O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (11) contra a necessidade de aval do Congresso para a suspensão do mandato de parlamentares pela Corte.
Ele foi o primeiro magistrado a se manifestar no julgamento de uma ação que questiona a possibilidade de afastamento de deputados e senadores e busca definir o procedimento a ser adotado nesses casos. A decisão dependerá de uma maioria de ao menos 6 votos entre os 11 ministros.
Após o voto de Fachin, a presidente do STF, suspendeu a sessão para almoço, que será retomada no período da tarde com os demais votos.
No processo, os partidos PP, PSC e Solidariedade querem que decisões judiciais que determinem o afastamento de parlamentares sejam submetidos em até 24 horas ao Congresso para confirmação ou revisão pela maioria de seus membros.
Em suas manifestações, Câmara, Senado e Advocacia Geral da União (AGU) foram além: querem proibir o STF de afastar parlamentares do mandato, sob o argumento de que eles gozam de “prerrogativas especiais”, por representarem o povo no regime democrático.
O resultado do julgamento terá impacto direto no afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG). A suspensão do mandato já foi determinada pelo STF, mas o Senado quer colocar a decisão em votação no plenário da Casa no próximo dia 17.
Voto
No voto, Fachin disse que sua posição tem por base o princípio da isonomia entre todas as pessoas perante a lei; e também o princípio republicano, que impede tratamento privilegiado às autoridades e permite responsabilizá-las por atos ilícitos.
O ministro explicou que o afastamento do mandato equipara-se à suspensão de função pública permitida pelo Código de Processo Penal (CPP) como medida alternativa à prisão preventiva (decretada antes de um julgamento sobre a culpa de um investigado, em geral para evitar que ele atrapalhe as investigações).
Depois, rebateu o argumento segundo o qual o poder do Congresso de suspender uma ação penal contra um parlamentar também dá ao Legislativo poder de suspender as medidas cautelares, como também são conhecidas as restrições que substituem a prisão preventiva.
“O poder conferido ao Congresso para sustar processos penais [contra parlamentares] em curso são estritos, circunscritos às hipóteses especificamente limitadas na Constituição, pois as medidas cautelares penais não são instrumentais apenas ao processo penal, mas também meios de tutela da fase pré-processual investigativa e da ordem pública”, afirmou.
Fachin lembrou ainda que, em maio do ano passado, o plenário do STF afastou do mandato, por unanimidade, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), posteriormente cassado do mandato e atualmente preso. O ministro disse que a medida se justifica “em situações pontuais e excepcionais”.
O ministro disse também que a única hipótese em que a Constituição permite a revisão de uma decisão do Supremo sobre um parlamentar é em sua prisão em flagrante por crime inafiançável.
"Essa regra não confere nem de longe ao Poder Legislativo o poder de revisar juízos técnicos jurídicos emanados pelo Poder Judiciário. Ao Poder Legislativo, a Constituição outorgou o poder de relaxar a prisão em flagrante, forte no juízo político. Estender essa competência para permitir a revisão de, por parte do Poder Legislativo, das decisões jurisdicionais sobre medidas cautelares penais significa ampliar a imunidade para além dos limites da própria normatividade enredada pela Constituição. É uma ofensa ao postulado republicano e é uma ofensa à independência do Poder Judiciário”, afirmou o ministro no voto.
Posicionamento de órgãos e entidades
Antes de Fachin, os diversos órgãos e entidades envolvidos no julgamento se manifestaram por meio de advogados e representantes.
O primeiro foi o advogado do PP e ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira. Na sustentação, ele disse que a principal função do Ministério Público – de onde partem os pedidos de afastamento de mandato – é defender o regime democrático e, por isso, defendeu a preservação dos mandatos parlamentares.
“E um dos grandes pilares da preservação do estado democrático é a independência e harmonia dos poderes. Quando se quebra essa harmonia, a democracia corre perigo”, afirmou.
O advogado disse que a necessidade de aval do Congresso para suspensão de mandatos não é procedimento em favor da impunidade nem atenta contra a isonomia dos parlamentares em relação aos demais cidadãos.
“O mandato há de ser preservado sempre e permitido sempre o seu exercício, não se podendo afastá-lo como se a função dele fosse a dos comuns mortais. A função dele é pública, mas diferente de todos aqueles que fazem concurso público, porque estão ali em decorrência do mandato popular. Quando faço que um parlamentar seja afastado de suas funções, estou fazendo com o que o povo seja diminuído nas suas escolhas”, disse Junqueira.
Em defesa da Câmara, o deputado Evandro Gussi (PV-SP), defendeu a necessidade de aval da Casa para afastamento em razão da “imunidade formal” dos parlamentares, que evita ingerência de outros poderes sobre o mandato concedido pelo voto popular.
“A história comprova que o mandato parlamentar, por sua intrínseca ligação com o cidadão, sempre foi o garantidor último da liberdade humana. Onde as luzes do Parlamento se pagaram, ali também se apagaram as luzes da liberdade. Foi contra os parlamentares que os regimes ditatoriais dirigiram sua fúria”, afirmou.
O deputado afirmou que a proteção maior sobre os parlamentares não é voltado à pessoa, mas ao próprio mandato.
Representando o Senado, o advogado Hugo Souto Kalil sustentou contra a aplicação de qualquer medida alternativa à prisão contra membros do Congresso. Ele argumentou que a medida não tem previsão na Constituição, cujas normas se sobrepõem às regras do Código de Processo Penal.
“É preciso servir a Constituição e recusar essa interpretação de ponta cabeça que pretende ler a Constituição Federal a partir da lógica do Código de Processo Penal, e não ao contrário”, disse o advogado.
Ele lembrou ainda que, assim como parlamentares, juízes e membros do Ministério Público possuem prerrogativas como foro especial. “O constituinte decidiu estabelecer garantias com o receio da farda. Às vezes, o autoritarismo vem da toga envergada por alguns membros do Ministério Público e de alguns magistrados”, criticou. “Esse Supremo tem tido papel muito importante no sentido de equilibrar a balança entre os Poderes”, concluiu.
Última a falar na tribuna e representando o presidente Michel Temer, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, também argumentou que a Constituição não prevê a possibilidade de medida que “implique restrição do exercício do mandato” de parlamentares. Ela deu como exemplo o recolhimento domiciliar no período noturno, lembrando que muitas atividades legislativas acontecem à noite.
“É possível, suscetível, que um parlamentar sofra medidas outras impostas pelo legislador infraconstitucional? A resposta parece ser extraída exatamente da Constituição e, negativamente, na medida em que não se tem a possibilidade de se impor ao parlamentar uma medida cautelar que implique restrição do exercício do seu mandato”, disse a ministra.
“E algumas medidas cautelares tem exatamente essa força [de restirção], a exemplo da suspensão de função pública, a exemplo recolhimento domiciliar no período noturno do parlamentar e nos dias de folga, sendo certo que muitas das atividades legislativas ocorrem no período noturna, sendo certo, também no dia de folga, o parlamentar não deixa de ser parlamentar”, completou.
Grace Mendonça afirmou ainda que “nem mesmo em período de anormalidade”, em decretação de estado de sítio ou guerra, “um parlamentar deixou de ter ou de merecer a proteção por parte do legislador constituinte”. “É nesse contexto que a AGU, representando o presidente, conclui pelo afastamento de qualquer interpretação que, de algum modo, impõe a incidência do artigo 312 e 319 do Código de Processo Penal aos parlamentares”, finalizou.