Governo dará suporte ao STF...
Após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de legalizar a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos, o governo disse que dará suporte à implementação da mudança. Em nota, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República afirmou que vai garantir o direito de escolha das mulheres e o seu acesso aos serviços especializados.
O órgão destacou ainda que o debate do assunto, que mobilizou o país em diferentes frentes, ocorreu de maneira qualificada e respeitosa entre os contraditórios.
Os ministros do STF decidiram na noite desta quinta-feira (12), por maioria absoluta, 8 votos a 2, que o aborto de fetos anencéfalos (com má-formação no cérebro) não pode ser considerado crime. A decisão saiu depois de dois dias de julgamento, já que o processo começou a ser analisado na última quarta (11).
Os dois únicos ministros que votaram contra a liberdade de escolha da mulher neste tipo de gestação foram os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, que apesar de representar a minoria, disse que este foi o julgamento mais importante do STF.
Repercussão
A decisão repercutiu na Câmara dos Deputados. De acordo com o deputado João Campos (PSDB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, além de atentar contra todo o arcabouço legal que define a inviolabilidade da vida, a decisão é um desrespeito à competência do Congresso de dispor sobre o assunto.
- O que ocorre nesse julgamento, mais uma vez, lamentavelmente, em função do ativismo judicial que o Supremo vem praticando, é uma usurpação de competência. Essa matéria é de competência do Parlamento e não do Judiciário.
O parlamentar afirmou que há propostas em tramitação na Casa tratando da permissão ou não de interrupção da vida de fetos considerados inviáveis pela medicina "e é no Legislativo que essa decisão deveria ser tomada". O deputado afirmou que vai entrar com uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para permitir que o Congresso torne sem efeito decisões do STF que invadam a competência do Parlamento.
A coordenadora da Bancada Feminina na Câmara, deputada Janete Rocha Pietá apoia decisão, mas defende que Congresso atualize legislação penal. Ela afirmou que é fundamental reconhecer o direito da mulher de interromper o sofrimento diante de um fato que ela não causou e que não é viável com a vida. A deputada, porém, reconheceu que é dever do Congresso atualizar a legislação sobre esses temas, tratados sobretudo no Código Penal, de 1940.
- O processo de lei no Congresso é muito demorado e nós precisamos realmente ser a vanguarda na questão de agilizá-los, atualizá-los, ou dar a eles novas versões. Principalmente na questão do Código Penal.
O julgamento
O julgamento começou na última quarta. O primeiro a votar foi o relator do processo, ministro Março Aurélio Mello. Ele lembrou que o Brasil é um Estado laico e que "concepções religiosas não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada".
- O Estado não é religioso nem ateu. O Estado é simplesmente neutro. O direito não se submete à religião. [...] Estão em jogo a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas mulheres. Hão de ser respeitadas tanto as que optem por prosseguir a gravidez quanto as que prefiram interromper a gravidez para pôr fim ou minimizar um estado de sofrimento. Não se pode exigir da mulher aquilo que o Estado não vai fornecer por meio de manobras médicas.
Em seguida foi a vez de Rosa Weber. Ela entendeu que a interrupção ou antecipação do fim da gravidez não deve ser considerada crime já que a anencefalia "não é compatível com os ideais de vida". A ministra também justificou o voto dizendo que, quando há a gestação de fetos anencéfalos, deve-se direcionar a decisão em favor da liberdade de escolha da mulher.
- Não está em jogo [neste julgamento] o direto do feto, mas da gestante e de que suas próprias escolhas prevaleçam.
Ao fim do voto da ministra, o também ministro Joaquim Barbosa pediu a palavra e antecipou seu voto declarando ser favorável à interrupção da gravidez na situação analisada.
Depois vieram os votos de Luiz Fux e Carmen Lúcia. Fux defendeu que a questão do aborto, principalmente no caso de fetos com má-formação do cérebro, é uma questão de saúde pública.
Na sequência, a ministra Carmem Lúcia, elogiou a explicação dos colegas. Ela acrescentou apenas que, mesmo no caso do aborto, as mulheres que passam por uma gestação de feto anencéfalo também sofrem.
- A interrupção não é escolha fácil, é trágica sempre. Mesmo na interrupção, a escolha é a de menor dor. É exatamente para preservar a dignidade da vida. Por isso, eu acho que neste caso a interrupção não é criminalizável.
O placar estava em 5 a 0 quando o Supremo registrou o primeiro voto contrário ao aborto, feito pelo ministro Ricardo Lewandowski. Depois dele, o presidente do Supremo interrompeu o julgamento, retomado nesta quinta.
O ministro Ayres Britto foi o primeiro a votar depois da retomada do julgamento. Ele defendeu a descriminalização do aborto em casos de anencefalia e se justificou dizendo que, se os homens engravidassem, este assunto já teria sido superado.
- Se os homens engravidassem, a interrupção da gravidez de anencéfalo estaria autorizada desde sempre.
Na sequência foi a vez do ministro Gilmar Mendes. Ele também acompanhou o relator Março Aurélio Mello e votou pela liberação do aborto nestes casos. Para ele, a interrupção da gestação de anencéfalos está implicitamente permitida desde 1940.
O ministro Celso de Mello foi o penúltimo a votar e, após longas considerações, elevou o placar para 8 a 1. Para ele, no caso de anencefalia, não se está autorizando uma prática abortiva.
- É preciso que isso fique bem claro. O que vem sendo acentuado nos diversos votos é a noção de antecipação. Se não há vida a ser protegida, nada justifica a restrição aos direitos da gestante.
Mesmo sendo voto vencido, o presidente do Supremo, sempre o último a anunciar o seu entendimento, pediu paciência aos colegas na hora de explicar o porquê da sua escolha em ser contra o aborto. Ele argumentou que não se pode impor pena capital ao feto anencefálico, reduzindo-o à condição de lixo ou de alguma coisa imprestável.