A cantora Daniela Mercury acessou a internet, virou-se pro mundo e declarou o amor por uma mulher. Fez o barulho que queria fazer. Apaixonada, ela contou ao Fantástico por que decidiu que era hora de entrar num dos grandes debates que movimentam o Brasil.
“Eu sempre fui diferente, sempre fui artista, desde menina. Sempre fui muito independente no meu pensamento”, disse a cantora.
Quatro fotos do casamento e onze palavras: "Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração pra cantar."
“Fiz a minha vida a partir dos meus desejos, da construção através do meu trabalho, do meu esforço pessoal, minha autonomia sempre foi muito preservada”, disse.
Ao lado da jornalista Malu Verçosa, da TV Bahia, afiliada da Rede Globo, Daniela Mercury entrou de vez na discussão sobre os direitos dos homossexuais no brasil.
“Estou comunicando uma relação com uma mulher porque acho natural. E isso vem a reforçar essa liberdade de se ser como se quer e é a luta fundamental da comunidade de gays, lésbicas... eu não gosto dos rótulos, mas estou nessa luta política, sem dúvida: sempre estive”, disse Daniela.
A Daniela vai falar mais desse amor e da sua luta, que é também de outras mulheres.
A Eliana e a Cila estão vivendo juntas há 17 anos, mas antes disso a Eliana foi casada duas vezes com homem.
Fantástico:Teve filhos nessas relações?
Eliana: sim, eu tenho um menino do meu primeiro casamento e tenho dois meninos do segundo casamento.
"Meninos" é o modo de toda mãe dizer. Ricardo, o filho mais novo, já tem 19 anos. Tinha dois, quando a Eliana se apaixonou pela Cila.
“Desde o primeiro momento foi tratado como uma coisa que era normal. Nunca foi falado 'eu estou com ela, não é uma coisa que é comum e estou te avisando antes.' foi 'ah, estou com ela porque eu gosto dela, então é por isso que eu estou com ela.', disse o filho Ricardo.
Ceribelli: E como era explicar para os outros isso?
Ricardo: Aí é que foi difícil pra caramba!
Ceribelli: O problema não era dentro de casa?
Ricardo: Não.
Ceribelli: O problema era fora?
Ricardo: É.
Ceribelli: Para você também, o mais difícil era pensar como ele estava sendo recebido na escola, na turma dos amigos...
Eliana: Nós estávamos muito felizes uma com a outra. e será que não estava afetando alguma coisa aos meninos e tal?
A psicanalista Belinda Mandelbaum é especializada nas relações de gênero e sexualidade das novas famílias.
“Essa relação dos pais, seja do mesmo sexo ou de sexos diferentes, é uma relação em que o amor se sobrepõe ao ódio? É uma relação criativa? Qual é a qualidade dessa relação? E qual a qualidade da relação dos pais com os filhos? Isso é muito mais importante que a questão do sexo biológico”, disse Belinda.
“E outra questão fundamental é como é que a sociedade mais ampla reconhece, legitima e acolhe essas crianças. Eu estou dizendo isso porque o preconceito, esse sim é muito danoso para a criança”, disse a psicanalista.
Diversos países desenvolvem estudos sobre a formação das famílias homoafetivas.
"Há um consenso em relação a essas pesquisas que não há nenhuma evidência de que crianças criadas por casais homoafeitvos tenham alguma diferença significativa em relação a crianças criadas por casais heterossexuais. não é isso que faz a diferença no desenvolvimento físico ou psicológico dessas crianças".
No alto do bolo de casamento... duas noivas! Acompanhadas de seus três filhos. A cerimônia foi há duas semanas, mas a Fabiana e a Tula estão juntas há 15 anos. Foi a primeira relação homossexual delas, que antes namoravam homens.
Renata: Quando vocês decidiram ter filhos, vocês pensaram, se preocuparam com a felicidade dessas crianças numa família diferente?
fabiana: Quando aconteceu o nosso amor e tudo mais, eu falei 'tula, eu caso contigo, mas eu quero ter filhos'. e ela falou 'tá bom, vamos ter filhos, vários, quantos você quiser'.
Por inseminação artificial, a Fabiana gerou dois filhos, hoje com 11 e cinco anos, e registrados também em nome da Tula. Depois o casal adotou uma menina. Durante a entrevista, os três estavam por perto.
Com os ânimos mais calmos, Fabiana contou como ficou segura de vez com a opção de formar uma família com uma mulher. Foi quando o filho mais velho delas tinha quatro anos.
“Ele saiu com a minha sogra, foi no jornaleiro, tava com a camisa do flamengo, e o jornaleiro perguntou: 'seu pai e flamengo?' E ele falou: 'não, a minha família é um pouco diferente, eu tenho duas mães, uma é vascaína, a outra é tricolor, a minha vó na verdade é que é flamenguista'. E o jornaleiro olhou pra minha sogra e a minha sogra fez assim como quem diz 'é verdade'”, conta Fabiana.
Essa naturalidade é exercitada no convívio com crianças de famílias parecidas.
“Eu acho que essa convivência que a gente tem com alguns casais homoafetivos que tem filhos também, pra eles é importante, é muito importante nesse sentido. Para eles poderem perceber que é uma situação estatisticamente inferior, mas não anormal”, disse Tula.
Ontem foi dia de visita na casa de Fabiana e Tula. A Laura e a Marta têm uma história quase igual: dois filhos por inseminação artificial e uma menina adotada. A diferença é que Marta teve uma gravidez e Laura teve outra. Há cinco anos, elas convivem com famílias homoafetivas.
Marta: Foi bom porque a gente tinha milhares de amigas casadas com filhos, amigos casados com filhos e a gente pode mostrar: esse aqui, papai e mamãe da Nara, papai e papai do Tales, mamãe e mamãe do Leo, do Pedro, da Carol.
Ceribelli: A nossa família não tem papai, tem duas mamães.
Laura: e tem família que tem dois papais e tem família que tem papai e mamãe.
O que essas mulheres já conhecem, Daniela e Malu vão começar a viver agora.
Daniela Mercury está em Portugal participando de uma turnê internacional de alguns shows depois de uma pequena temporada de férias na Europa.
Fantástico: Você me pareceu muito feliz no seu show, no seu ensaio, exuberante, feliz. É um momento muito feliz da sua vida?
Daniela: Estou muito feliz. Eu sou uma mulher muito realizada, muito feliz. Eu sempre fiz o que quis.
A entrevista mal tinha começado e uma das filhas de Daniela de repente dá uma beijo na mãe.
Daniela: Te amo.
São cinco filhos:dois já adultos, do primeiro casamento e três ainda crianças, adotadas no segundo casamento, que terminou no início do ano.
Fantástico: Como é que foi a reação da sua família, dos seus filhos? Você sempre deu muita importância à família, filhos trabalham com você, te acompanham...
Daniela: Eles estão comigo sempre. Eles são acostumados à mãe que têm, foram educados pra liberdade. educados... não é pro respeito, é simplesmente ser natural na vida, entender as diferenças.
Daniela e Malu moram juntas há quatro meses.
Daniela: Nós só queremos formar nossas famílias. As pessoas só querem ter suas famílias, serem felizes. Isso, em vários países, é a coisa mais tranquila do mundo. Eu sou uma mulher que me dou o direito de ser como eu tenho vontade de ser. E se isso é importante pra mim, se eu estou apaixonada por uma mulher, por que não viver isso? Por que não me dar o direito de viver isso? Qual é a questão?
Ela sabe o que significa ter revelado o novo casamento bem no momento em que o deputado Marco Feliciano, do PSC, está sendo pressionado para deixar a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.
Daniela: Não foi por causa dele que eu fiz isso. Mas fiquei muito feliz de acontecer essa minha necessidade pessoal num momento que era necessário para o Brasil também que as pessoas tenham coragem de dizer quem elas são.
E divide com a mulher que ela chama de esposa a sensação de missão cumprida.
Daniela: Se não fosse a coragem dela também, e a compreensão de que isso era importante pra ela, eu não poderia fazer isso sozinha. É preciso que o casal tenha essa disposição. E olha que ela não suporta aparecer
No fim, Daniela pediu pra cantar uma música chamada ‘Sonho Impossível’.
"é minha lei, é minha questão
virar esse mundo
cravar esse chão
não me importa saber
se é terrível demais
quantas guerras terei que vencer
por um pouco de paz"
Paz e amor.
Daniela: somos diferentes. Lindamente, maravilhosamente diferentes. Viva o amor.