Doutora Virgínia Soares Souza, uma personagem polêmica. Ela é a médica acusada de apressar a morte de pacientes na UTI de um grande hospital de Curitiba. Esta é a primeira vez em que a médica dá uma entrevista, diante das câmeras, para discutir os detalhes do caso. Virgínia diz que é inocente, e que simplesmente praticou a medicina.
"Inocente ou culpado, depende de você agir errado e com má fé", diz a médica Virgínia Helena Soares de Souza.
Acusada de acelerar a morte de sete pacientes na UTI do Hospital Universitário Evangélico, um dos maiores de Curitiba, a médica afirma, em entrevista exclusiva ao Fantástico, que é inocente.
"Eu nunca abreviei a vida de ninguém", diz.
Ela e mais três médicos e duas enfermeiras do Hospital Evangélico são acusados por homicídio e formação de quadrilha. A polícia e o Ministério Público investigam também mais de 300 mortes consideradas suspeitas na mesma UTI, entre 2006 e 2013.
De acordo com a acusação, uma das vítimas foi Ivo Spitzner, que morreu no hospital, em janeiro passado, aos 67 anos. Ele tinha sido internado com problemas de circulação no pé, e precisou ser operado. Durante a cirurgia, o quadro clínico de Ivo piorou. Depois da operação, ele foi para a UTI.
“Era um paciente que já tinha uma doença vascular, que estava acamado desde 1996, com episódios de Acidentes Vasculares Cerebrais, derrames”, afirma Virgínia.
Mas Dona Zenaide, a viúva do paciente, tem uma outra versão. Ela diz que fotos que mostram o marido aparentemente bem de saúde foram tiradas no ano passado.
“Ele nunca ficou na cama”, conta.
Na UTI, Ivo teve parada cardíaca. O procedimento de reanimação durou 100 minutos. O prontuário mostra que, no dia da morte, ele recebia oxigênio a 47%. Às 8h, o nível foi reduzido para 22%, quase o limite mínimo. Pela prescrição médica, às 9h39 foram aplicados três medicamentos, um deles o Pavulon - que paralisa os músculos, inclusive os da respiração. Às 10h30, Ivo Spitzner faleceu.
“Foi um quadro que não tinha mais retorno, tanto pela sequela cerebral que ele já tinha, mas, certamente 100 minutos de parada, foi um absurdo. Esse é um quadro sem retorno. Então, isso é definido com o cirurgião que participa, com todos que participam”, afirma Virgínia.
Membro da Associação Internacional de Bioética, o cardiologista José Eduardo Siqueira discorda do procedimento.
“Não há justificativa técnica pra se usar o Pavulon, porque ele já está entubado”, diz.
Segundo ele, o Pavulon tem que ser administrado antes de o respirador ser ligado ao doente, para facilitar a ação do equipamento.
Depois da denúncia contra a médica Virgínia Helena, foi aberta uma sindicância, do SUS e das secretarias Municipal e Estadual de Saúde. Auditores investigaram UTIs de oito hospitais de Curitiba. O relatório, que ficou pronto esta semana, aponta: a UTI geral do Evangélico era a única a contrariar recomendações do Ministério da Saúde.
“A conduta que lá era realizada seguia a concepção das pessoas que lá atuavam”, afirma Adriano Massuda, secretário municipal de Saúde de Curitiba.
Virgínia Helena afirma que consultava a equipe médica antes de decidir se um paciente em estado terminal deveria receber apenas cuidados que evitassem dor e sofrimento.
“Isso é definido sempre em grupos. O doente não é de um, nós atendemos doentes de muitos médicos, com uma série de patologias, e tudo isso é definido, se tem prognóstico ou não”, conta.
A promotora que atua no caso contesta.
“Nos prontuários médicos dos pacientes não havia registros de que tenha sido consultado o paciente ou sua família, muito menos uma equipe médica”, observa a promotora de Justiça-PR, Fernanda Garcez.
“Toda decisão, o médico tem que tomar junto com a família, com o paciente. Ou seja, não se pode imaginar que cuidados paliativos significam você isolar o indivíduo num canto, e o médico tomar procedimento sem consultar a pessoa e a família”, ressalta José Eduardo.
“Com a família a gente coloca o quadro, né? Você detalha, mas você coloca o quadro”, diz Virgínia.
“Ninguém comentou nada comigo. Eu só fui ver ele de noite, quando levaram no cemitério e ele já estava no caixão”, diz a viúva de Ivo, Zenaide Pereira.
No dia 10 de março, o Fantástico mostrou gravações telefônicas, feitas com autorização da Justiça, no ramal da UTI. Em um trecho, a médica fala com um colega, que também é réu no caso, sobre o paciente Ivo, um dia antes de ele morrer. Na conversa, o verbo "ir" é usado quando o paciente morre.
Virgínia: “Eu falei: ‘Tudo bem, amanhã ainda consigo mais dois, porque eu não fui com o Ivo porque eu fui com dois hoje de manhã”
Médico: “Eu já estou indo com o Ivo”.
“Muitas vezes você diz: 'Ah, hoje comigo foram quatro'. Nós perdemos, isso é um desabafo. Não quer dizer que você induziu a morte de quatro”, explica Virgínia.
Em outra conversa, a médica diz em tom debochado que quer esvaziar a unidade.
Virgínia: Quero desentulhar essa UTI que está me dando coceira.
“Foi uma infelicidade, foi um desabafo, porque o número de pedidos de vagas é extremamente alto”, diz.
Virgínia se diz muito exigente. “Às vezes, até grosseira. Conforme a situação, você chega a ser, né? Porque é um ambiente tenso, é um ambiente que exige agilidade, que exige muita dedicação”, afirma.
Depois de ter ficado um mês presa, Virgínia vai aguardar o julgamento que data ainda não tem data marcada.
Fantástico: Como a senhora acha que o Brasil viu a senhora?
Virgínia: Como um demônio.
Fantástico: A senhora é inocente dessas acusações?
Virgínia: Inocente ou culpado depende de você agir errado e com má fé. Eu exerci a medicina.
“Isso não retrata a medicina intensiva que se pratica no Brasil. Isso se trata apenas como homicídio”, acusa a promotora Fernanda Garcez.
Fantástico: Qual é a doutora Virgínia: a doutora Virgínia que salvava os pacientes da UTI ou a doutora Virgínia que abreviou a vida de pacientes na UTI?
Virgínia: Eu nunca abreviei a vida de ninguém. Eu só exerci exatamente a medicina como ela tem que ser.
“Era meu companheiro, né? Dia e noite, 24 horas juntos. Voltar, ele não vai voltar, mas ela vai ter que pagar”, desabafa a viúva de Ivo.