Professores fecham a Rua Pinheiro Machado nos dois sentidos. Rodoviários interditam a Avenida Presidente Vargas. Manifestantes bloqueiam a Avenida Rio Branco. Nesses poucos dias que restam para o início da Copa do Mundo, o Rio tem assistido ao fenômeno da multiplicação das manifestações.
Contra o evento da Fifa ou simplesmente a favor de melhores condições de salário, as paralisações complicam o já caótico trânsito da cidade. Para se ter uma ideia, 18 protestos aconteceram na cidade apenas no mês de maio, o que dá uma média superior a um ato a cada dois dias. Nesta sexta-feira, cerca de 200 manifestantes contrários à Copa fecharam vias importantes do Centro, como as avenidas Treze de Maio, Almirante Barroso e República do Chile. No final da tarde, os professores, que estão em campanha salarial, saíram de uma assembleia, na Tijuca, e seguiram para o Centro, onde fecharam Avenida Presidente Vargas — duas pistas da via, uma em cada sentido — por cerca de uma hora. saiba mais PM terá mais 1.600 soldados nas ruas a partir desta segunda-feira Brasileiro cria de café do Maracanã a tanga com bojo para lucrar com Copa A 14 dias da Copa, diárias de imóveis para alugar caem 25% no Rio, diz Creci MP do Trabalho vê pressão dos grevistas devido à Copa. Dilma diz ao PT que fará regulação econômica da mídia Leia mais sobre Copa do Mundo 2014
O direito à manifestação é livre e está previsto na Constituição Federal. Mas o artigo 5º exige que as autoridades sejam avisadas sobre os protestos. E isso não tem acontecido.
— Tentamos fazer valer o interesse público sobre o interesse individual. O direito à livre manifestação não pode ser ferido. Mas o direito ao livre ir e vir também não. Nosso papel é equilibrar essas duas coisas e, sem dúvida, fica mais difícil quando não somos avisados com antecedência — afirma o chefe do Estado-Maior Geral Operacional da Polícia Militar, coronel Paulo Henrique Azevedo de Moraes.
Em Brasília, projeto também parou
Em fevereiro, o prefeito Eduardo Paes anunciou que criaria um plano de contingência, ou seja, regras para que os protestos não atrapalhassem a rotina dos cariocas. A medida foi anunciada após invasores de um terreno de Docas na Avenida Francisco Bicalho — onde o magnata americano Donald Trump pretende construir um moderno conjunto de prédios — fecharem a via por mais de duas horas. As pistas viraram “sala de estar”, com direito até a sofá e cadeiras. Mas, nesta sexta-feira, a assessoria do prefeito informou que o projeto não deve ser criado. Após o anúncio, Paes foi acusado por ativistas de tentar cercear o direito à livre manifestação. O mesmo tipo de pressão pode explicar o fato de outra iniciativa que tenta criar regras para as manifestações não ter avançado em Brasília. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, chegou a dizer que daria prioridade à questão no começo de abril, de modo a conseguir a aprovação de projetos que tratam de manifestações públicas ainda antes da Copa.
Passados quase dois meses, o que se vê é que a discussão não andou, em parte por oposição do próprio PT, partido da presidente Dilma Rousseff, e pelo medo de que sua aprovação possa parecer uma restrição ao direito de manifestação.
O advogado Hermano Cabernite, especialista em direito administrativo, defende um debate amplo:
— Esse assunto é federal, não é da competência municipal. É a Constituição Federal que precisa ser detalhada no que diz respeito ao direito de ir e vir. Até que ponto o meu direito de ir e vir não viola o direito de ir e vir de outras pessoas, ao bloquear uma rua, por exemplo? Os dois direitos acabam em choque.
José Eugênio Leal, professor de engenharia de transportes da PUC-Rio, concorda que faltam normas claras.
— O artigo 95 do Código de Trânsito menciona que a circulação de veículos e pedestres não pode ser interrompida. Mas o artigo 5º da Constituição diz que todos podem se manifestar, devendo apenas comunicar às autoridades previamente. O problema é que o direito de todos se manifestarem está sendo extrapolado, enquanto o de ir e vir foi para o espaço. Deveria haver alguma forma de disciplina para que as vias não sejam completamente fechadas.
Para o professor de direito da Fundação Getulio Vargas Ivar A. Hartmann, os protestos atuais não têm uma liderança clara, o que cria dificuldades.
— O que temos visto são manifestações que não têm liderança. Isso, sem dúvida, impede que as autoridades sejam avisadas com antecedência. O papel de decidir o que pode e o que não pode acaba ficando com a Polícia Militar, que historicamente trata manifestante como bandido — afirma.
Responsável por monitorar a cidade, o Centro de Operações Rio (COR) tem dificuldade de acompanhar o ritmo frenético dos atos. Lá, aparecem imagens de 60 das cerca de 600 câmeras da cidade. Como os protestos não são avisados, o COR tenta se adiantar, mantendo-se atento às redes sociais e às informações das equipes da Guarda Municipal e CET-Rio nas ruas. Mas acaba atuando apenas tentando reduzir os problemas.
— Implementamos operações para melhorar o fluxo em rotas alternativas e informamos aos cidadãos sobre as melhores opções de deslocamento — diz Pedro Junqueira, chefe-executivo do COR.
Ainda para tentar agilizar as ações, seguindo sugestão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio criou, na semana passada, a cerca de um mês da Copa, o Centro de Pronto Atendimento Judiciário. Na prática, o centro tem a mesma função do plantão judiciário. A diferença seria agir em casos de vandalismo na região do Maracanã, o que normalmente ficaria a cargo do Juizado de Torcidas e Grandes Eventos.