O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, votou nesta quarta-feira (16) contra a proibição de empresas doarem para campanhas eleitorais, durante julgamento de ação que visa acabar com o financiamento político por pessoas jurídicas.
Após o voto de Gilmar Mendes, que durou mais de quatro horas, a sessão foi encerrada, e o julgamento do caso será retomado nesta quinta-feira (17). Com o voto de Mendes, são dois os ministros do STF contrários à proibição. Seis votaram a favor somente de doações por pessoas físicas e contra a doação por empresas. A decisão final do tribunal será proclamada somente após os votos dos ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Embora já exista maioria contra a doação por empresas, até o término do julgamento, qualquer ministro pode mudar de posição, ainda que já tenha votado.
O voto de Gilmar Mendes foi proferido um ano e cinco meses após o próprio ministro ter interrompido sua análise com um pedido de vista (mais tempo para estudar o processo). Em diversas manifestações, ele afirmou que o assunto deveria ser analisado primeiramente pelo Legislativo.
Em seu voto, Mendes afirmou que a medida "asfixiaria os partidos que não se beneficiaram do esquema criminoso revelado pela Operação Lava Jato, tornando virtualmente impossível a alternância de poder".
Durante sua manifestação, o ministro argumentou que são as doações privadas que têm viabilizado uma efetiva competição eleitoral no país, já que, para ele, o PT não precisaria mais das contribuições, por, segundo disse, é financiado a partir de desvio de dinheiro público. Reiteradas vezes, o PT afirmou que todas as doações que recebe são legais e declaradas à Justiça Eleitoral.
"A Operação Lava Jato revelou ao país que o partido do poder já independe de doações eleitorais, uma vez que arrecadou somas suficientes ao financiamento de campanhas até 2038", disse.
Sem o apoio de empresas, afirmou o ministro, "os partidos de oposição não teriam a menor chance de competir em níveis razoáveis com o partido que ocupa o governo".
Citando dados da própria Petrobras, o ministro chegou a estimar o quanto o PT poderia ter se beneficiado do esquema para abastecer suas campanhas, conforme apontado nas investigações.
"Se tomarmos apenas o reconhecido por desviado no balanço da Petrobras de 2014, R$ 6,2 bilhões, teríamos um desvio ao Partido dos Trabalhadores da ordem dos R$ 2,06 bilhões", disse, levando em conta que o partido ficaria com um terço das propinas pagas, segundo revelaram delatores da Lava Jato.
"Estamos falando do partido que conseguiu se financiar a ponto de chegar ao poder; uma vez no governo, passou a manter esquema permanente de fluxo de verbas públicas para o partido, por meio de propinas e pixulecos de variados matizes; e, após chegar ao poder e a
partir dele abastecer, de modo nunca antes visto na história do país, o caixa do partido, busca-se fechar as portas da competição eleitoral, sufocando os meios de financiamento dos concorrentes", afirmou Gilmar Mendes.
Limite uniforme a pessoas físicas
Em seu voto, Gilmar Mendes também disse que outra medida pedida na ação, de impor um limite uniforme para cada pessoa doar a campanhas levaria à criminalização do processo eleitoral no país, "além ser um convite à prática reiterada de crimes de lavagem de dinheiro".
Neste ponto, ele argumentou que a proibição de doações por empresas não eliminaria o chamado "caixa 2", nome que se dá às contribuições não declaradas. Para Gilmar Mendes, as empresas poderiam doar distribuindo o dinheiro entre várias pessoas físicas, escondendo a origem dos recursos.
"Não é difícil obter os CPFs necessários para lavar os recursos de propina, que retornariam às campanhas como valores lícitos", disse. O ministro afirmou que a prática também dificultaria a fiscalização pela Justiça Eleitoral.
Ao final, Mendes também afirmou que o que o objetivo da ação, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seria "manipular esta Suprema Corte para se aplicar um golpe no processo democrático-eleitoral".
OAB contesta críticas
Ao final da sessão, o secretário-geral da OAB, Cláudio de Souza Pereira Neto, subiu à tribuna para contestar partes do voto do ministro que acusavam a entidade de agir no caso em nome do PT, que defende o fim das doações por empresas.
“A ação foi proposta há cinco anos, o subscritor era o presidente Ophir Cavalcanti, que todos que acompanharam o debate público daquela época sabem que era um crítico ferrenho do governo Lula, um crítico ferrenho do governo Dilma e um crítico ferrenho do PT”, afirmou.
Gilmar Mendes chegou a interromper a manifestação do secretário, dizendo que ele não estava trazendo fatos novos ao julgamento.
O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, manteve a palavra com o representante da OAB. “Vamos garantir a palavra ao advogado. Vossa excelência falou por cinco horas”, disse Lewandowski.
“É porque eu sou ministro da Corte e o advogado é advogado”, rebateu Mendes. “O advogado representa a OAB e merece ter direito à palavra. Quem preside a sessão sou eu ministro”, treplicou Lewandowski a Gilmar Mendes, que, em seguida, deixou a sessão.
Efeitos da decisão
O voto de Gilmar Mendes foi proferido um ano e cinco meses após o próprio ministro ter interrompido sua análise pelo STF com um pedido de vista. Em diversas manifestações, ele afirmou que o assunto deveria ser analisado primeiramente pelo Legislativo.
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou a permissão para que empresas doem a partidos políticos, porém não mais a candidatos, como atualmente. Para valer e virar lei, no entanto, a nova regra depende de sanção da presidente Dilma Rousseff.
O julgamento do STF se dá sobre a lei atual, não sobre a nova que irá nascer com a sanção de Dilma. Em tese, o STF não pode declarar inconstitucional uma lei que ainda não existe.
Mas caso se confirme o entendimento que a nova lei tem regras que contrariam a Constituição, outra ação poderá ser apresentada para derrubá-la, depois que ela for sancionada.
O entendimento do tribunal, de qualquer modo, poderá influenciar a presidente, que tem o poder de vetar o trecho que permite as doações empresariais com base na decisão dos ministros.
Questionado nesta terça sobre a situação, Mendes disse que a decisão do STF prevalecerá. "Se o Supremo manifestar que é inconstitucional, será inconstitucional a doação de empresa e ponto final", afirmou.
Votos
Dos 11 ministros do Supremo, já se manifestaram contra as doações por empresas Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Dias Tofffoli e Luís Roberto Barroso, que votaram em dezembro de 2013, e Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, que proferiram voto em abril do ano passado. Até o fim do julgamento, os ministros ainda poderão mudar o voto.
Além de Gilmar Mendes, votou contra a proibição do financiamento empresarial o ministro Teori Zavascki.
Atualmente, o financiamento de campanha no Brasil é público e privado. Políticos e partidos recebem dinheiro do Fundo Partidário (formado por recursos do Orçamento, multas, penalidades e doações) e de pessoas físicas (até o limite de 10% do rendimento) ou de empresas (limitadas a 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição).