O ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB), deixou o cargo nesta quarta-feira (26) após mais de uma semana de acusações de desvio de verba em sua pasta. Silva foi acusado de participar de um esquema de desvio de recursos do programa Segundo Tempo, que dá verba a ONGs para incentivar jovens a praticar esportes. Ele esteve reunido com a presidente Dilma Rousseff para oficializar sua saída.
"Examinamos essa crise e afirmei para a presidenta que não há, não houve e não haverá crimes que me incriminem. Me sinto vivendo um linchamento público sem provas. Há 12 dias sofro um ataque baixo, de agressão vil, baseado em mentiras. Nenhuma prova surgiu, nem surgirá", afirmou. “Falei com a presidenta da minha revolta deste linchamento público que eu vivi, mas tranquilizei ela afirmando que em poucos dias, em poucas semanas, seguramente, a verdade vai vir à tona”, completou.
"Tenho compromisso com a presidenta Dilma. Nosso partido não pode ser base de instrumento de nenhum tipo de ataque ao governo. Por isso, conversamos e o resultado da conversa é que a melhor solução seria eu me afastar do governo. Eu decidi sair do governo para que possa defender minha honra", disse.
O secretário-executivo do Ministério do Esporte, Waldemar Manoel Silva de Souza, assume a pasta interinamente após a queda de Orlando Silva. A informação foi confirmada pelo Palácio do Planalto. Souza faz parte da direção estadual do PCdoB no Rio de Janeiro. O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) é cotado para o cargo.
Entenda a crise no Esporte
A situação do agora ex-ministro piorou depois que, na terça-feira (25), a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia aceitou pedido do Ministério Público para a abertura de inquérito para investigar as supostas irregularidades. O pedido de abertura de inquérito foi feito na sexta-feira (21) pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Ontem, Silva participou durante quatro horas de uma audiência pública sobre a Lei Geral da Copa, na Câmara dos Deputados. O ministro, porém, não respondeu às criticas de oposicionistas que pediam sua demissão. Foi a terceira vez que Silva esteve no Congresso sendo questionado sobre as acusações.
Em entrevista concedida a jornalistas após a audiência, Silva disse que a decisão sobre a sua permanência ou não no cargo caberia exclusivamente a presidente Dilma. Desde o início da crise, ele sempre negou todas as acusações.
Ele é o sexto ministro a cair em dez meses do governo Dilma, depois de Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Nelson Jobim (Defesa), Wagner Rossi (Agricultura) e Pedro Novais (Turismo). Com exceção de Jobim, que criticou publicamente o governo diversas vezes, todos os titulares deixam o cargo após acusações de corrupção.
Sob o domínio do PCdoB desde a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, o Ministério do Esporte permitiu a ascensão política de Orlando Silva –ocupante de diversas secretarias até assumir o cargo de titular da pasta, em 2006. Com o governo Dilma Rousseff, no entanto, o comunista e ex-líder estudantil só perdeu espaço até ser substituído em meio a acusações de desvio de recursos públicos para caixa dois eleitoral.
Silva precisou do aval direto de Lula para se manter no cargo. Dilma cogitou trocá-lo durante a transição do governo. Preferia a deputada federal Luciana Santos (PCdoB-PE), ex-prefeita de Olinda. Pesavam a favor do ministro o trânsito com dirigentes esportivos e a participação dele nas vitórias para o recebimento da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Dilma acabou demovida da ideia de afastar Silva, também por pressão do PCdoB, mas tirou poderes do ministro com a criação da APO (Autoridade Pública Olímpica), responsável pelos Jogos Olímpicos de 2016. Em seu último mês no cargo, Silva passou a evitar entrevistas e começou a dar declarações públicas cada vez mais protocolares. Até surgirem denúncias contra ele.
A presidente também deu ao comunista o papel de anteparo junto a dirigentes polêmicos, como os titulares da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ricardo Teixeira, e da Fifa, Joseph Blatter. A relação se deteriorou rapidamente. Enquanto o destino de Silva era selado em Brasília, Blatter já falava na expectativa de ter um “novo interlocutor” no governo brasileiro.
Não eram esses os planos do ministro que ajudou a organizar, já nos estágios finais, o Pan-Americano de 2007 –uma espécie de preparatório para a candidatura olímpica. Antes consultado com frequência, Silva teve de lutar para evitar que Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e titular da APO, tirasse dele também as atribuições sobre a Copa do Mundo de 2014.
Tapiocas e orçamentos
A queda de Silva, 40, baiano de Salvador e torcedor do Vitória, se deu depois de denúncias à revista “Veja” feitas pelo policial militar João Dias –que o acusou de integrar um esquema de desvio de verbas do programa Segundo Tempo, iniciado na gestão de Agnelo Queiroz, atual governador do Distrito Federal. O próprio ministério já tinha reconhecido convênios irregulares com ONGs, mas nunca com envolvimento do ministro.
A única denúncia que tinha atingido Silva diretamente até então era a compra de tapiocas por R$ 8,30, em meio ao escândalo dos cartões corporativos. Ele devolveu mais de R$ 30 mil em gastos feitos com o cartão –disse que usou equivocadamente para pagar pelas tapiocas porque se confundiu. Indiretamente, foi afetado pelos sucessivos aumentos de gastos com o Pan do Rio de Janeiro.
Presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) entre 1995 e 1997, Silva contou com o apoio do seu partido para se manter no cargo até o fim, apesar da onda de acusações. Na quinta-feira (20), o PCdoB dedicou grande parte de seu programa eleitoral gratuito à defesa do ministro.