A posição do Brasil no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2013, a 79ª, um ponto acima da pesquisa anterior e atrás de países como Argentina e Uruguai, gerou controvérsias. Entre outras reações, alguns tentaram minimizar a importância do desenvolvimento brasileiro e outros reivindicaram posição mais justa. Especialistas consultados pelo Jornal do Brasil debatem a alegação do governo brasileiro de que dados desatualizados teriam embasado a lista, o que não teria sido feito com outros países, e traçam comparações e significados para o IDH 0,744, divulgado nesta quinta-feira (24) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
O Brasil teve um desempenho melhor que a média da América Latina e, no Brics, grupo que reúne as cinco principais economias emergentes do mundo, ficou atrás apenas da Rússia. Das 102 nações que compõem os grupos de Muito Alto e Alto Desenvolvimento Humano, apenas 18 apresentaram melhora em relação ao ano anterior, dentre as quais o Brasil. Deixou a desejar, no entanto, quando comparado com vizinhos como Argentina, Chile, Venezuela e Uruguai - os dois primeiros, inclusive, com grau muito alto de desenvolvimento humano, por terem obtido nota acima de 0,8.
Jose Carlos Milléo de Paula, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), com ênfase em Geografia da População, explica que, na América Latina, o país está em uma posição intermediária se comparada com países como o México, o Chile, a Argentina e a Venezuela, com um "caminho bem longo a percorrer". Uruguai e Argentina, por serem pequenos em extensão, enfrentam menos problemas, mas o México, por sua vez, torna-se um exemplo interessante.
Ele reforça que, justamente, o que faz do ranking do Pnud relevante é a análise de outros dados que não o desempenho econômico dos países, que seria muito insuficiente para verificar o progresso deles. "O Brasil é um dos economicamente mais poderosos, está entre os 10 mais importantes do mundo, mas, sob o ponto de vista de distribuição da riqueza, ainda tem alguns números ruins e outros muito ruins. Países como a Venezuela e a Argentina, economicamente, têm uma expressão menor. No entanto, conseguem de alguma maneira driblar esses problemas para fazer a riqueza chegar às pessoas, não de uma maneira ideal, mas mais aperfeiçoada que a nossa", esclarece.
De acordo com a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, se a pesquisa tivesse utilizado números atualizados e não os antigos, o Brasil teria ficado em 67° e não em 79°. Segundo o governo, para compor o índice, foram usadas informações da Pnad de 2009 e 2010 e de um relatório da OCDE de 2012, mas estavam disponíveis informações mais atualizadas, da PNAD de 2012 e 2013 e dados da OCDE de 2013. A ministra disse ainda que a pesquisa sobre o Brasil tem sido feita com dados desatualizados nos últimos três anos, enquanto que para outros países o programa usou números recentes.
Para Milléo, se os números do Brasil estão realmente defasados, como alegou a ministra, esta tem razão em colocar que deveríamos ocupar uma posição melhor, mas também seria interessante que o governo trabalhasse em formas de disponibilizar seus números de uma maneira mais enfática.
"Ainda que a gente adote esses números que a ministra sugere (67° lugar no ranking), o que também seria importante, já que as estatísticas têm que ser fidedignas, se olharmos para os países vizinhos, na América do Sul ou na América Latina e Caribe, percebemos que há um caminho muito longo ainda a percorrer, em termos de distribuição da riqueza gerada", destacou Milléo, que julga o ranking do Pnud uma ferramenta importante de avaliação das políticas sociais que cada país procura implementar de sua maneira.
Kaizô Iwakami Beltrão, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da FGV, criticou a reivindicação do governo à 67ª posição, alegando que, neste caso, a pesquisa teria que ser toda refeita, considerando que possa ter utilizado dados defasados em relação a outros países também. O que poderia, salienta, até piorar a situação do Brasil.
"Tem mudado pouco, mas o Brasil tem melhorado, está melhor agora do que nos anos 1980, isso já é positivo. E isso foi, principalmente, devido à melhora na educação. O Brasil cresceu mais, apesar de que eu diria que temos ainda alguns problemas, quando consideradas outras variações como índice de desigualdade por gênero", disse Beltrão.
Considerada a série histórica, explica, o índice do Brasil em 1980 era de 0,545, saltando agora para 0,744, mais do que a média da América Latina, que era 0,579 naquela década, acima do Brasil, e agora está abaixo, em 0,740. "Todos esses indicadores (utilizados na pesquisa) vão depender da educação em última instância. População com mais educação tem mais esperança de vida, maior produtividade, maior Produto Interno Bruto. Esse aumento (dos anos de estudo) é super positivo e vai repercutir em algum tempo."
O IDH do Brasil acumulou crescimento de 36,4% entre 1980 e 2013, um aumento anual médio de 0,95% no índice. Nestas três décadas, os brasileiros ganharam 11,2 anos de expectativa de vida, viram a renda aumentar em 55,9% enquanto, na educação, a expectativa de anos de estudo para uma criança que entra para o ensino em idade escolar cresceu 53,5% (5,3 anos) e a média de anos de estudo de adultos com 25 anos ou mais subiu quase 176,9% (4,6 anos).
Sobre o futuro do Brasil no ranking, Beltrão comenta que tudo vai depender do andamento dos outros países. "Pensando como se fosse um jogo de futebol, não adianta só jogar bem, tem que estar melhor do que o outro. No IDH, tem que crescer mais que outro."
Criado em 1980, o IDH mede o desenvolvimento humano por meio de três componentes: expectativa de vida, educação e renda. Em 2013, o Brasil registrou 73,9 anos de expectativa de vida, 7,2 anos de média de estudo, 15,2 anos de expectativa de estudo para as crianças que atualmente entram na escola e renda nacional bruta per capita de US$ 14.275 ajustada pelo poder de compra.
O IDH do Brasil em 2013 subiu 36,4% em relação a 1980. Naquele ano, a expectativa de vida correspondia a 62,7 anos, a média de estudo era de 2,6 anos, a expectativa de estudo somava 9,9 anos, e a renda per capita totalizava US$ 9.154. “O Brasil é um dos países que mais evoluíram no desenvolvimento humano nos últimos 30 anos”, disse o representante residente do Pnud no Brasil, Jorge Chediek. Ele destacou que as mudanças são estruturais e têm ocorrido em todos os governos.
Por causa de mudanças na metodologia, a série histórica do IDH foi revista. Pelo critério anterior, o Brasil tinha ficado em 85º em 2012. Com a mudança de cálculo, o país subiu para a 80ª colocação no ano retrasado.