Peluso qualifica Executivo...
A revista eletrônica Consultor Jurídico, uma publicação sobre direito e justiça, publicou hoje (18 de abril) entrevista do jornalista Carlos Costa com o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Cezar Peluso, com o título "Cezar Peluso, o juiz -Para presidente do STF, Planalto é imperial e autoritário". No primeiro parágrafo, Costa anota: "O Poder Executivo no Brasil não é republicano. É imperial". Essa foi a conclusão a que chegou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, diante do descumprimento da Constituição e das decisões do STF, pelo Palácio do Planalto, em matéria orçamentária, no ano passado. "Temos um Executivo muito autoritário", conclui, ao lamentar a falta de independência do Congresso. O desabafo foi feito pelo ministro a este site, que hoje pública a parte final de sua entrevista." Leia trechos selecionados da entrevista aqui.
ConJur -Qual foi o momento de mais felicidade como ministro do STF?
Do ponto de vista interno do funcionamento do tribunal, demos passos importantes. Claro que alguns problemas ficam fora do nosso controle. Como presidente do Supremo, não tenho tanto poder assim. E defendi as prerrogativas do Supremo naquele confronto com a Presidência da República na questão do orçamento. A Presidência descumpriu a Constituição, como também descumpriu decisões do Supremo. Mandei ofícios à presidente Dilma Rousseff citando precedentes, dizendo que o Executivo não poderia mexer na proposta orçamentária do Judiciário, que é um poder independente, quem poderia divergir era o Congresso. Ela simplesmente ignorou. Aí fomos obrigados a tomar atitudes públicas de defesa, o que gerou aquela confusJão toda no ano retrasado.
ConJur -E qual foi a conclusão?
Cezar Peluso -Isso foi para o Congresso e ele resolveu ignorar o Judiciário, pois o governo tem a máquina da maioria.
ConJur -Esse parece ser o problema maior do sistema brasileiro, manter a maioria.
Cezar Peluso -E o Congresso ensaiou tomar atitude de certa independência. Vários líderes, tanto do Senado como da Câmara, vieram dizer que iriam aprovar nosso orçamento contra a vontade do Palácio do Planalto. Na época, o Arlindo Chinaglia [deputado federal do PT-SP], que era o relator do orçamento, esteve comigo, ele não falou diretamente, mas deu a entender que tomaria uma atitude de independência. Mas o poder de fogo do Executivo é grande, eles acabaram não tomando atitude, curvando-se ao "toma lá, dá ca". Temos um Executivo muito autoritário. É um Executivo imperial, não é um executivo republicano.
ConJur -Seria resultado de uma Constituição que começou inspirada no Parlamentarismo e se transformou em Presidencialista, até por pressão do Executivo, na época, o governo Sarney?
Cezar Peluso -É uma Constituição inspirada em alguns princípios parlamentaristas, mas aplicados num regime presidencialista e com caráter autoritário. Não dá muito certo, não. Mas me foi perguntado o que me deixou feliz, sem me arguir sobre minhas frustrações. E uma delas foi não ter conseguido implantar um sistema de conversas e consultas prévias antes dos grandes julgamentos. Há um projeto de emenda regimental que não quis apresentar ainda, que propõe fazer reuniões prévias e reservadas para discutir um assunto antes do julgamento, para evitar ficar "batendo boca" durante a sessão. Isso seria fundamental. É trocar ideias, não é querer fazer conchavos. É expor a opinião, uma discussão preparatória para depois cada um tomar a decisão em reservado. Não fazemos isso e vamos para o plenário e aquilo vira aquele "furdunço". Muitas vezes até se percebe que o sujeito esta formando um raciocínio durante a discussão.
ConJur -No começo de sua administração, o senhor não compartilhava seus projetos, como a PEC dos Recursos.
Cezar Peluso -É uma opinião minha, e a considero acertada. A reação contra a PEC não é uma reação de lógica jurídica ou socioeconômica, é uma reação de certo viés corporativista por parte de advogados beneficiários da indústria dos recursos, da protelação e de ciúme intelectual. A causa principal dos atrasos dos processos no Brasil é a multiplicidade de recursos e, especificamente, o nosso sistema de quatro instâncias. A PEC só não foi votada porque o Dornelles complicou. Quem o senador Francisco Dornelles representa? Ele é do PP [Partido Progressista] ou do BB, dos bancos e bancas? Estes são os grandes interessados na discussão do sistema. O Dornelles é senador pelo Rio de Janeiro, mas de fato representa os interesses dos bancos e representantes das grandes bancas de advocacias de Brasília. Ele travou a votação da PEC. Mas todo mundo está insistindo com ele para acabar logo e Marta Suplicy diz que irá votar agora na Comissão de Constituição e Justiça. Vai fazer audiência e colocará para discutir. A maioria do Senado é favorável à PEC 15. Não propus em nome do Supremo, dei uma ideia e o senador do Espírito Santo Ricardo Ferraço (PMDB) foi lá e pegou a minha ideia, nem me perguntou ou consultou, apresentou a PEC e veio trazer a cópia. Eu disse: "Mas não é isso o que eu tinha em mente". Aí o senador Aloysio Nunes Ferreira, que é o relator, restabeleceu o meu pensamento. Aí o substitutivo do Aloysio é exatamente o que eu pensava.
ConJur -Num congresso coalhado de advogados o senhor acha que passa?
Cezar Peluso -Passa, passa, porque a lógica é irrefutável. Na maior parte dos países são duas instâncias, excepcionalmente na Comunidade Europeia, em que o conselho recomenda que "se estabeleça uma terceira instância só em casos excepcionais". Na Europa, a maioria é duas.
ConJur -O que o senhor fará depois de aposentado?
Cezar Peluso -Vou dar uma resposta absolutamente sincera: não sei ainda. Não estou preocupado. Estou absolutamente preparado.
ConJur -Se a PEC dos 75 anos passasse amanhã, o senhor ficaria?
Cezar Peluso -Não sei mais. Antes eu ficaria, agora não sei mais. A minha cabeça está pronta para ir embora.
ConJur -O TJ do Rio tem um serviço de acompanhamento psicológico para juízes que se aposentam.
Cezar Peluso -[risos]Tivemos um caso aqui em São Paulo, o do Flávio Torres, um desembargador famoso, não tinha filho, ele não fazia outra coisa na vida a não ser viver para o tribunal. Se aposentou e, dias depois, teve um enfarte fulminante. O desembargador Yussef Said Cahali teve um derrame. Ele perdeu ao mesmo tempo o cargo de desembargador e a cadeira na faculdade, por haver chegado à idade limite.
ConJur -O senhor se preocupa com o futuro do STF?
Cezar Peluso -Irei sair do tribunal daqui a pouco e me preocupo sim com a sucessão. Outro dia, alguém falava sobre o sistema de indicação. Mas não existe isso de "sistema melhor de indicação". A qualificação é importante, mas algumas indicações podem ser preocupantes em relação ao que irá acontecer.
ConJur -Com as oscilações de saúde, o ministro Joaquim Barbosa assume após o ministro Ayres Brito?
Cezar Peluso -O Joaquim assume, sim. Viram como ele está comparecendo ao Plenário? Teve uma melhora grande, antes quase não aparecia. Agora, comparece a todas as sessões. Ele não recusará essa Presidência em circunstância alguma, pode ficar tranquilo. Tem um temperamento difícil, não sei como irá conviver, primeiro com os colegas. Não sei como irá reagir com os advogados, pois tem um histórico desde o episódio com o Maurício Correia [ministro aposentado do Supremo. Em 2006, Joaquim Barbosa, no Plenário, sugeriu que o então presidente do STF fazia tráfico de influência]. Também não sei como irá se relacionar com a magistratura como um todo. Isso já é especular. Ele é uma pessoa insegura, se defende pela insegurança. Dá a impressão que de tudo aquilo que é absolutamente normal em relação a outras pessoas, para ele, parece ser uma tentativa de agressão. E aí ele reage violentamente.
ConJur -A insegurança para o debate o faz resistir aos advogados?
Cezar Peluso -A impressão que tenho é de que ele tem medo de ser qualificado como arrogante. Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o Supremo não pelos méritos, que ele tem, mas pela cor.
ConJur -Mas ele tem problema com a coluna?
Cezar Peluso -A coluna dele é perfeita, não tem nada de errado, ele tem problema nos quadris. O especialista Paulo Niemeyer no Rio diz que ele não tem problema na coluna, tem problema no quadril. Mas o certo é que alguma coisa ele tem, mesmo. Ter de ficar de pé, ficar tanto tempo de licença...
ConJur -E quanto aos demais ministros?
Cezar Peluso -O Gilmar Mendes tem ambições acadêmicas, acho que não irá ficar muito tempo no tribunal. Talvez ele se decepcione com o andamento da Corte, mas são conjecturas. Ele é o último indicado pelo Fernando Henrique Cardoso. O ministro Celso de Melo está ameaçando sair faz tempo. Não sei até quando fica.
ConJur -Acha que o Supremo irá encolher em importância?
Cezar Peluso -Não sei o que irá acontecer, mas é preocupante. Há uma tendência dentro da corte em se alinhar com a opinião pública. Dependendo dos novos componentes.
ConJur -O clamor social é o clamor da mídia. A sociedade quer linchamento. A sociedade não é contra a corrupção, ela é contra a corrupção do outro.
Cezar Peluso -A corrupção é um produto desta sociedade. O que me chamou a atenção e me fez entender uma série de coisas, foi quando li uma pesquisa realizada há uns três ou quatro anos, uma consulta feita entre jovens de 16 a 21 anos. Uma das perguntas era: você, para subir na vida, ser bem sucedido economicamente, seria capaz de fazer qualquer coisa do ponto de vista ético? E esses jovens responderam que sim. Uma sociedade com uma juventude que não vê limites éticos nem morais para ser bem sucedida economicamente só pode resultar em uma sociedade de corruptos. Os corruptos não nascem por geração espontânea ou de ETs e discos voadores.
ConJur -O senhor está em excelente forma física.
Cezar Peluso -Jogo tênis e faço musculação.
ConJur -Com quem do Supremo já jogou tênis?
Cezar Peluso -Ninguém de lá sabe jogar tênis. Então, contrato um professor e em todos os dias e horários marcados ele esta lá. Quando os amigos combinam de ir jogar, geralmente o outro não vai e não dá para praticar sozinho. Então acho mais prático contratar o professor.