Henry Castro não comete infração de trânsito. Ao entrar no carro, o promotor de Justiça de 35 anos verifica se todos os passageiros estão com cinto de segurança, inclusive os do banco de trás. Não faz retorno em local proibido. Na direção, só atende ao celular em um caso: quando a mulher é quem chama. "Eu preciso cuidar dela, uai!". O potiguar se sente em casa em Minas Gerais, onde vive há nove anos. Henry é um perna-de-pau com a bola nos pés, desde os tempos do recreio nas escolas de Natal. Já nos campos da Justiça, o aluno, sempre número 1 da turma, acumula vitórias. A mais notória delas foi conquistada no caso sobre a morte de Eliza Samudio. Um dia depois do júri que sentenciou o goleiro Bruno Fernandes a 22 anos e três meses de prisão, o promotor exibia satisfação com a condenação. Para Henry, o resultado é mais um elemento relevante para condenar Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, como executor de Eliza, no julgamento que começará em 22 de abril. Ele acredita que um dos grandes mistérios desse caso, no entanto, jamais será desvendado: "Não tem corpo para entregar. Ele foi destruído. Eu me surpreenderia enormemente se houvesse um corpo a ser entregue". Nos últimos meses, dedicou-se a destrinchar as 17.000 páginas do processo de maior repercussão da sua curta e prodigiosa carreira. Ainda assim, encontrou tempo para fazer aulas de tênis, estudar italiano e francês e cultivar seu apreço pela astrologia e a numerologia. Na tarde desta sexta-feira, Henry Castro falou com exclusividade ao site de VEJA:
Como a condenação do Bruno pode servir de exemplo para a sociedade?
Pedagogicamente, a condenação do Bruno demonstra que alguém que alcança projeção e acesso a bens não está blindado perante a Justiça. Bruno manipulou todos os recursos humanos e financeiros não só para a execução do crime, como também para se blindar. Mas essas blindagens costumam ser frágeis e passíveis de fissuras. Dinheiro, influência e poder não asseguram que o estado e a sociedade transijam com o crime. Dinheiro não garante a irresponsabilidade de ninguém. Por isso, a condenação do ex-goleiro foi um exemplo para os jogadores, para a rapaziada toda do futebol.
Mas com dinheiro é possível contratar os melhores advogados.
A contratação de bons advogados não é e nem deveria ser um facilitador para um criminoso. Neste caso, não foi. Não foi relevante a contratação de profissionais caros e o manejo de testemunhas mentirosas. Nem mesmo a torcida que a sociedade tinha, mais ou menos velada, para que o Bruno fosse inocente.
O senhor acha que as pessoas torciam pelo ídolo Bruno?
A sociedade torcia pela sua inocência, e não pela sua absolvição. São coisas bem diferentes. As pessoas queriam que ele fosse inocente, afinal, era uma história escabrosa protagonizada por um ídolo que saiu da miséria para o estrelato esportivo. Seria mais confortável para o inconsciente coletivo a história do Macarrão ciumento, talvez homossexual, que queria eliminar um incômodo ou uma rival.
Quando a sociedade parou de torcer por ele?
Quando o Macarrão falou. Ali começou a haver uma inversão dessa torcida. Comecei a perceber isso nas ruas, mas principalmente nos comentários que as pessoas publicam nas matérias da internet. Leio os comentários todos. Porque ali é coisa de cidadão, de jurado em potencial. Ele é meu jurado de amanhã e peguei muitas dicas ali. Uma coisa é o comentário do jornalista, outra é o cidadão que está opinando ali. O júri é popular, coisa que a defesa esquece.
Só neste momento?
E agora, quando o Bruno falou. Ele não disse que mandou, nem que pediu. Mas quando falou que imaginava, que sabia, que aceitou e beneficiou-se, acabou de uma vez por todas. Sepultou qualquer empatia entre ele e a sociedade. Claro que tem os cegos, mas no geral, agora, a empatia está rompida em definitivo.
Ele esteve confuso e, segundo o senhor, mentiu em determinados momentos do interrogatório. Qual foi a pior das frases dele?
Para mim, quando ele admitiu que aceitou. É pior do que falar que se beneficiou, já que qualquer pessoa pode beneficiar-se sem aceitar aquele fato.
O Bruno foi condenado a 22 anos e três meses. Por causa da progressão de regime, deve ir para a rua em 2017. Nas redes sociais, as pessoas têm falado que a pena foi baixa. O senhor concorda?
Exatamente. A frustração está conectada diretamente. Partiu-se da torcida pela inocência para o inconformismo com a pena. Não foi uma pena, foi uma pluma, uma penugem. Segunda-feira, inclusive, vou apresentar o recurso. A pena deveria tangenciar trinta anos. É extremamente razoável a frustração da população.
O senhor acha que o Bruno queria matar o próprio filho?
Entendo que sim. Mas o Bola não quis. Temos que entender que o Bola é psicopata, mas o Bruno é perverso. Existe uma diferença entre eles. O psicopata é consciente nas consequências dos seus atos. Ele é mais requintado, mais elaborado, deixa menos rabo para trás. É o Bola! O perverso é ejaculatório, descontrolado, sabe? Ele sai fazendo porque ele dita, mas é também um trapalhão inconsequente. O perverso é uma força da natureza. Ele quer, ele é desejo. É o Bruno, a bruta flor do querer, como na música do Caetano Veloso.
Por isso nunca foi encontrado o corpo?
Exatamente. O psicopata tem rito, e o Bola é um psicopata.
Quem planejou tudo?
O Bruno desejou e deu comando, tipo 'faça-se a luz'. E quem planejou mesmo foi o Macarrão e o Zezé (José Lauriano de Assis Filho, policial civil aposentado). O Bola executou.
E quando o senhor vai denunciar o Zezé?
Não vou falar sobre isso ainda. O fato é que não existe mandado de prisão algum.
Os dois pilares da defesa do Bola, que será julgado no próximo dia 22 de abril, são, primeiro, o de não existir corpo. Em segundo, o de não ter sido encontrado sangue dentro da casa dele em Vespasiano, onde Eliza teria sido morta por asfixia e teve a mão cortada e dada aos cachorros...
Certo. E também não havia sangue nem da carne com a qual normalmente se alimenta um cachorro. Não é interessante? A casa caiu para eles muito antes de a polícia chegar àquele endereço, quando a criança foi resgatada, ou seja, na noite do dia 25 de junho. A polícia só esteve na casa do Bola no dia 7 de julho, e o crime foi praticado em 10 de junho, houve esse hiato de quase um mês. Não se achou sangue nenhum. Absolutamente nenhum.
O depoimento do Bruno é relevante para a condenação do Bola?
Em primeiro lugar, o júri entendeu que o Bruno foi o mandante. E ele afirma que eles contrataram o Bola para matar a Eliza. O Macarrão foi o intermediário. Macarrão que, por sua vez, disse que o homem para quem ele entregou a Eliza é o mesmo que tinha as tais 'conversas sinistras' com o Bruno. Ele diz: 'Ele ligava para o meu celular pedindo para falar com o Bruno'. A condenação do Bruno foi terrível para o Bola. O bom moço dessa história foi condenado.
Mas o Bruno fala que foi o Macarrão quem contratou o Bola.
Quem confessa, confessa sempre ao seu modo, sempre atenuando a própria responsabilidade. E para isso é preciso agravar a responsabilidade do outro. Agora eu tenho o mandante, o Bruno, o intermediário, o Macarrão, e falta o assassino.
Você vai levá-los ao Tribunal do Júri para o julgamento do Bola?
Não tem nenhuma chance de eu dar conversa pra esses caras. São bandidos! Já chega o que eles disseram, não quero saber de mais nada vindo deles. Macarrão, na situação em que está hoje, por qualquer 5.000 reais ele fala o que mandarem.
O senhor conta com a possibilidade de achar o corpo?
Não tem corpo para entregar. Esse corpo foi destruído. Psicopata tem uma metodologia. Ele destruiu os corpos como fez em casos anteriores. Eu me surpreenderia enormemente se houvesse um corpo a ser entregue.
Então o senhor acha que não será possível o sepultamento que a mãe de Eliza quer?
Infelizmente, não.
Houve algum acordo para beneficiar o Macarrão e a Dayanne, que acabou absolvida?
Não houve. A Dayanne foi presa, denunciada e processada por responsabilidade, ou irresponsabilidade dela e do ex-marido dela, que se blindaram com mentiras. Provavelmente não teria ficado quatro meses presa se tivesse dito a verdade desde o início. Se falasse que fez constrangida pelo Zezé lá atrás...Mas ela colheu o fruto da mentira dela.
Mas o senhor acredita na absolvição dela?
Acredito. Pedi a absolvição e foi dada da maneira que eu pedi. A autoria do sequestro foi reconhecida. Foi perguntado se a criança Bruno Samudio foi sequestrada. Sim! A ré Dayanne concorreu para este crime? Sim. Aí depois o jurado absolve a ré, no quesito que pedi.
E com Macarrão, houve acordo?
O Macarrão fez uma confissão parcial e a doutora sobrevalorizou a confissão dele, reduzindo em oito anos a pena, sim. Mas não recorri (12 anos por homicídio triplamente qualificado) por uma questão estratégica, que todo mundo descobriu semanas depois. Para eu pedir o registro de óbito de Eliza, tinha que ter a condenação do Macarrão transitada em julgado. Não foi acordo. Foi estratégia de atuação no processo para ter o atestado de óbito de que ela foi morta na Rua Araruama, 173, bairro Santa Clara, Vespasiano. O atestado diz que ela morreu por asfixia na casa do Bola! É o endereço da morte, baseado na decisão do júri. E agora o júri do Bruno reconheceu de novo.
E como ficou a situação do Bola?
(Garagalhadas). Isso veremos dia 22 de abril...
No Tribunal de Júri há algumas trocas de ofensas entre acusação e defesa. O senhor guarda alguma coisa pessoal?
Nunca. Não me incomodo, porque eu sou atacado, mas bato também. Não faço ataques pessoais. Se chamo de mentiroso, mostro a mentira.
Chamar o Lúcio Adolfo (advogado de Bruno, baixinho e gordinho) de tamborete de forró é um pouco pessoal.
Ele ficou magoado, né? (risos) Tamborete é o apoio que serve para o cara que toca o triângulo ou a sanfona num forró. Que fica dando o equilíbrio do pé de quem está tocando, em cima.
E o apoio é para quem? Para o Ércio (Quaresma, advogado do ex-policial Bola)?
Eles se traíram (Henry Castro gargalha).
O Bruno chorou durante o depoimento, mas não chorou na sentença. O senhor acreditou nas lágrimas dele?
Foi falso. Foram lágrimas de crocodilo. Ele tentou se fazer de coitado para comover o júri. Na leitura da sentença, já sabendo que o jogo estava perdido, Bruno resgatou sua postura pedante e sequer fingiu um novo choro.
O senhor foi muito elogiado pela sua sustentação oral, com frases de efeito. O senhor tinha um roteiro preparado?
Não. Todo nordestino é repentista (gargalhadas).