Publicada em 07 de Junho de 2015 �s 16h16
Era o dia 22 de fevereiro de 1999 quando Valdemar Kretschmer, a esposa e dois filhos pequenos chegaram à chapada Serra Branca, distante 150 quilômetros de Uruçuí (450 quilômetros ao sul de Teresina). Era aniversário de 40 anos de Valdemar. Não teve festa. Eles tinham saído de Horizontina, no Rio Grande do Sul, há seis dias, e tudo que queriam era descansar naquelas terras desconhecidas de vegetação de cerrado. Viajaram numa F-4000. Uma carreta trouxera as tralhas de casa e outros equipamentos de trabalho.
Naquela época, a região dos cerrados piauienses ainda era apenas uma promessa futura para o agronegócio, e começava a atrair produtores do sudeste do país, especialmente do Rio Grande do Sul e Paraná. Só havia mato ali, em toda a vastidão que a vista conseguia alcançar. Eles se “arrancharam” debaixo de uma faveira. Naquele mundo de vegetação de pequeno porte, típica do cerrado, a faveira em questão, uma árvore grande e que forma um vasto sombreado, fora um achado. Fizeram morada ali mesmo.
Ficaram quatro meses morando embaixo de lonas, sob a copa da faveira. “Teve gente que ficou mais de ano morando sob lonas”, conta ele. No último dia 9 de maio, dezesseis anos e três meses depois de pisar em solo piauiense pela primeira vez, Valdemar se esforçava para não se emocionar ao relembrar, debaixo do mesmo pé de faveira que servira de morada para ele e sua família, a aventura que fora sair do Rio Grande do Sul com mais duas dezenas de produtores gaúchos para desbravar a última fronteira agrícola do Brasil.
“Sem dúvida, valeu a pena! Não foi fácil, mas fizemos e estamos fazendo a nossa parte”, diz ele. Valdemar e cerca de 200 pessoas que desembarcaram no cerrado piauiense naquele 22 de fevereiro e nos dias que se seguiram foram os primeiros produtores a pisar nos cerrados piauienses decididos a plantar grãos naquelas terras áridas. Ali mesmo, debaixo do pé de faveira, iniciaram o povoamento do lugar ao qual dariam o nome de Nova Santa Rosa, homenagem à terra natal da maioria deles, Santa Rosa, a 490 quilômetros a noroeste de Porto Alegre.
No mesmo ano iniciaram o cultivo da terra. A primeira safra, de 2000, rendeu aproximadamente 4 mil sacas de arroz (180 toneladas, aproximadamente), nos 200 hectares plantados. A soja veio no ano seguinte, a primeira safra rendeu 2 toneladas, apenas; quatro anos depois, o milho. Hoje, os 40 mil hectares de soja e 20 mil de milho plantados pelos 130 produtores de Nova Santa Rosa produzem perto de 276 mil toneladas dos dois grãos, que rendem um faturamento bruto de aproximadamente R$ 180 milhões.
Formada por gaúchos e paranaenses, e seus descendentes, Nova Santa Rosa é apenas um pedaço dos mais de 8 milhões de hectares de terras que compõem os cerrados piauienses, região que está sendo transformada radicalmente pela riqueza gerada pelos grãos de soja, milho, arroz e algodão que saem de suas terras. Só este ano, os cerrados vão produzir mais de 3 milhões de toneladas de soja e milho – são 1 milhão e 858 mil toneladas de soja e 1 milhão e 248 mil toneladas de milho. É a maior produção de grãos já registrada em terras piauienses.
Esses números compõem o documento Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos, lançado no dia 11 de maio pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), em Brasília. Levantados a partir de pesquisas de campo da própria Conab e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), feitas entre abril e início de maio, os dados da produção de grãos confirmam o extraordinário crescimento do agronegócio nos cerrados piauienses na última década.
De 2005 para cá, a produção de grãos no estado mais que quadruplicou - a safra de soja cresceu 190%, saindo de 500 mil toneladas para mais de 1 milhão e 800 mil toneladas; a de milho saiu de 200 mil toneladas há dez anos para os mais de 1 milhão e 200 mil toneladas deste ano. Para efeito de comparação, a produção de grãos do Brasil nos últimos dez anos cresceu 97%. “O Piauí é o estado brasileiro que reúne as melhores condições de crescimento do agronegócio hoje, mais ainda do que a Bahia, o Maranhão e o Tocantins, que formam a nova região do Matopiba”, diz o consultor em agronegócio Giovani Ferreira.
Baseado no Paraná, Giovani e uma equipe de técnicos e pesquisadores da Expedição Safra percorrem o Brasil inteiro, os Estados Unidos e países da Europa e da Ásia, todo ano, fazendo mapeamento e pesquisa sobre produção agrícola. Só este ano, ele diz que sua equipe já percorreu mais de 60 mil quilômetros só no Brasil. Ou seja, fala com absoluto conhecimento de causa.
Terras vastas e férteis, logística e mercado
Terras férteis, baratas e em grandes quantidades foram os principais motivos que fizeram gaúchos, paranaenses e paulistas largar tudo o que tinham e se aventurar pelos cerrados piauienses há 16 anos. Hoje, vários outros atrativos se juntaram àqueles motivos iniciais, o que dá aos cerrados piauienses perspectivas invejáveis de crescimento do agronegócio. Os principais diferenciais, apontam especialistas, produtores e o governo, são a extensão de áreas cultiváveis, a capacidade do mercado interno de absorver a produção local e a situação geográfica do estado.
Hoje, pouco mais de 600 mil hectares dos mais de 5 milhões de hectares agricultáveis estão sendo utilizados, o que demonstra o potencia de crescimento da produção agrícola e os ganhos que a região pode proporcionar a investidores e ao Estado. Atualmente, 80% da produção de grãos da região é absorvida por estados vizinhos como Ceará e Pernambuco, o que garante liquidez aos produtores e rapidez na venda dos produtos. A venda é feita principalmente para empresas de óleo vegetal e de ração para frangos e suínos.
A localização geográfica dos cerrados piauienses é outra grande vantagem. O Piauí está a apenas 800 quilômetros do Porto de Itaqui, em São Luís (MA), onde acaba de ser inaugurado um terminal específico para exportação de grãos, com capacidade instalada de 5 milhões de toneladas/ano. “Ou seja, quando o estado precisar exportar mais, os canais para o mercado externo estão garantidos”, observa Giovani Ferreira. Essa perspectiva de crescimento tem atraído negócios bilionários para a região. O grupo Tomazini, do interior de São Paulo, por exemplo, planeja investir R$ 1 bilhão na instalação de um empreendimento agroindustrial em Uruçuí.
O projeto envolve a instalação de uma fábrica de ração, uma esmagadora de soja, uma incumbadoura para 300 mil pintos e um abatedouro para 300 mil frangos por dia, informa José Mário Tomazini, um dos executivos do grupo. A expectativa é de geração de 3 mil empregos diretos e 5 mil indiretos. O Grupo Tomazini já investe no Piauí desde 2009, quando comprou 80 mil hectares de terras nos municípios de Uruçuí e Baixa Grande do Ribeiro. Hoje, planta 20 mil hectares, e deve colher 600 mil sacas de soja e 600 mil de milho – ou 72 mil toneladas de grãos, juntando tudo.
Para viabilizar o projeto de Uruçuí, precisa de uma área de 500 mil hectares e energia elétrica (duas linhas de 69 Kv), além de disponibilidade de água para 500 mil litros por hora. “Estamos tentando com o governo essa infraestrutura de terras, água e energia”, informou José Mário Tomazini. O Governo do Estado informou que o projeto do Grupo Tomazini está em estudo.
“Piauí é um outro mundo”, diz maior produtor de grãos dos cerrados
O cerrado piauiense compreende 8 milhões de hectares (aproximadamente 5 milhões são agricultáveis), distribuídos em 28 municípios, dos quais pouco mais de 20 cultivam soja, milho, arroz e algodão hoje. São 70 mil quilômetros quadrados e população de pouco mais de 220 mil habitantes. São cerca de 420 produtores, segundo dados do IBGE no Piauí. Além de terras férteis, mercado interno e logística favorável, a topografia e as imensas áreas ainda não exploradas são outro grande diferencial em relação a outros estados produtores, como Mato Grosso e Paraná, e mesmo vizinhos como Bahia e Maranhão.
“O cerrado piauiense é um outro mundo!”, diz José Antonio Görgen, ou Zezão, como é mais conhecido. Maior produtor de grãos do Piauí, ele plantou 45 mil hectares de soja e milho este ano no estado e deve colher mais de 3 milhões e 500 mil sacas de grãos – ou mais de 170 mil toneladas. Para Görgen, o maior diferencial do Piauí em relação aos outros estados é a topografia planta, as terras férteis e vastas e o mercado interno. “Só precisamos de mais infraestrutura, melhores estradas e energia”, diz.
Görgen é dono da Risa SA, que atua no cultivo de grãos e nos ramos de fertilizantes e defensivos, venda de máquinas e logística. Tem fazendas de soja e milho em Uruçuí e Baixa Grande do Ribeiro. Além dos 45 mil hectares no Piauí, a Risa tem 25 mil hectares plantados no Maranhão, na região de Balsas. Natural de Não Me Toque, a 260 quilômetros de Porto Alegre, José Antonio Görgen chegou ao Piauí em 1991, depois de sete anos já estabelecido no Maranhão. “A evolução da produção nos últimos anos, com a ajuda da tecnologia, é um exemplo de que o Piauí dá certo”, afirma ele.
Estado cresce mais que vizinhos do Matopiba
A produção de soja no Piauí este ano vai crescer 24,8%, e a de milho será 21,3% maior em relação à safra 2013/2014, apontam os números da Conab e do IBGE. No ano passado foram colhidos 1 milhão e 489 mil toneladas de soja e 1 milhão e 29 mil toneladas de milho. Esses dados colocam o Piauí como o Estado que mais crescerá este ano entre os quatro que integram a recém criada região do Matopiba, que abrange as áreas produtoras de grãos do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Dos quatro, apenas a Bahia crescerá mais que o Piauí – e apenas em relação à safra de soja. O Maranhão crescerá em torno de 2,9% na produção de soja e terá queda de 10% na de milho; o Tocantins vai crescer 15,8% na produção de soja e 13,6% na de milho; na Bahia, a soja deverá registrar crescimento de 28,1%, mas a safra de milho cairá 11,4%. “O incremento anual das culturas de grãos no Piauí é maior que os demais estados do Matopiba, especificamente Maranhão e Tocantins”, diz o supervisor de Pesquisa Agropecuária do IBGE no Piauí, Pedro Andrade.
Criado pelo decreto nº 8.447, assinado pela presidente Dilma no dia 6 de maio, o Matopiba é mais uma frente que se abre para impulsionar o desenvolvimento dos cerrados. “A idéia é concentrar investimentos na região dos quatro estados para promover o crescimento e integrar pequenos e grandes produtores”, diz o governador Wellington Dias (PT), que recepcionou em Teresina, no dia 14 de maio, a ministra Katia Abreu para o lançamento do Matopiba no estado. O território é composto por 31 microrregiões nos quatro estados, que abrangem uma área de aproximadamente 73 milhões de hectares e potencial de produzir 18,9 milhões de toneladas de grãos.
De acordo com dados do IBGE e da Conab, a região do Matopiba vai colher 19 milhões e 500 mil toneladas de grãos este ano, correspondentes a 9,7% da produção de 201 milhões de toneladas de grãos prevista para o país na safra 2014/2015. O supervisor de pesquisas do IBGE, Pedro Andrade, diz que a criação do Matopiba vai corrigir distorções que sempre comprometeram o aproveitamento correto do potencial piauiense. “O Estado do Piauí historicamente tem permanecido nas últimas posições, economicamente falando, no cenário nacional. No campo do agronegócio, por exemplo, dentre os estados do Matopiba, o Piauí começou com a abertura dos projetos agrícolas quando os demais estados desta região já estavam em franco crescimento”, observa ele.
Para Pedro Andrade, o Matopiba deverá dar maior celeridade nos processos de regularização das terras, além de possibilitar investimentos em rodovias e em eletrificação.
Governo concentra esforços em estradas e energia
Apontada como a grande aposta do governo para impulsionar o desenvolvimento sustentável dos cerrados, integrando os pequenos produtores aos ganhos obtidos pelos grandes projetos agroindustriais, a região do Matopiba foi lançada oficialmente no estado na quinta-feira 14, em solenidade realizada em Teresina com a presença da ministra da Agricultura, Kátia Abreu. Ela disse que a agência de desenvolvimento do Matopiba vai estimular principalmente os pequenos produtores.
Segundo Katia Abreu, 70% do que é produzido no país vem do agronegócio, mas somente 10% dos produtores rurais estão na classe A e B. “A intenção é ampliar a classe média rural com os incentivos à região do Matopiba”, explicou. Katia Abreu afirmou que a região receberá investimentos principalmente em infraestrutura de estradas e energia elétrica, e em inovação tecnológica. Para o governador Wellington Dias, a criação do Matopiba significa um conjunto de investimentos para desenvolver a região dos cerrados.
“Da infraestrutura à qualificação de mão de obra, passando pela integração dos pequenos produtores, a criação do Matopiba vai oferecer as condições que precisamos para impulsionar o desenvolvimento da região”, destaca ele. Infraestrutura de estrada e energia é tudo o que os produtores de grãos dos cerrados precisam para expandir a produção. E são essas duas demandas as primeiras prioridades do governo dentro das propostas para a região integrada do Matopiba, segundo afirma Wellington Dias.
Ele lembra que ainda em novembro de 2014, participou, na época como senador e governador eleito do Estado, da inauguração das subestações de Baixa Grande do Ribeiro e de Ribeiro Gonçalves. Com investimentos de R$ 11,399 milhões da Eletrobras Piauí, as duas subestações aumentaram em oito vezes a capacidade energética dos dois municípios, beneficiando diretamente 7 mil consumidores.
Transcerrados deverá ter obras reiniciadas logo
O maior desejo dos produtores de grãos dos cerrados piauienses é ver a rodovia Transcerrados asfaltada. Com 330 quilômetros de extensão, esta rodovia é a principal via de escoamento da produção agrícola do estado. Atravessa toda a região dos cerrados, indo da PI-247, em Sebastião Leal, à PI-235, que liga Gilbués a Santa Filomena. Cinquenta quilômetros da estrada foram asfaltados entre 2013 e início do ano passado.
O projeto previa a pavimentação de 117 quilômetros, ao custo de R$ 118 milhões. O trecho asfaltado foi inaugurado em março de 2014, pelo então governador Wilson Martins, e a obra está parada desde então. O Governo do Estado quer retomar a obra até o mês de junho, conforme garantia dada pelo governador Wellington Dias a produtores de Nova Santa Rosa e a representantes do Sindicato dos Produtores Rurais de Uruçuí, durante encontro em Uruçuí, em abril.
O secretário de Governo, Merlong Solano, disse que o Governo já está elaborando o projeto para a retomada da obra. “A Transcerrados é uma das principais prioridades do Governo, pela importância que ela tem para o crescimento da região e para o Piauí como um todo”, afirmou ele. Segundo Merlong, uma das alternativas do governo é incluir a Transcerrados em projetos de parceria público-privada que estão sendo negociados pelo governo.