Cena de O teorema zero.
Imagem: DivulgaçãoCena de O teorema zero.
Chega a ser curioso que o cineasta Terry Gilliam, único integrante americano da trupe de comediantes britânicos Monty Python, volte a buscar as razões para a existência 30 anos depois do clássico “O sentido da vida”, co-dirigido e estrelado por ele em 1983 e que volta a cartaz em São Paulo também nesta quinta-feira (10).
Mas seu novo filme, “O teorema zero”, tem muito mais a ver com sua expressiva carreira solo do que com o humor escrachado do grupo que o tornou conhecido.
Responsável pelos cultuados “Brazil – O filme” (1985), “Os doze macacos” (1995) e “Medo e delírio em Las Vegas” (1998), Gilliam surpreende como autor visual, muitas vezes exagerado e tendendo a bizarrices, mas sem perder o senso de ritmo ou uma sólida narrativa. Qualidades, enfim, que demonstrou em seu trabalhos no Python “O mundo imaginário do Dr. Parnassus” (2009), e que vem apurando durante as últimas décadas.
Nesta nova empreitada, estrelada por Christoph Waltz (“Bastardos inglórios”) e Matt Damon (uma participação especial, na verdade), ele volta a situar o espectador em um futuro estilizado, de uma modernidade retrô. Embora reflita sobre a tecnologia e a era da Internet nas relações humanas, o ponto máximo de Gilliam aqui é a informação.
Na história, Qohen Leth (Waltz) é um especialista em arquitetura de informação, cujo trabalho incessante é construir e desconstruir as bases em que ela se agrupa, contratado pela figura misteriosa da Administração (Damon). Afogado em algoritmos, é apático, recluso e sua única preocupação é atender a um telefonema que, mais tarde se entende, vai lhe explicar o seu propósito de vida.
Diferentemente dos personagens de seu cotidiano, como o supervisor (David Thewlis) ou a terapeuta (Tilda Swinton), Qohen Leth é reservado e beira à insanidade. Fala em terceira pessoa, usando “nós” em vez de “eu”, quer trabalhar em casa (uma antiga abadia, em mais um dos símbolos que Gilliam deixa pelo caminho) para atender a tal ligação e é avesso a qualquer contato humano.
Por sua exponencial aptidão ao trabalho e seu estilo de vida, a Administração o convoca para um experimento, cujo resultado é responder à última questão: o próprio sentido da vida. Para ajudá-lo na iniciativa, ainda que de forma um tanto invasiva, a Administração envia uma garota de programa (Mélanie Thierry), que faz as vezes do interesse amoroso de Leth, e o próprio filho da Administração, o jovem gênio (Lucas Hedges).
No caminho para encontrar a resposta, o vazio do protagonista funciona como um catalisador das reflexões colocadas por Gilliam, que ele mesmo diz não conseguir responder sobre a vida moderna, a tecnologia e como a inteligência coletiva (no fim, a grande base de dados da Administração) serve a um propósito maior.
Questões compartilhadas pela equipe e elenco (excepcionais), que trabalharam com baixo orçamento e prazo apertado de filmagens (dois meses), em Bucareste (Romênia). Com grande destaque para Christoph Waltz que se despe (literalmente) para seu personagem com muita sobriedade.
Talvez Terry Gilliam não seja um cineasta para grandes massas, por causa de sua liberdade de imaginação e excentricidades, que vão ao limite da maluquice. Mas há qualidades superlativas em seu cinema, que o fazem tão cultuado por buscar, ele mesmo como autor, um sentido de vida.