Uma semana depois da publicação de uma portaria que formalizava o aborto legal no SUS, nos casos que já estavam previstos em lei, o Ministério da Saúde recuou. Nesta quinta-feira, uma nova portaria foi publicada no “Diário Oficial” revogando a norma anterior, assinada pelo secretário de Atenção à Saúde, Fausto Pereira dos Santos. A assessoria do Ministério da Saúde afirmou que a portaria não alterava as regras já vigentes sobre o aborto legal e foi revogada por questões técnicas.
Um dos motivos apontados pelo governo para reverter a publicação, apesar de a portaria não abrir brechas para o aborto além dos casos já estabelecidos na lei, foi a falta de debates sobre a portaria com gestores municipais e estaduais, que coordenam esses gastos. Além disso, o ministério afirma que há uma inconsistência no cálculo do impacto final dessas cirurgias e que ele terá de ser refeito. Porém, não foi informado o novo valor.
“A portaria vai passar por reanálise e será debatida com os gestores estaduais e municípios. Não há prazo para que seja publicada novamente”, explicou o ministério.
Na semana passada, quando a portaria foi publicada, o ministério destacou que o aborto continuaria sendo realizado apenas nas condições permitidas pela legislação, como no caso da gravidez ser decorrente de estupro ou se o feto fosse anencéfalo, como determina a decisão de 2012 do Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o ministério, o procedimento reúne as técnicas de curetagem e esvaziamento intrauterino (AMIU), que já eram realizadas pelo SUS, e acrescenta o uso de medicamentos na interrupção da gestação.
Bancada evangélica pediu a revogação, diz deputado
Após a publicação da revogação, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), integrante da bancada evangélica no Congresso, afirmou que o cancelamento da nova regra teria sido feito após movimentação sua. No Twitter, ele afirmou hoje que esteve com o ministro da Saúde, Arthur Chioro, e relatou que iria entrar com um projeto legislativo para que a portaria fosse revogada.
“Alertei a ele que pelos termos da portaria ela estaria legalizando o aborto ilegal. Hoje o ministro me procurou para comunicar que estudou a portaria,que foi editada por uma secretaria do ministério, entendendo que tinha falhas. Logo resolveu revogá-la para melhor estudar”, disse. “Certamente após estudar ele devera apresentar alguma nova proposta ou nova portaria nos estritos termos da legislação vigente”, completou.
A portaria publicada no “Diário Oficial” na quinta-feira passada definia que o governo pagaria R$ 443,30 por cirurgia de interrupção terapêutica da gestação ou antecipação do parto nos hospitais públicos. Essa cirurgia só poderia ser feita dentro dos casos já previstos por lei. A norma previa que os recursos usados para arcar com esses procedimentos deveriam ser anotadas sob o nome de “Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista em Lei”.
A publicação da portaria definindo o valor trouxe críticas de grupos religiosos. Na semana passada, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO), da Frente Parlamentar Evangélica, afirmou que a criação do procedimento era uma preocupação.
A portaria que foi revogada também contemplava uma lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff no ano passado que estabelece garantias à mulher vítima de violência sexual, incluindo a oferta da pílula de emergência, conhecida como pílula do dia seguinte, e de informações sobre seus direitos ao aborto em caso de gravidez.
Entidade de defesa dos direitos da mulher critica revogação
O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) expressou "perplexidade" com a revogação da portaria que formalizava o aborto legal no SUS e disse que a decisão vai "na contramão dos direitos humanos das mulheres brasileiras". Em nota assinada com outras entidades, o centro questionou os motivos que levaram à revogação. "Que fundamentos basearam tal medida? Do nosso ponto de vista, é uma medida que representa um retrocesso", disse a entidade. O Cfemea argumentou que a portaria estava em conformidade com as leis e que "revogar este avanço significa retornar a uma situação de imprecisão que dificulta a obtenção de estatísticas nesta área, pela subnotificação desses procedimentos no SUS". "Um sistema de informação eficaz é base para obter com precisão dados sobre a saúde reprodutiva das mulheres e condição para formulação e monitoramento de políticas públicas", acrescentou a nota.
Na avaliação do Cfemea, com a revogação da portaria, o país volta a uma situação de dificuldade para as mulheres de acesso ao aborto legal e ao atendimento nos casos de violência sexual pela rede de atendimento do SUS. "Temos esperança de que esta revogação seja corrigida. Solicitamos deste Ministério explicações sobre a medida de retrocesso", conclui.