“A inércia do Congresso traz riscos para a democracia. E proteger as regras da democracia é um papel do Supremo”, afirma o ministro Luís Roberto Barroso, explicando a razão de o Poder Judiciário ter começado a julgar há duas semanas se doações de empresas em campanhas eleitorais são inconstitucionais.
Em entrevista à Folha e ao UOL, o mais novo integrante do STF (Supremo Tribunal Federal), que tomou posse no fim de junho, diz compreender a paralisia do Congresso quando se trata de reformar o sistema político. “Há muita dificuldade de se formarem consensos. Não querem mudar a lógica do jogo que os ajudou a chegar lá”, afirma.
O STF começou a julgar no início deste mês uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Se ela for aceita, serão proibidas as doações eleitorais de empresas, que hoje respondem por mais de 80% do que é arrecadado pelos candidatos.
Até agora, 4 dos 11 ministros do STF já se manifestaram a favor da proibição. O julgamento foi suspenso e será retomado no ano que vem.
Barroso votou contra as doações das empresas e acha que a função principal desse julgamento é fomentar o debate sobre reforma política. “Não está funcionando, nós temos que empurrar a história. Está emperrado, nós temos que empurrar”, diz. “Espero que a decisão do Supremo recoloque essa questão na agenda do Congresso.”
A seguir, trechos da entrevista de Barroso, concedida na quarta-feira, em Brasília.
Folha/UOL – O sr. votou a favor de considerar inconstitucional a doação de empresas privadas para políticos em campanha eleitoral. Como deveria ser o modelo de financiamento, então?
Luís Roberto Barroso - Em tese, não considero inconstitucional em toda e qualquer hipótese a doação por empresa. Mas no modelo brasileiro grandes empresas doam para o partido A, para o partido B, para o partido C.
Não tem nada a ver com ideologia. Doam ou por medo, ou porque são achacadas, ou porque querem favores. No sistema que nós temos, a derrama de dinheiro produz um impacto antidemocrático e antirrepublicano.
É possível prescindir das doações diretas de empresas?
É possível. Ou é até possível desenhar um modelo em que a doação de empresas não tenha este impacto deletério sobre o princípio republicano e sobre a moralidade pública.
O Congresso, pressionado pelas multidões que tinham ido para as ruas, discutiu a reforma política.
Não saiu nada…
Logo que o povo saiu da rua essa agenda foi desarticulada. Espero que a decisão do Supremo recoloque essa questão na agenda do Congresso. Acho que decisão política tem que tomar quem tem voto. Agora, a inércia do Congresso traz riscos para a democracia. E proteger as regras da democracia é um papel do Supremo.
O sr. acha que o Congresso tem sido inerte por quê?
Porque há muita dificuldade de se formarem consensos. Compreensivelmente –faz parte da natureza humana– não querem mudar a lógica do jogo que os ajudou a chegar lá.
O Congresso Nacional não avança nessa área.
Foi uma pena. Aquela energia cívica que foi o povo nas ruas foi formidável. É a energia que move a história. É assim que se produzem as grandes transformações.
Mas, para fazer andar a história, não precisa estar com o povo gritando atrás. É preciso interpretar e fazê-la andar. Está ruim, não está funcionando, nós temos que empurrar a história. Está emperrado, nós temos que empurrar.
O sr. tem opinião sobre a criminalização do uso de drogas?
Acho que a criminalização de drogas leves é uma má política pública. A criminalização da maconha é uma política pública equivocada. Estou preocupado com o impacto dessa atividade criminosa sobre as comunidades que são dominadas pelas pessoas que fazem o tráfico.
Seria uma política pública boa, ou pelo menos uma boa experiência que não produzirá nada pior do que o que a gente já tem, a descriminalização da maconha.
Descriminalizar a maconha resolveria o problema dessas comunidades?
Vejo quantos casos chegam às minhas mãos de pessoas condenadas por tráfico, por pequenas quantidades de maconha: 100 gramas, 200 gramas, 500 gramas.
Isso provoca um impacto extremamente negativo. Vai preso por 250 gramas de maconha e sai violentado, embrutecido e pronto para crimes mais graves. Do ponto de vista de uma política criminal, não teria nenhuma dúvida de que descriminalizar a maconha é positivo.
Mas como é possível distinguir entre o que deve ser descriminalizado?
O país precisa de um debate sem preconceitos. Do meu ponto de observação, é uma má política pública prender dezenas de milhares de jovens por tráfico de pequenas quantidades de maconha e mesmo, eventualmente, de cocaína quando não estejam associadas a outro tipo de delinquência.
O que acha da política do Uruguai de liberar drogas leves –no caso, a maconha?
Tenho simpatia pela experiência. Acho que a gente deve observá-la. No Brasil, as pessoas acham muito sem terem procurado. Não sou uma dessas pessoas.
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Entrevista por Fernando Rodrigues, publicada originalmente na Folha de S. Paulo, edição 22/12/2013, sob o título ‘Inércia do Congresso é risco à democracia e obriga STF a atuar’.