Onze dias depois, a pergunta permanece sem resposta: afinal o que aconteceu com o avião Cessna que caiu em Santos e matou o candidato à presidência Eduardo Campos e mais seis pessoas?
Os repórteres do Fantástico foram até a Áustria para entrar em um simulador super moderno capaz de reproduzir de maneira precisa as condições do voo daquela quarta-feira que terminou em tragédia.
A imagem inédita do vídeo acima mostra o que sobrou do Cessna prefixo PR-AFA que caiu em Santos. Com exceção dos motores, que foram levados para uma oficina em Sorocaba, interior paulista, e da caixa-preta, que está em Brasília, o restante todo foi para o local. E esse restante é muito pouco. O choque pulverizou o avião. Não se vê nem a cauda, normalmente a parte menos destruída em acidentes.
O depósito que guarda esses fragmentos fica na Base Aérea de Santos, a mesma onde o Cessna Citation tentou pousar mas não conseguiu, arremeteu e, minutos depois, caiu sobre a cidade, matando sete ocupantes.
“Os fragmentos são muito pequenos que foram encontrados devido a essa velocidade altíssima no instante do impacto”, diz Julio Meneghini, professor de Engenharia Aeronáutica da Poli / USP.
Nesta semana, surgiu a primeira imagem da queda. O professor titular da USP analisou o vídeo quadro a quadro.
“Nós conseguimos estimar essa distância vertical do instante em que ele apareceu na imagem até onde ele começou a desaparecer”, diz Julio Meneghini.
Tendo como referência o prédio que aparece na imagem, ele estimou em cerca de 30 graus o ângulo em que o avião veio caindo. Em três décimos de segundo, o Cessna desaparece atrás do prédio. Velocidade: cerca de 400 km/h.
“A velocidade vertical descendente era muito alta e o avião estava seguindo uma trajetória de mergulho, ele não estava em uma condição normal de voo”, afirma o professor.
O que aconteceu na cabine de comando nos últimos instantes do voo?
Um simulador pode chegar bem perto da realidade. E o Fantástico encontrou uma dessas máquinas nos arredores de Viena, na Áustria, Europa Central.
O simulador tem vários amortecedores, de controle muito fino, e que produzem movimentos realistas. Praticamente como se a gente tivesse voando de verdade. Vamos decolar sem sair do chão.
A cabine tem umas pequenas diferenças em relação ao avião acidentado, mas os princípios são os mesmos e o avião que está sendo simulado é o mesmo também. A gente vai para cabine para ter as sensações mais realistas possíveis do que aconteceu naquele dia.
Quem nos conduz é Horst Rockmann, o instrutor-chefe da Academia de Aviação da Áustria.
Sentado atrás de nós, o operador Christian Teller programa o simulador.
"Agora a gente tem as mesmas condições de visibilidade que os pilotos tinham em Santos. Nuvens baixas, chuva moderada”, diz o comandante.
É como se estivéssemos atravessando as nuvens de verdade. Os movimentos são precisos. O aparelho simula a visibilidade que existia na hora da tentativa de pouso em Santos. A pista que é mostrada não é exatamente a pista de Santos, é uma pista genérica. Mas as condições estão muito bem reproduzidas.
O comandante Rockmann faz uma primeira comparação: como seria a base de Santos se ela tivesse luzes de aproximação, como as dos grandes aeroportos.
"A pista em si não dá para ver, mas dá para perceber as luzes de aproximação“, diz Horst Rockmann.
Só que a situação naquela manhã de 13 de agosto era diferente. Não existia essa iluminação. Quer dizer, a pista praticamente desaparece. Dá para ver que as luzes de aproximação fazem diferença.
O instrutor-chefe fala de algumas possibilidades para o que aconteceu. Todas têm a ver com a arremetida, quando o piloto provavelmente não enxergou a pista e decidiu fazer uma volta para tentar um novo pouso.
“O piloto e o copiloto podem estar olhando para fora, procurando alguma referência visual. E, como ninguém está atento pro painel, pode ser que eles, sem perceber, subam o nariz e acabem baixando demais a velocidade, justo na hora de fazer a curva, já que estavam arremetendo”, explica o comandante.
Nesse primeiro cenário, logo depois da arremetida, teria acontecido uma perda de sustentação, o chamado estol.
"Este é o alarme de estol. Se você está muito inclinado, ele te avisa que você está virando de forma muito acentuada", destaca o comandante.
Contra essa hipótese, o próprio comandante cita os mecanismos de defesa do avião. "Tem esse alarme que avisa da perda de sustentação, que faz tremer o manche, tem o alarme que avisa se o avião está inclinado demais para fazer a curva, tem também o alerta de que o chão está perto", indica Rockmann.
Então essa hipótese é menos provável? "Essa é a grande pergunta", responde o comandante.
E menciona uma outra possibilidade: que ele reproduz no equipamento com muito realismo. A desorientação espacial.
O Fantástico volta para o meio das nuvens, onde não se vê quase nada. E para a busca por uma pista que não aparece nunca.
Estamos nos aproximando da pista e vamos fazer uma arremetida como o Cessna Citation fez em Santos. A ideia é demonstrar que é possível haver uma desorientação espacial: eles não sabem se estão subindo ou se estão descendo.
O comandante explica que a pista de Santos não tem um esquema sofisticado de orientação, conhecido por ILS. Só sinais de rádio, que não são muito precisos, o chamado sistema NDB.
"O NDB não é tão confortável como o ILS", diz o comandante. "Pode acontecer de, na hora da arremetida, o piloto e o copiloto estarem olhando pela janela tentando achar a pista, sem acompanhar os instrumentos. Para arremeter, é preciso acelerar. E o simples fato de acelerar pode dar a impressão de que o avião está subindo. Mas, pelo contrário, ele vinha descendo", relata Rockmann.
E essa sensação falsa de subida vem só da aceleração? "Vem da aceleração e porque o empuxo na hora que você acelera vem muito rápido", explica.
É uma questão de um ou dois segundos para entender o que acontece. Como os pilotos acham que o avião está indo pra cima, eles empurram o manche, para que a aeronave desça. Só que ela já estava baixando. Esse efeito combinado de descida pode ser fatal.
“Esta é a situação se você acaba entrando na nuvem. Não tem ideia do que acontece lá fora”, explica o comandante. Sofremos uma queda. E termina a demonstração no simulador.
Perguntamos sobre um item do manual de instruções que se refere aos flaps, as partes móveis da asa. Elas não podem ser recolhidas acima de uma determinada velocidade. Porque, se isso acontece, o nariz do avião aponta para baixo. Mas o comandante faz ressalvas.
"Existe um sensor de velocidade, que avisa que a velocidade está alta demais. E, mesmo que o sensor falhe, o avião continua manobrável. Não é que ele fique sem controle e caia. A não ser que haja outros fatores em jogo, como uma tripulação muito cansada, que demora a reagir. Mas normalmente é uma situação controlável", destaca Horst Rockmann.
Ele aponta que não existe mais, na Europa Ocidental, o modo de funcionamento da pista de Santos, em que o único sistema de aproximação é o auxílio por antenas de rádio chamado de NDB.
"É muito raro. Muito raro mesmo. Talvez na Rússia você encontre aeroportos que estão usando o NDB, mas fora isso é muito difícil encontrar”, diz Horst Rockmann.
O instrutor-chefe destaca também que a base aérea de Santos não faz parte do banco de dados do computador do avião, que inclui as principais pistas do mundo, isso quer dizer que procedimentos para o pouso, que poderiam ser feitos automaticamente pela aeronave, têm de ser realizados manualmente pelos tripulantes.
"Neste caso você não tem o sistema otimizado, muito fácil de usar do XLS . Neste caso eles não puderam contar com esse sistema”, destaca o comandante.
Sem a caixa preta de armazenamento de dados, que não existia no avião, e sem os registros da caixa de voz, que não gravou o último voo, resta aos investigadores esmiuçar cada detalhe dos fragmentos que restaram, em busca de uma resposta para o que aconteceu.