Os caminhos da política são mesmo tortuosos. Afinidades jucundas por vezes se perdem nas curvas. Vagueiam na contramão durante anos a fio. Quando se imagina que tomaram rumos opostos, se reencontram nos arredores do fim do túnel.
Nesta terça (27), a poucos dias de realizar os exames que atestarão se está mesmo livre do tumor que lhe invadiu a laringe, Lula recebeu a visita de Fernando Henrique Cardoso. Reencontraram-se nas dependências do Hospital Sírio Libanês.
A cena hospitalar como que espana a poeira que recobre o passado escondido nos fundões da memória. Açula a lembrança do apoio do sindicalista Lula, em 1978, ao intelectual FHC, às voltas com sua primeira campanha ao Senado.
O suplente de FHC, o advogado Maurício Soares, vinha do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Juntos com Lula, distribuíam panfletos numa Kombi do sindicato. Nas portas de fábrica, o sindicalista apresentava o intelectual à peãozada.
Nessa época, FHC e Lula dividiam conjecturas sobre a constituição de um partido socialista. Chegaram à primeira encruzilhada. Um preferiu alinhar-se à esquerda do velho MDB. O outro foi fundar o PT.
A opção por caminhos diferentes não bloqueou a amizade. Já no ano seguinte, o intelectual voltaria ao território do sindicalista para solidarizar-se com a primeira grande greve dos tempos da ditadura militar.
Preso em 1980, Lula receberia a visita de FHC. No dia do julgamento pelos militares, o intelectual abraçaria o sindicalista no tribunal. Voltariam a posar sob refletores nos comícios pela volta das eleições diretas.
No colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves, separaram-se. Juntaram-se num palanque de segundo turno –Lula X Collor. Achegaram-se novamente nas articulações que levaram ao impeachment de Collor.
A partir daí, tomaram vias paralelas. Trocaram farpas nas duas campanhas presidenciais em que FHC prevaleceu sobre Lula, em 1994 e 1998. A transição de 2002 para 2003, por civilizada, teve a aparência de um novo reencontro. Engano.
Lula pespegou na gestão de FHC o selo de “herança maldita”. Desde então, puseram-se a derrapar nas curvas de uma oratória radioativa, impregnada de expressões tóxicas.
Foi preciso um tumor para reaproximá-los. Ao olhar para Lula, FHC deve ter enxergado um espelho que reflete pedaços de sua própria história. No fundo dos olhos de FHC, Lula talvez tenha avistado uma parceria que a política conspurcou.
Logo estarão, de novo, em campos opostos. Lula a defender Fernando Haddad, o candidato que fabricou em São Paulo. FHC a advogar a causa de José Serra, o candidato que o tucanato escolheu para defender a cidadela de São Paulo da hegemonia do petismo. São mesmo tortuosos os caminhos da política.