela legalização das drogas. Enquanto isso, 64,8% concordam que há atenção insuficiente na contenção do tráfico de armas.
A maioria dos agentes de segurança (70,3%) também aponta a corrupção policial como fator que atrapalha o trabalho, assim como a falta de integração entre o combate à criminalidade e outras políticas públicas, citada por 65,9% dos participantes. Entrevistados (80,6%) também consideraram a formação deficiente um fator mais decisivo no dia a dia de trabalho do que a falta de verbas para armas, citada por 76,8% deles. Os salários baixos foram mencionados por 84,7%.
“O que vemos é que os policiais também não estão satisfeitos com as políticas de Segurança Pública, com as polícias e as formas como elas estão organizadas”, avalia Silvia. “Mas nem sempre essas mudanças estão de acordo com uma agenda democrática. Tem muitas coisas preocupantes”, alerta a socióloga.
Os policiais rodoviários federais representam 4,1% dos participantes da pesquisa; os da polícia federal, 10,4%; os profissionais da perícia técnica e científica 2,3%; os bombeiros, 8,4%; os policiais civis, 22%; e os militares, 52, 9%.
Cerca de 88% dos participantes são homens, 47,3%, atuam em capitais, 48,2% são brancos, 62,7% são casados, 39,1% têm nível superior e 14,5%, o nível médio. Cerca de 27% recebem entre R$ 5.001 e R$ 10 mil e 26,2% recebem entre R$ 1.001 e R$ 2 mil.