As investigações da Polícia Federal (PF) que desaguaram na operação Tempus Veritatis no último dia 8 não se limitaram ao governo Jair Bolsonaro e também avançaram sobre mensagens trocadas pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outros investigados após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Uma delas revela o espanto do tenente-coronel diante da reação da comunidade internacional aos ataques golpistas do 8 de janeiro em Brasília.
Ainda no fim da noite do domingo que entrou para a história do país, quando as sedes dos Três Poderes já tinham sido esvaziadas pelas forças de segurança, Gabriela Cid, mulher do braço-direito de Bolsonaro, encaminhou por WhatsApp prints de chefes de Estado condenando energicamente a tentativa de golpe contra Lula e prestando apoio ao presidente eleito e empossado nas redes.
Gabriela destacou os posicionamentos do presidente da França, Emmanuel Macron, e do então dirigente da Argentina, Alberto Fernández, além de um post que aludia ao posicionamento do chefe de Estado colombiano, Gustavo Petro.
“Imagina se ele tivesse assinado”, reagiu Cid.
Na avaliação dos investigadores da PF, o pronome “ele” tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. Segundo a representação que solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para a operação da semana passada, a mensagem confirma “que o grupo investigado efetivamente elaborou um documento para executar um golpe de Estado no Brasil, ainda na gestão do então presidente Jair Bolsonaro”.
O documento citado pela PF seria a minuta de decreto golpista elaborada dentro do Palácio da Alvorada pelo então assessor especial da Presidência, Filipe Martins, e do jurista Amauri Feres Saad, com ajustes do próprio presidente Bolsonaro. Segundo a investigação da PF, os golpistas planejavam prender o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e anular o resultado das eleições que concederam a Lula seu terceiro mandato.
Veja os alvos da operação que mira Bolsonaro e aliados
O tom da resposta de Cid à esposa sugere que os integrantes do núcleo do golpe no governo Bolsonaro podem ter subestimado as consequências de uma eventual ruptura democrática no Brasil na comunidade internacional – ou ao menos contavam que o então presidente saísse impune da manobra golpista em uma das maiores democracias do mundo.
Macron anunciou seu “apoio incondicional” a Lula em um tweet em português. Já Fernández e Petro se solidarizaram e defenderam a convocação de reuniões emergenciais do Mercosul e da Organização dos Estados Americanos (OEA), respectivamente.
Outras lideranças se manifestaram enfaticamente em defesa da transição de poder e da legitimidade do governo Lula, como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o chanceler alemão, Olaf Scholz e o premier britânico, Rishi Sunak. O secretário-geral da ONU, António Guterres, e a cúpula da União Europeia também rechaçaram a intentona bolsonarista.
Mais cedo, no decorrer das invasões em Brasília, Gabriela já tinha compartilhado registros dos ataques – como um livro estirado sobre a grama que, segundo ela, pertenceria ao então ministro do STF Ricardo Lewandowski.
A mulher de Mauro Cid também encaminhou um post do influenciador bolsonarista Bernardo Küster no Instagram que reproduzia uma declaração do “guru” Olavo de Carvalho, morto em 2022, publicada anos antes.
Em 2021, alimentando a narrativa bolsonarista de perseguição política pelo Judiciário, Olavo especulou que a população brasileira reagiria ao “estrangulamento” do Supremo e, neste cenário, as Forças Armadas “esmagaria a rebelião” popular.
“Dessa vez eu discordo”, respondeu Cid. “Se o EB [Exército Brasileiro] sair dos quartéis… É para aderir”, apostou.
Não se sabe quais informações o tenente-coronel tinha em mãos naquele momento, mas a julgar pela quantidade de militares que integraram o núcleo golpista de Bolsonaro e a mal explicada oposição do Comando do Exército à prisão dos golpistas que se refugiaram no QG naquela tensa noite de 8 de janeiro, Cid talvez tivesse razão ao discordar. As investigações da PF ainda têm muitas perguntas a serem respondidas sobre o papel da caserna no golpismo.