Marina Silva e seu vice, Beto Albuquerque, apresentaram nesta sexta-feira o programa de governo de mais de 240 páginas da coligação pela qual disputam a Presidência da República. Trata-se de uma versão ampliada do documento entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em julho, quando Eduardo Campos ainda era o candidato da chapa. A agenda econômica ganha destaque no texto por ser justamente o segmento que suscita maior preocupação hoje — e também para 2015. A equipe de Marina, capitaneada pelo economista Eduardo Giannetti da Fonseca, redigiu pouco mais de 50 páginas de um programa econômico que resgata a ortodoxia perdida nos governos petistas, detalhando mudanças estruturais que podem ser feitas se a ex-senadora for eleita presidente. Se, no discurso político, Marina preferiu destacar medidas com maior apelo popular, como o passe livre para estudantes e o aumento da verba para a Saúde, a pauta econômica evidencia uma ânsia por ajustes e liberalização de mercado. O programa não mostra, no entanto, como um possível governo peessebista faria para equalizar um ajuste fiscal imprescindível com o aumento de gastos sociais.
Na apresentação, o partido faz uma homenagem a Campos para deixar registrado que ele participou e revisou até as últimas versões do texto, que é dividido em seis eixos principais que já haviam sido divulgados pelo PSB como bases das propostas de governo. São os seguintes: Estado e Democracia de Alta Intensidade; Economia para o Desenvolvimento Sustentável; Educação, Cultura e Ciência, Tecnologia e Inovação; Políticas Sociais, Saúde e Qualidade de Vida; Novo Urbanismo, Segurança Pública e o Pacto pela Vida; Cidadania e Identidades.
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No centro da cartilha, os candidatos reafirmam o compromisso com pontos já adiantados ao longo da campanha, como o "tripé econômico" – sistema composto por meta de inflação, câmbio flutuante e rigor fiscal — e a independência do Banco Central garantida por lei. Hoje, o presidente do BC, apesar de ser técnico, é nomeado pelo governo, assim como toda a sua diretoria. Segundo o texto, a falta de autonomia do BC faz com que o órgão não tenha, necessariamente, compromisso com o cumprimento da meta de inflação, algo que contribui para a perda de credibilidade da economia brasileira.
A equipe de Marina propõe ainda a criação de Conselho de Responsabilidade Fiscal, um órgão teoricamente independente do governo cuja função é avaliar o cumprimento das metas fiscais e a qualidade dos gastos públicos. Tal mecanismo tem clara inspiração no comitê orçamentário dos Estados Unidos, que não é partidário. Ainda que Republicanos e Democratas se engalfinhem para conseguir aprovar ou vetar gastos, há um time técnico e isento por trás que apresenta os números tal como são. E, em muitos casos, suas projeções são alinhadas com as do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O eixo principal do programa econômico é, segundo o texto, diminuir o peso do estado (e das estatais) na economia e estimular o desenvolvimento do mercado de capitais como motor de financiamento de projetos — em especial os de infraestrutura. Sobre as estatais, o documento afirma claramente a intenção de "eliminar a prática de usá-las como instrumento de política macroeconômica". Subsídios a setores específicos também são alvo de críticas no programa, pois "reduzem a eficiência na alocação de recursos e comprometem o crescimento econômico, entre outras coisas, por causa das incertezas geradas quanto a preços relativos". O objetivo final desse novo modelo é aumentar a competitividade e eficiência das empresas. "Deixar a economia respirar", diz o texto.
O detalhamento proposto é visto como o ideal para uma economia de mercado. Contudo, o que Marina não explica é se, caso se eleger, retirará, de fato, todos os estímulos já colocados em prática pelo governo atual, como o Inovar-Auto no setor automotivo e as desonerações tributárias concedidas a setores específicos da economia. Há ainda as políticas de conteúdo nacional no setor de óleo e gás e a política de compras governamentais, que permite que o governo pague mais caro por produtos fabricados no Brasil do que por importados, mesmo em caso de licitação. Trata-se, assim, de um programa que, para ser implementado, terá de desconstruir decretos e leis já aprovadas no Congresso.
Conseguir apoio para empreender mudanças é um dos pontos que mais suscitam dúvidas em relação à candidatura da ex-senadora. Segundo seu programa, uma reforma política é imprescindível para que as promessas saiam do papel. Além de propor mudanças no modo de escolha do Legislativo – como a defesa da candidatura avulsa –, o texto defende que o Estado precisa se modernizar por meio do fortalecimento de suas instituições. Nesse âmbito, Marina defende proposta semelhante à de seu adversário Aécio Neves (PSDB): o fim da reeleição e coincidência dos mandatos, com duração de cinco anos. Tais mudanças, segundo a candidata, viram uma "maior participação popular", de modo a haver uma "democratização da democracia".
Mais vago que o programa econômico, o texto político afirma que é preciso mudar as regras para a competição entre os partidos, especialmente os modos de financiamento de campanha. Valendo-se das manifestações de junho de 2013, o programa aponta ainda que é preciso criar novos mecanismos de participação, com o uso da tecnologia, além de fortalecer os já existentes, como plebiscitos, consultas populares e conselhos sociais. "As manifestações recentes demandam que se ampliem os espaços públicos de discussão, maior inserção nos processos políticos e exercícios de cidadania", diz o texto, num tom de manifesto "sonhático".
Leia outros pontos defendidos pelo programa do PSB:
Saúde – O programa sugere a criação do Saúde 10, que já havia sido anunciado pelo partido. Com a medida, é previsto que 10% da Receita Corrente Bruta do país sejam destinados a ações na área de saúde. Sobre o aborto, o programa não fala em legalização, mas destaca a necessidade de consolidar no Sistema Único de Saúde (SUS) “os serviços de interrupção da gravidez conforme legislação em vigor”.
Educação – O programa prevê medidas na área de educação para valorizar o professor e ampliar o acesso ao ensino. A escola e tempo integral, uma das principais bandeiras de Campos durante seu governo em Pernambuco, também é listada. Outra proposta implementada em Pernambuco e que está prevista no plano e governo é o programa “Ganhe o mundo”, que promove o intercâmbio para estudantes do ensino médio da rede pública. As propostas não trazem metas muito claras para a educação, mas os candidatos se comprometem a acelerar a implantação do Plano Nacional para a Educação (PNE), que já foi aprovado pelo Congresso Nacional e garante 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação. Sobre as cotas raciais, os candidatos veem a medida como temporária. “Reafirmar importância das cotas para a população negra brasileira, como medida temporária, emergencial e reparatória da dívida histórica, com data prevista para terminar”, diz o texto.
Bolsa Família – Sobre o Bolsa Família, Marina defende que o programa seja uma política pública de Estado, “assegurando sua continuidade mesmo com as alternâncias do governo”. O programa acrescenta ainda que a intenção é incluir no Bolsa Família todas as famílias cujo perfil preencha os critérios do programa.
Fator previdenciário – O fim do fator previdenciário, que define idade mínima para aposentadoria, também aparece entre as propostas de Marina. Embora não deixe claro como pretende modificar o sistema, a candidata se compromete a rever a regra. “A coligação Unidos pelo Brasil propõe a busca de alternativa ao fator previdenciário que concilie os princípios de justiça – beneficiando quem mais cedo começou a trabalhar, computando tempo suficiente para o custeio do seu benefício, e evitando, ao mesmo tempo, a imprevisibilidade derivada do fator previdenciário, que sofre alteração a cada ano, à medida que se eleva a expectativa de vida da população. Uma fórmula numérica que elimine o fator negativo, ou seja, a redução do benefício, a partir de certo patamar, parece ser defensável e suficiente para mitigar os efeitos perversos do fator.