Mesmo com a ausência dos presidentes de Venezuela, Cuba e Nicarágua, chefes de Estado latino-americanos compõem a maioria dos líderes que confirmaram presença na posse de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto nesta terça-feira, mantendo o padrão das últimas inaugurações de mandato presidencial no país.
A lista de autoridades, porém, deve destoar das anteriores pela presença dos líderes conservadores de Israel e da Hungria, além da fraca presença de mandatários africanos (confira a relação abaixo).
Segundo o Ministério de Relações Exteriores, 12 chefes de Estado afirmaram que participarão da cerimônia de Bolsonaro. O órgão não divulgou todos os nomes, citando questões de segurança.
Na primeira cerimônia posse de Dilma Rousseff, em 2011, houve 21 chefes de Estado; na segunda, 12. Lula recebeu dez chefes de Estado na cerimônia de 2003 e nenhum em 2007.
Líderes de esquerda
Integram o grupo que assistirá à posse de Bolsonaro os presidentes de sete países sul-americanos – incluindo os líderes de esquerda Evo Morales, da Bolívia, e Tabaré Vázquez, do Uruguai.
Os presidentes de Venezuela, Cuba e Nicarágua não foram convidados à cerimônia, segundo o futuro chanceler, Ernesto Araújo, que expôs divergências ideológicas com os três governos e os acusou de ditatoriais pelo Twitter.
Para Geraldo Zaran, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, a presença de grande número de líderes sul-americanos na posse de Bolsonaro e de seus antecessores evidencia a importância do Brasil na região.
Ele afirma que o protagonismo do país também explica a vinda dos líderes da Bolívia e Uruguai, cujos países mantêm fortes laços econômicos com o Brasil e teriam optado por uma postura pragmática, apesar das divergências políticas com Bolsonaro.
O Brasil é o maior importador de produtos bolivianos e uruguaios e mantém fronteira com as duas nações.
Marcos Guedes, professor titular de Ciência Política e Relações Externas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atribuiu a presença dos líderes de direita da Hungria e Israel a motivos ideológicos e econômicos.
"Imagino que Israel vê na aproximação com o governo brasileiro uma oportunidade para criar vínculos comerciais", afirma.
A relação também interessa a Bolsonaro, que com o cortejo a Netanyahu acena a ao eleitorado evangélico brasileiro, simpático a Israel.
No fim de semana, o premiê disse que o presidente eleito assegurou que mudará a embaixada do Brasil em seu país de Tel Aviv para Jerusalém.
A troca brasileira representaria um reconhecimento da cidade como capital de Israel, o que pode provocar não apenas atritos com palestinos e países árabes, mas também reações da comunidade internacional, cuja posição é de que o status de Jerusalém deve ser decidido em negociações de paz entre israelenses e palestinos. Até agora, apenas EUA e Guatemala tomaram medida semelhante.
A vinda do líder húngaro, por sua vez, sinalizaria a busca por uma aliança política e econômica com o Brasil, segundo Guedes.
"A Hungria e outros membros da nova direita europeia têm se sentido constrangidos pela União Europeia por defenderem políticas que vão de encontro às europeias", afirma. "A aproximação com o Brasil pode ser um canal de escape."
Política externa para a África
Guedes destaca ainda a ausência, por ora, de confirmações entre líderes africanos – diferença significativa em relação às posses anteriores.
Quatro chefes de Estado africanos estiveram na primeira posse de Dilma Rousseff em 2011, e três participaram da segunda, em 2014.
Segundo o professor, as visitas refletiam a importância que a política externa petista dava à África, destino de investimentos brasileiros e vista como um baú de votos em organizações internacionais.
Com Bolsonaro, porém, o continente deve passar a ser encarado apenas segundo seu potencial econômico, afirma o analista.
Confira a lista de chefes de Estado que devem vir à posse nesta terça:
Argentina: Mauricio Macri
No posto desde 2015, o presidente e ex-empresário se elegeu com uma coalizão de partidos de direita e promoveu uma série de reformas fiscais no cargo. Hoje enfrenta uma crise econômica, com forte desvalorização do peso e alta inflação.
Bolívia: Evo Morales
Presidente desde 2006, o ex-líder sindical será um dos poucos líderes de esquerda na cerimônia. Em seu governo, a Bolívia cresceu em média 5% ao ano – maior índice da América do Sul. Ele conseguiu permissão da Justiça para concorrer a um quarto mandato em 2019, mesmo após um referendo realizado em 2016 ter rejeitado a possibilidade de uma nova reeleição.
Chile: Sebastián Piñera
Desde 2018, preside o país pela segunda vez, apoiado por uma coalizão de partidos de direita. Construiu uma fortuna como empresário e investidor, tendo participações em uma TV, um time de futebol e uma companhia aérea.
Colômbia: Iván Duque Márquez
Assumiu a Presidência em agosto como principal candidato da direita colombiana. Advogado, é afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe. Elegeu-se prometendo rever o acordo de paz assinado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2016.
Hungria: Viktor Orbán
Primeiro-ministro desde 2010 e reeleito neste ano, é lider de um partido nacionalista e conservador. Considerado xenóbo e racista por críticos, defende barrar a entrada de muçulmanos na Hungria e na Europa.
Israel: Benjamin Netanyahu
Primeiro-ministro desde 2009, é líder do partido conservador Likud. É investigado por suspeitas de corrupção e tem perdido apoiadores no Parlamento, o que o fez antecipar a próxima eleição para abril. Adota linha dura no conflito com os palestinos.
Paraguai: Mario Abdo Benítez
Eleito em 2018 pelo conservador Partido Colorado, que governou o Paraguai na maior parte de sua história. É empresário, fez faculdade de Marketing nos EUA e foi paraquedista militar antes de entrar na política.
Peru: Martín Vizcarra
Vice-presidente na chapa eleita em 2016, assumiu o governo após a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski (PPK), em meio a um escândalo de corrupção envolvendo a construtora brasileira Odebrecht. Engenheiro, integra um partido conservador e liberal.
Uruguai: Tabaré Vázquez
Desde 2015, governa o país pela segunda vez. Médico, é um dos líderes da coalizão esquerdista Frente Ampla, também integrada pelo ex-presidente José Pepe Mujica e que está no poder desde 2005.
Outras autoridades confirmadas
Mike Pompeo, secretário de Estado dos Estados Unidos, Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, Ji Bingxuan, vice-presidente do Comitê Permanente da Assembleia Popular (Parlamento chinês).
Países com chefes de Estado presentes em posses presidenciais anteriores
Dilma Rousseff, 2014: Guiné Equatorial, Uruguai, Bolívia, Países Baixos, Paraguai, Venezuela, Chile, Costa Rica, Suécia, Marrocos, Gana e Guiné-Bissau.
Dilma Rousseff, 2011: Chile, Colômbia, Costa Rica, Curaçao, El Salvador, Guatemala, Jamaica, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela, Guiné, Guiné-Bissau, Marrocos, Senegal, Coreia do Sul, Palestina, Catar, Bulgária, Portugal.
Luiz Inácio Lula da Silva, 2007: nenhum chefe de Estado foi convidado.
Luiz Inácio Lula da Silva, 2003: Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru, Portugal, Venezuela, Cuba, Suécia, Belize, Guiana.