O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, aceitou denúncia apresentada pelo Ministério Público e transformou em réus o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), o ex-chefe de gabinete de Delcídio Diogo Ferreira, o banqueiro André Esteves, o advogado Edson Ribeiro, o pecuarista José Carlos Bumlai e o filho dele, Maurício Bumlai. Eles são acusados de tentar obstruir a Justiça tentando comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um dos delatores da Lava Jato.
É a primeira vez que Lula vira réu na Lava Jato. Por meio de nota, os advogados do ex-presidente da República afirmaram que o petista já esclareceu, em depoimento à Procuradoria Geral da República, que ele "jamais interferiu ou tentou interferir em depoimentos relativos à Lava Jato".
Ainda de acordo com os defensores de Lula, "a acusação se baseia exclusivamente em delação premiada de réu confesso e sem credibilidade, que fez acordo com o Ministério Público Federal para ser transferido para prisão domiciliar" (leia ao final desta reportagem a íntegra da nota divulgada pela defesa do ex-presidente).
Delcídio foi preso em novembro do ano passado após ter sido gravado pelo filho de Nestor Cerveró prometendo à família do ex-diretor da área internacional da Petrobras que iria conversar com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar libertá-lo. À época, Cerveró estava preso preventivamente em Curitiba, acusado de participar do esquema criminoso que desviou dinheiro da petroleira, e Delcídio era líder do governo Dilma Rousseff no Senado.
Em um dos trechos do áudio gravado pelo filho de Cerveró, o ex-senador sugere um plano de fuga para o ex-dirigente da estatal ir para a Espanha passando pelo Paraguai. Na gravação, Delcídio também prometeu ajuda financeira de R$ 50 mil mensais para a família de Cerveró e honorários de R$ 4 milhões para o advogado Édson Ribeiro, que, até então, comandava a defesa do ex-diretor da Petrobras na Lava Jato.
Em contrapartida, apontam as investigações, Cerveró silenciaria em sua delação premiada em relação ao então líder do governo, a Lula, Bumlai, André Esteves e aos demais acusados.
Em maio, quando incluiu Lula, José Carlos Bumlai e Maurício Bumlai na denúncia que já havia sido apresentada ao STF contra Delcício, André Esteves, Diogo Ferreira e Édson Ribeiro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que o ex-presidente da República manteve controle sobre as decisões do esquema operado na Petrobras. Conforme o chefe do Ministério Público, Lula também tentou influenciar o andamento da Lava Jato.
A denúncia acusa os sete de três crimes: embaraço à investigação de organização criminosa, que prevê pena de 3 a 8 anos de prisão; patrocínio infiel (quando advogado não defende corretamente interesses do cliente – os outros réus foram considerados coautores de Édson Ribeiro neste crime), que prevê pena de 6 meses a 3 anos; e exploração de prestígio, que prevê pena de 1 a 5 anos.
CASO ANDRÉ ESTEVES
Banqueiro é investigado pela Lava Jato
a prisão
bilionário aos 40
controle do btg
stf retira restrições
venda de ativos
btg e cunha
A decisão
No despacho que tornou réus Lula e os outros 6 acusados, o magistrado da 10ª Vara Federal de Brasília entendeu que estão presentes elementos probatórios para início de uma ação penal. Ricardo Leite concedeu prazo de 20 dias para os sete acusados se manifestarem sobre a acusação e determinou a retirada do sigilo do processo.
No despacho, o juiz também ordenou que as defesas dos réus fossem informadas por e-mail sobre a abertura da ação penal. Leite disse que decidiu informar os acusados por meio eletrônico, além da intimação oficial, porque o caso possui "interesse midiático" em razão da projeção nacional dos envolvidos na denúncia.
Nos últimos meses, Lula tem acusado magistrados e integrantes do Ministério Público de vazarem informações para a imprensa com o objetivo de promover "espetáculos midiáticos" com decisões contra ele.
Depois que os advogados dos sete réus se manifestarem, terá início a fase de produção de provas e os interrogatórios de testemunhas de defesa e acusação. Concluída esta fase, o juiz decidirá se condena ou absolve os sete acusados de tentar obstruir o trabalho da Justiça.
O que disseram os suspeitos
Convidado de um evento de bancários na capital paulista, Lula comentou nesta sexta-feira, poucas horas depois de virar réu na Lava Jato, a decisão da Justiça Federal. Em seu discurso, o petista disse que o Ministério Público e a Polícia Federal têm de provar as acusações feitas contra ele no processo (assista ao vídeo acima).
Apesar de começar seu discurso citando a denúncia, o ex-presidente comentou em seguida sobre o apartamento em Guarujá e o sítio em Atibaia, ambos imóveis localizados em São Paulo, atribuídos a ele e que são alvos de investigação da PF. No entanto, tanto o sítio quanto o duplex não têm relação com a acusação que foi aceita nesta sexta pela Justiça do Distrito Federal.
“Eu não quero falar dos meus problemas pessoais para não transformá-los em problemas coletivos, mas enquanto estou aqui conversando com vocês eu fiquei sabendo que foi aceita uma denúncia contra mim de obstrução de Justiça. [...] Eu não ia tocar no assunto, mas eu já cansei. Eu não tenho que provar que eu tenho apartamento. Quem tem que provar é a imprensa que acusou, o Ministério Público que falou que eu tenho, a Policia Federal que diz que eu tenho.”
O advogado Antonio Figueiredo Basto, que defende Delcídio do Amaral, disse que não vai comentar a decisão da Justiça Federal.
O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, responsável pela defesa de André Esteves, lamentou a decisão que transformou seu cliente em réu. Segundo o advogado, Delcício isentou o banqueiro de envolvimento na suposta tentativa de comprar o silêncio de Cerveró, afirmando que esse papel foi atribuído pelo Ministério Público a Bumlai.
A defesa também sustenta que as suspeitas que pesavam contra Esteves foram descartadas pelo ministro Teori Zavascki quando revogou a prisão preventiva do banqueiro, em dezembro.
“Tenho muita convicção que, no julgamento colegiado do STF, a denúncia não seria recebida em relação ao André. O ministro Teori, quando determinou a soltura do André, disse que a denúncia veio com exatamente as mesmas premissas que estão no pedido de prisão. Para nós, foi uma lástima o processo não ter sido submetido à Segunda Turma”, disse o criminalista.
À frente da defesa de Édson Ribeiro, o criminalista Marcos Criciúma disse à TV Globo que refuta completamente os fatos descritos na denúncia do Ministério Pública. De acordo com os advogados, Ribeiro nunca frustrou os interesses de Nestor Cerveró, que era seu cliente até a Polícia Federal prendê-lo sob a acusação de estar envolvido em uma tentativa de calar o ex-dirigente da Petrobras.
O defensor de Édson Ribeiro também afirmou que espera que o juiz reverta a decisão e não aceite a denúncia contra o ex-advogado de Cerveró.
A defesa de José Carlos Bumlai ressaltou que não teve acesso a decisão, mas, no momento oportuno, quando for apresentada a resposta, pretende mostrar que o pecuarista não pagou nenhuma vantagem para Delcídio tentar evitar que Cerveró fizesse denúncias contra ele em sua delação premiada. Segundo o advogado de Bumlai, mesmo porque o ex-dirigente da estatal do petróleo não teria nenhuma informação comprometedora contra o empresário.
"A maior confirmação de que a informação não procede é que a delação foi, de fato, concretizada, e o próprio Cerveró já afirmou em outro processo que nunca tratou com Bumlai sobre qualquer irregularidade no âmbito na Petrobras", destacou o advogado.
O defensor de Maurício Bumlai informou que irá se manifestar somente depois que tiver acesso aos autos do processo.
O G1 procurou a defesa de Diogo Ferreira, mas até a última atualização desta reportagem não havia conseguido contatar o advogado.
Temor de Moro
A denúncia foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) no começo deste ano, mas o ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Lava Jato na Corte, determinou que fosse enviada para a Justiça Federal de Brasília depois que Delcídio foi cassado no Senado e, consequentemente, perdeu o foro privilegiado.
Na ocasião em que Delcídio deixou de ser senador, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo que o processo fosse enviado para o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância, por entender que havia conexão dos fatos com o esquema de corrupção que agia na Petrobras.
Janot ponderou que, parte dos denunciados, como José Carlos Bumlai e o filho dele, Maurício Bumlai, e o próprio Cerveró já são alvos de processo no Paraná, portanto, o processo deveria ser enviado para Curitiba. A defesa dos acusados, contudo, contestou o pedido para que o processo ficasse sob a responsabilidade de Moro.
Os advogados do banqueiro André Esteves, sócio do banco BTG Pactual, argumentaram que o suposto crime foi cometido em Brasília e, por isso, deveria ficar sob a jurisdição da Justiça do Distrito Federal.
Já a defesa de Lula ponderou que o caso deveria ir para a Justiça Federal de São Paulo porque os fatos que originaram a denúncia ocorreram naquele estado.
O ministro Teori Zavascki reconheceu que o que permitia que o inquérito seguisse no Supremo era o foro privilegiado de Delcídio. Mas, depois que ele foi cassado, o caso deveria continuar na primeira instância, frisou o ministro.
Mas ele entendeu que o próprio Supremo já decidiu que não há a chamada "prevenção" para o que não se referir especificamente à corrupção na estatal. Segundo o ministro, a definição do juízo que deve tocar o caso deve ser feita conforme o local onde o crime foi cometido.
Conforme o ministro, os delitos ocorreram no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, "com preponderância desta última porque onde desempenhava o ex-parlamentar sua necessária atividade".
Teori Zavascki também frisou que foi em Brasília que o filho de Cerveró, Bernardo, gravou a conversa que deu origem à descoberta da trama.
Leia a íntegra da nota divulgada pelos advogados de Lula:
Nota
O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não recebeu citação relativa a processo que tramita perante a 10a. Vara Federal de Brasília (IPL n. 40755-27.2016.4.01.3400). Mas, quando isso ocorrer, apresentará sua defesa e, ao final, sua inocência será certamente reconhecida.
Lula já esclareceu ao Procurador Geral da República, em depoimento, que jamais interferiu ou tentou interferir em depoimentos relativos à Lava Jato.
A acusação se baseia exclusivamente em delação premiada de réu confesso e sem credibilidade - que fez acordo com o Ministério Público Federal para ser transferido para prisão domiciliar.
Lula não se opõe a qualquer investigação, desde que realizada com a observância do devido processo legal e das garantias fundamentais.
Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins