O mercado bilionário da...
A Operação Durkheim, deflagrada pela Polícia Federal na última semana, lançou luz mais uma vez sobre a venda indiscriminada de dados sigilosos no Brasil. A quadrilha tinha braços em variados setores e faziam parte dela policiais, funcionários de bancos e empresas telefônicas. As vítimas do esquema podem chegar a 10 000 pessoas, entre as quais estavam o prefeito Gilberto Kassab, um senador, um ex-ministro, dois desembargadores, um banco, uma retransmissora de TV e inúmeros empresários, que tiveram seus dados violados. Fundamentado na ilegalidade, esse mercado tornou-se próspero para seus operadores e para interessados em devassar a vida e os negócios alheios. Estudo da RCI - First Security and Intelligence Advising, consultoria em inteligência e segurança, estima que o mercado de espionagem tenha movimentado no Brasil 1,7 bilhão de reais em 2011. A cifra inclui serviços de empresas e de profissionais, formalizados ou não, e investimentos em equipamentos e contraespionagem.
Regulamentada desde 1957, mas livre de qualquer fiscalização, a profissão de detetive particular abarca uma ampla gama de pessoas, nem sempre éticas ou bem-intencionadas. Os desvios mais comuns são a instalação de escutas telefônicas ilegais e a quebra de sigilo bancário, obtidas com o suborno de funcionários de companhias de telefonia e de instituições financeiras. “O clássico detetive particular vive sempre numa linha tênue entre a legalidade e a ilegalidade. Se ele quiser levantar dados de uma pessoa, dentro da legalidade, vai demorar muito tempo, se é que vai conseguir”, afirma Ricardo Chilelli, especialista em segurança e presidente da RCI.
Também é comum que ex-policiais e ex-membros de agências governamentais, em virtude da acessibilidade a dados secretos, componham o furtivo mercado de detetives particulares. A Operação Monte Carlo, deflagrada pela Polícia Federal em fevereiro deste ano, revelou que o bicheiro Carlinhos Cachoeira contava com ajuda de um araponga para plantar grampos em pessoas do seu interesse. O ex-sargento da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, conhecido por Dadá, foi preso na operação, mas, em junho, conseguiu um habeas corpus e está em liberdade desde então.
A RCI existe há 22 anos e assessora 25 companhias brasileiras no setor da contraespionagem, para frear o vazamento de informações, principalmente das áreas de planejamento e marketing. “As empresas perdem com espionagem no Brasil de 1 bilhão de reais a 1,5 bilhão de reais”, diz Chilelli.
Pesquisa feita com 451 detetives particulares do Brasil aponta que a área de direito de família representa 41% do mercado nacional. Dentro desse nicho, lideram as demandas por suspeita de adultério. É o caso clássico do desconfiado que coloca um espião para acompanhar a rotina do cônjuge, para elucidar suas dúvidas. Mas, segundo Chilelli, os escritórios de advocacia também vêm recorrendo aos artifícios da espionagem. Eles têm contratado detetives para reunir dados que podem ser usados em processos de separação ou de pensão alimentícia. “É uma forma de descobrir o tipo de vida que o espionado leva e qual seu verdadeiro potencial econômico”, afirma.
O mundo da espionagem abarca ainda um mercado de dossiês sobre os mais variados temas e que servem, sobretudo, a empresas. A área está em franca expansão e já representa 39% do mercado da espionagem. Na esfera política, esses dossiês as vezes resultam em grandes escândalos, como o que houve nas eleições presidenciais de 2010, com um documento elaborado a partir da quebra de sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do então candidato à presidência José Serra (PSDB). Uma investigação da Corregedoria da Receita Federal descobriu que os dados fiscais de Verônica foram violados duas vezes – ambas em 2009.
Localização – Outros 10% dos serviços de espionagem correspondem a pedidos de escritórios de advocacia, para a localização de pessoas que constam como partes de processos judicias, mas estão desaparecidas, o que atrasa o andamento da ação.
Apesar de alguns escritórios de advocacia terem como prática recorrer a espiões, há um limite imposto pela lei. Se o serviço contratado envolver alguma ação ilegal, como a quebra de sigilo, o advogado será também responsabilizado pelo crime. O presidente do Tribunal de Ética da seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carlos Eduardo Fornes Mateucci, afirma que advogados que contratam serviços ilícitos podem ser suspensos por até 120 dias. A punição pode chegar a uma expulsão da OAB, se houver uma condenação judicial.
No passado, os detetives particulares eram remunerados por hora de trabalho. Ou seja, quanto mais tempo demorassem em um caso, maior seria o pagamento. Esse cenário mudou. Hoje, eles recebem por empreitada. Assim, buscam o maior número possível de clientes e, portanto, a agilidade se tornou crucial no novo sistema. Abre-se, para os maus profissionais, uma brecha para a ilegalidade. Na prática, recursos como as interceptações telefônicas são usados com frequência como atalhos. Continue a ler a reportagem clicando aqui.
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