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Números mostram que Brasil ain

Números mostram que Brasil ainda faz brutalmente menos testes para coronavírus do que deveria.

Publicada em 12 de Junho de 2020 �s 09h42


O Brasil faz tão poucos testes RT- PCR, considerados os ideais para diagnosticar a Covid-19, que o número de casos confirmados muitas vezes é secundário para cientistas que analisam a evolução da pandemia no país.

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A avaliação é de especialistas ouvidos pelo G1. Segundo eles, é mais seguro considerar outros índices, como o de óbitos e o de ocupação de leitos de UTI, para compreender se é momento de retomar os serviços essenciais ou de decretar lockdown, por exemplo.

O Brasil está testando brutalmente menos do que deveria. Na melhor das hipóteses, 20 vezes menos do que é considerado adequado”, afirma Daniel Lahr, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). “É tão pouco que a amostra pode ser basicamente ignorada.”

Um dos indicativos da baixa testagem é a taxa de resultados positivos para Sars-CoV-2 nos exames que detectam vírus respiratórios. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o ideal é que, de todos os testes feitos, 5% ou menos deem positivo. No Brasil, a média diária está muito acima disso: é de 36,68%, segundo a plataforma Our World In Data, usada nas estatísticas da Universidade Johns Hopkins.

“Os dados (de positivos) são mais altos porque estamos testando apenas os casos mais graves, principalmente nos hospitais”, afirma Paulo Nadanovsky, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Considerando os números até 7 de junho, países como Espanha (3,59%), Itália (3,61%) e Alemanha (4,58%) apresentam médias diárias de resultados positivos para Covid-19 dentro do padrão esperado pela OMS - um sinal de que estão testando a população de forma suficiente para detectar os doentes de forma rápida e isolá-los.

México (17,17%) e Índia (8,73%) não obedecem ainda ao padrão ideal, mas registram índices muito melhores que os do Brasil.

Os Estados Unidos, até 7 de junho, tinham média diária de 13,83% de resultados positivos. Mas, como a capacidade de testagem foi ampliada, se foram considerados apenas os testes da primeira semana do mês, o índice diário de positivos cai para cerca de 4,2% - e se encaixa no padrão esperado pela OMS.

Outra forma de avaliar se um país está fazendo o número suficiente de testes de Covid-19 é considerar o tamanho da população.

No Brasil, segundo o Our World in Data, a média até a primeira semana de junho é de 2,28 pessoas testadas a cada 100 mil habitantes. Nos Estados Unidos, são 61,59 para cada 100 mil; na Itália, 69,25; em Portugal, 85,81; no Chile, 35,97.

Segundo a OMS, quanto mais casos o país registra, mais testes deve fazer - o órgão indica que o número de indivíduos testados seja de 10 a 30 vezes o de infecções confirmadas. Quando a situação melhora, portanto, é possível reduzir o esforço de testagem.

Por que é tão importante fazer testes?
Fazer testes para detectar a Covid-19 permite:

avaliar a situação do país em tempo real, para tomar as decisões corretas (como as de abertura da economia ou de lockdown);
identificar quem está doente e isolar, o mais rápido possível, o infectado e todos os que tiveram contato com ele. O isolamento social dos contaminados é uma forma de frear a transmissão.
“A testagem ampla é importante, porque dá um panorama imediato da doença”, afirma Lahr. Segundo ele, com um número tão baixo de exames, não é possível tirar qualquer conclusão sobre a progressão da Covid-19 no Brasil.
Alessandro Farias, coordenador da frente de diagnósticos da força-tarefa da Unicamp, também reforça a relevância dos testes. “Eles são a base para você reabrir os serviços. O melhor exemplo é a Alemanha: começaram a reabertura, monitorando a taxa de transmissão. Faziam mais de 500 mil testes por dia. Quando notaram que a contaminação estava aumentando de novo, voltaram atrás e fecharam novamente os estabelecimentos”, diz.

“O absurdo é você retomar tudo sem ter números exatos do que está acontecendo, sem saber quem está infectado. E não dá para ter essas informações sem os testes”, completa.

Além disso, a doença pode ser mais facilmente controlada se os infectados forem identificados e isolados. Analisando os exemplos de outros países, como a Alemanha, percebe-se um padrão: quando a população começa a ser testada em massa, o número de óbitos passa a cair. Resumindo: quanto mais testes, menos mortes.

Nadanovsky, da Fiocruz, explica que, para uma reabertura segura, é preciso monitorar a população constantemente.

“Precisamos identificar os profissionais de saúde e os trabalhadores dos serviços essenciais para a economia. Aí, testá-los de dois em dois dias, por exemplo. Eles ficam trabalhando e sendo testados, trabalhando e sendo testados”, diz.

“Não adianta fazer um teste uma vez e dizer que a pessoa está pronta para trabalhar. Ela pode sair do laboratório e ser contaminada naquele dia”, afirma o epidemiologista. “Somos um país pobre, então é preciso eleger quem é prioridade, quem tá mais exposto e não pode ficar em casa. Porque fazer um teste uma vez só em alguém não adianta.”

Demora nos resultados
Além do baixo número de testes, o Brasil enfrenta outro problema: a demora em divulgar os resultados dos exames. Segundo dados do dia 2 de junho, reproduzidos pelo Ministério da Saúde, havia mais de 15 mil testes com o status “em análise” em Minas Gerais - considerando apenas os laboratórios cadastrados no sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL).

No estado do Rio de Janeiro, o número de exames “em análise” era tão alto (11.031) que quase se equiparava ao de resultados já divulgados (11.777).

“Quando você tem um déficit entre a amostra e o resultado, vai acabar entregando o laudo para quem já está curado ou já morreu. Não serve para nada no sentido de estratégia governamental, de saúde pública”, explica Farias.
“Na Unicamp, a gente testa o máximo possível, desde que consiga dar o resultado em até 48 horas, porque é o tempo de poder interferir, decidir se o paciente deve ficar isolado. Se eu demorar uma semana para entregar o laudo, a pessoa pode ficar transmitindo a doença para os outros por esses sete dias”, diz.

Falta de clareza na divulgação de dados
Além de o número de testes ser insuficiente no Brasil, os dados nem sempre são divulgados com clareza. Na plataforma do Ministério da Saúde, todos os índices relativos a exames e a resultados positivos usam informações dos laboratórios cadastrados no sistema chamado GAL. Há a ressalva no site: “alguns laboratórios de saúde pública e da rede particular não utilizam o GAL”.


Em 2 de junho, a plataforma apontava que 484.944 testes haviam sido realizados. Em data anterior, 26 de maio, dados do Ministério da Saúde revelaram que o país já havia feito mais de 870 mil testes (460.102 em laboratórios públicos e 411.737 em cinco instituições privadas). Ou seja, o GAL deixa de fora resultados de laboratórios de grande porte.

Coletiva do Ministério da Saúde explica mudança nos critérios de contagem de mortes — Foto: Reprodução/GloboNews
Coletiva do Ministério da Saúde explica mudança nos critérios de contagem de mortes — Foto: Reprodução/GloboNews

Há também outro fator a ser considerado: ao analisar as informações desse sistema, havia, até o dia 2 de junho, 133.824 resultados positivos para o novo coronavírus no país. No entanto, o número de casos confirmados da doença, divulgados pelo próprio ministério na mesma data, era de 555.383. Por que a diferença é tão grande? Segundo a pasta, a contagem de casos confirmados inclui também diagnósticos clínicos, de pessoas que não foram testadas para a Covid-19.

Sem número suficiente de testes, como monitorar a situação?
Os especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que, diante da baixa testagem, é preciso analisar outros dados:

número de óbitos causados pela Covid-19, corrigidos pela taxa de mortes por Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG);
ocupação de leitos de UTI nos Estados.
“Como não dá para tirar conclusões a partir dos casos confirmados por testes, os grupos mais sérios estão acompanhando a progressão da doença pelo número de óbitos, porque os hospitais informam a causa da morte”, afirma Lahr. “Claro que também há os contaminados que não morrem nos hospitais, aí usamos os dados das SRAG para corrigir o índice.”


As SRAG incluem, além da Covid-19, outras doenças respiratórias, como dengue e influenza A. Os cientistas analisam o número de casos dessas enfermidades em outros anos e calculam uma média. A partir disso, veem se houve aumento em 2020 - é uma estratégia de descobrir casos subnotificados.

Um exemplo: dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal mostram que, até o dia 23 de maio, houve um aumento de 1.023% de mortos por síndromes respiratórias, em relação ao mesmo período de 2019. Das 1.819 notificações de SRAG neste ano, 914 não tiveram o vírus identificado. Esse número é usado para corrigir o de mortes por Covid-19 e chegar a um índice mais próximo do real.

Número de mortes traz retrato atrasado
O problema, segundo Lahr, é que as mortes fornecem um retrato atrasado da situação. Segundo ele, a doença leva, em média, de 20 a 25 dias para levar o paciente a óbito. Ou seja, quando o número for registrado, ele vai indicar um paciente que foi contaminado há quase um mês. Além disso, há a demora para que os cartórios capturem os as informações de quem morreu fora do hospital.

“Ainda assim, são os melhores dados, por mais que sejam uma fotografia de quase um mês atrás”, diz Lahr. Nadanovsky concorda. “A morte indica a situação de um caso confirmado há pelo menos duas semanas. Mas é o índice mais confiável”, afirma.

Um fator que agrava a avaliação dos cientistas é, mais uma vez, a falta de transparência nos dados. Na segunda-feira (8), o Ministério da Saúde confirmou que pretende publicar somente os óbitos que ocorrerem especificamente nas últimas 24 horas. As mortes por Covid-19 ocorridas em dias anteriores, mas confirmadas nas últimas 24 horas, ficarão de fora dessa conta.

“Todo dado que some é problemático. É muito complicado trabalhar assim”, diz Lahr. “A testagem é uma ferramenta de saúde pública e a gente precisa dela. Mas nossos dados são ruins e nossas decisões vão em direção a eles.”

Farias, da Unicamp, acrescenta que a ocupação de leitos também pode ser uma forma de monitorar o avanço da pandemia no país. “Estamos totalmente cegos, no escuro, com números que não refletem nada. Dá para usar os índices de colapso do sistema de saúde, de leitos ocupados, para saber se os casos estão aumentando”, explica.

Testes rápidos e sorologia
Além dos testes PCR, existem também os sorológicos, cujos resultados são divulgados rapidamente. Eles não são uma ferramenta de diagnóstico - servem para detectar se o organismo entrou em contato com o vírus e produziu anticorpos.

A OMS não recomenda que os dados desses exames sejam usados nas estatísticas de casos confirmados ou de testes positivos para o novo coronavírus.


Lahr explica que há uma possibilidade grande de “falso positivo” ou de “falso negativo” - ou seja, o paciente pode ter uma sensação equivocada de que está protegido. “Nos testes rápidos de farmácia, precisaríamos fazer de 3 a 4 vezes para ter alguma certeza”, afirma.

Além disso, há outra ressalva: do ponto de vista coletivo, o importante é saber quando o indivíduo está contaminado, para que ele possa ser isolado (a sorologia vai apenas mostrar os anticorpos, não vai detectar o momento da infecção). Apenas o PCR pode fornecer tal dado.

Afinal, por que não aumentamos a testagem?
O G1 questionou o Ministério da Saúde: por que não fazemos mais testes PCR? Falta verba? Não temos estrutura? Não há interesse em seguir a estratégia de testagem? Até a última atualização desta reportagem, a pasta não havia respondido.

Nadanovsky diz que falta coordenação nacional para fazer testes em massa. “Se houver vontade política, a coisa é feita. Mas não há uma orientação clara. Temos cidades próximas geograficamente, mas seguindo políticas diferentes. Não vai funcionar”, afirma.

Farias também atribui a baixa testagem a um desinteresse das autoridades. “Somos um país adolescente, que acha que nada vai acontecer. É o pensamento de que ‘ignorância é uma bênção; de que, se não soubermos dos casos, é porque eles não aconteceram”, diz.

Se investíssemos em testes, economizaríamos no restante, abriríamos tudo antes. Tivemos tempo suficiente para usar estratégias agressivas no começo. Estaríamos mais tranquilos agora.
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Fonte: globo �|� Publicado por: Da Redação
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