Escritório de advocacia ligado ao ex-ministro do Planejamento do governo Lula e das Comunicações no primeiro governo Dilma, Paulo Bernardo, recebeu cerca de R$ 7 milhões entre 2010 e 2015 por meio de esquema que desviou cerca de R$ 100 milhões da pasta em fraude no crédito consignado a funcionários públicos, segundo o Ministério Público Federal e a Polícia Federal.
Ele foi preso nesta quinta-feira (23) na Operação Custo Brasil, desdobramento da 18ª fase da Operação Lava Jato, em Brasília.
O valor que foi recebido pelo escritório ligado a Bernardo foi apurado com base em notas fiscais do Grupo Consist, contratado pelo esquema para operacionalizar o crédito consignado a funcionários públicos da União. A Consist é apontada pelo juiz Sérgio Moro, à frente da Operação Lava Jato, que investiga o esquema na Petrobras, por ser responsável pelo pagamento de propina a partidos e políticos.
Do 70% do total do esquema - cerca de R$ 100 milhões no período de 2010 a 2015, Paulo Bernardo teve direito a quantias que variavam de 2% a 9,5%, dependendo de sua função no governo e na manutenção da fraude. O restante do total do esquema - 30% - ficava como pagamento para a Consist pelo serviço.
A quantia percentual de Bernardo era direcionada por meio de escritório de advocacia que prestou serviços de forma "laranja", segundo Andrey Borges de Mendonça, procurador da República que investiga o caso. O escritório ficava em média com 20% do valor total. "Os R$ 7 milhões foi o que se apurou em notas da Consist para o escritório de advocacia. O que apuramos foi que 80% do total repassado ao escritório [cerca de R$ 5,6 milhões] ia para Paulo Bernardo", disse Mendonça.
Além de Bernardo, outros atores tinham direito a porcentagens dentro do pagamento da propina, entre eles Alexandre Romano, que ficava com 20% do total dos 70%. Da parcela de Romano, 80% era destinado ao Partido dos Trabalhadores (PT). O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto é quem decidia as porcentagens que cada um deveria receber, informou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.
Conforme o delegado da PF Rodrigo de Campos Costa, o ex-ministro Paulo Bernardo está sendo acusado de integrar uma organização criminosa e recebia uma porcentagem na atuação desta empresa, para que o acordo ilegal fosse mantido por meio de um escritório de advocacia, que prestava serviços fictícios.
O esquema
Segundo o superintendente da Receita Federal em São Paulo, Fábio Ejchel, de 2010 a 2015, foi cobrada uma parcela mensal dos servidores da União que fazem empréstimos consignados que era direcionada para o pagamento de políticos.
"Estamos falando de centenas de milhares de pagamentos do crédito consignado. E existia [a cobrança] de um pouco mais de R$ 1 para o serviço de gerenciamento e controle, em um custo que era só R$ 0,30. Estes valores eram desviados e aumentavam o custo Brasil", afirmou. "Dezenas de milhares de funcionários públicos foram lesados", salientou.
Até 2009, o sistema de informática apresentava uma falha sobre o limite que o servidor poderia obter sobre o salário - cujo máximo é 30% do salário. Naquele ano, houve a pressão para que houvesse a contratação de uma empresa especializada na área.
"É neste momento, na contratação desta empresa, é que houve a fraude", afirma o delegado da Polícia Federal Rodrigo de Campos Costa. "Contratou se empresa que prestava valor muito maior do que deveria cobrar por aquele serviço", salientou o superintendente da Receita.
Para que a fraude fosse mantida, funcionários do Ministério do Planejamento também recebiam no esquema. Foram identificados os pagamentos a dois empregados do ex-ministro Paulo Bernardo durante a transferência de recursos. Os nomes não foram divulgados. Secretários adjuntos do ministério e um servidor de uma diretoria, que também foi preso, estavam cientes da fraude, segundo o delegado.
"Identificamos a participação de funcionários do Ministério do Planejamento e Gestão do primeiro, segundo e terceiro escalão", explicou o delegado da PF.
"A corrupção é irmã gêmea da sonegação. A atuação conjunta dos órgãos é fundamental", salientou o superintendente da PF, sobre a operação conjunta realizada nesta quinta.
Andrey Borges de Mendonça, procurador da República, informou que há evidências que o ex-ministro da Previdência Carlos Gabas recebeu valores no início e no término do esquema, que perdurou até a Operação Pixuleco, realizada pela PF em agosto de 2015.
Inicialmente, a PF informou que Gabas teria sido alvo de condução coercitiva, que é quando a pessoa é levada a depor. No entanto, o juiz que autorizou o mandado disse que Gabas deveria ser informado pelos policiais que teria o direito de ficar em silêncio e, nesse caso, não seria obrigado a ir para a delegacia prestar depoimento. Como Gabas disse que não falaria com as autoridades, pôde ficar em casa.
"As evidências apontam que dentro do Ministério do Planejamento houve uma organização criminosa que atuou ao longo de 5 anos e desviando valores na ordem de R$ 100 milhões. A estabilidade e a relação entre os envolvidos demonstra que tinha os envolvidos demonstra que tinha os elementos de uma organização criminosa apontando para a prática de vários crimes contra o patrimônio público", afirmou o procurador Mendonça.
Mandados cumpridos
Um mandado de condução coercitiva foi para o jornalista Leonardo Attuch, que administra o blog 'Brasil 247'. Ele já havia aparecido nas investigações da Lava Jato como suspeito de ter recebido dinheiro por serviços não executados.
Há ainda um mandado de prisão preventiva para o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, que, condenado na Lava Jato, está preso desde 2015.
"Ele tinha uma função exponencial no esquema porque ele era responsável por coordenar o recebimento no Partido dos Trabalhadores. As evidências apontam que ele tinha conhecimento de tudo e que era ele que indicava as empresas que deveriam receber os valores e por meio de quais empresas ele deveria receber. Então ele tem uma participação ativa no esquema, tanto que foi decretada a prisão do senhor João Vaccari também", disse o procurador.
Outro ex-tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, também tem mandado de prisão. Ele é marido da ex-ministra do Desenvolvimento Social no governo Dilma, Tereza Campelo.
Valter Correia, secretário de Gestão do prefeito Fernando Haddad, em São Paulo, também foi preso.
Além das prisões relacionadas ao PT, policiais federais foram à sede do partido no centro de São Paulo. Os presos e o material apreendido serão encaminhados à sede da Polícia Federal, na capital paulista.
A PF informou que o objetivo da operação, batizada de Custo Brasil, é apurar o pagamento de propina referente a contratos de prestação de serviços de informática no valor de R$ 100 milhões, entre os anos de 2010 e 2015, a pessoas ligadas a funcionários e agentes públicos ligados ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).
Um mandado de prisão preventiva tem como alvo advogado Guilherme de Salles Gonçalves, que participou da campanha da senadora Gleisi Hoffmann para o Senado, em 2010, e à prefeitura de Curitiba, em 2008. Ele não foi detido porque está no exterior, de acordo com a Polícia Federal.
Ao todo, a operação tem 65 mandados judiciais em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Distrito Federal.
Do total de mandados nesta quinta, 11 são de prisão preventiva, 40 de busca e apreensão e 14 de condução coercitiva, quando a pessoa é levada a prestar depoimento. Um dos mandados de busca foi cumprido na casa de Bernardo e Gleisi, no bairro Água Verde, em Curitiba.
Em nota, a defesa de Paulo Bernardo disse que a prisão é ilegal e que o ex-ministro não teve envolvimento em eventuais irregularidades no Planejamento (veja nota dos advogados no final desta matéria).
De acordo com investigadores, há indícios de que o MPOG direcionou a contratação de uma empresa de prestação de serviços de tecnologia e informática para a gestão do crédito consignado na folha de pagamento de funcionários públicos federais com bancos privados, interessados na concessão de crédito consignado, de acordo com as investigações.
"Segundo apurou-se, 70% dos valores recebidos por essa empresa eram repassados a pessoas ligadas a funcionários públicos ou agentes públicos com influência no MPOG por meio de outros contratos - fictícios ou simulados", diz a PF.
Os crimes investigados na operação são de tráfico de influência, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, com penas de 2 a 12 anos de prisão.
Outros mandados
A PF cumpriu ainda dois mandados em Porto Alegre, um de busca e apreensão e outro de prisão, e também dois mandados de busca e apreensão em Londrina (PR).
No Recife, pelo menos duas pessoas foram presas. Também há três mandados de busca e apreensão na capital pernambucana.
Entre os presos nesta manhã estão Daisson Silva Portanova, advogado no Rio Grande do Sul e Nelson Luiz Oliveira Freitas, ex servidor do Planejamento.
Histórico
Paulo Bernardo e Gleisi haviam sido indiciados pela PF em março por suspeitas de que dinheiro desviado da Petrobras abasteceu em 2010 a campanha ao Senado da parlamentar.
A PF disse na ocasião ter indícios suficientes contra o ex-ministro e a senadora. As conclusões da Polícia Federal foram anexadas ao inquérito 3979, que tramita no Supremo Tribunal Federal , na Operação Lava Jato.
Um dos delatores da Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef, afirmou em sua delação premiada ter recebido determinação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa para entregar R$ 1 milhão para a campanha de Gleisi Hoffman do Paraná.
Isso teria sido feito em um shopping de Curitiba. A quantia teria sido entregue pessoalmente por Yousseff a um homem. Youssef afirmou que Gleisi sabia de todo o esquema. E que Paulo Bernardo pediu um "auxílio" na campanha da mulher.
Depoimentos
Em depoimentos à Polícia Federal em abril do ano passado, a senadora Gleisi Hoffmann e o marido dela e ex-ministro Paulo Bernardo negaram irregularidades na arrecadação para a campanha da petista ao Senado em 2010.
Gleisi e Bernardo negaram, ainda, solicitações de doações ao doleiro Alberto Youssef. À PF, Paulo Bernardo disse que não fez qualquer pedido de "auxílio" a Costa para a campanha de Gleisi.
Questionado sobre as anotações "PB" e "1,0", encontradas na agenda de Paulo Roberto Costa apreendida pela Polícia Federal, o ex-ministro disse não ter conhecimento das anotações.
Em depoimento à Justiça, Costa afirmou que as anotações diziam respeito ao valor de R$ 1 milhão repassados a Paulo Bernardo para a campanha da petista ao Senado.
Em seu depoimento, Gleisi Hoffmann também disse desconhecer as anotações na agenda de Costa. Ela afirmou ainda que o empresário Ernesto Kugler participou de alguns eventos da campanha de 2010, mas que n?o atuou na captação de recursos.
Veja íntegra da nota da defesa de Paulo Bernardo:
"O Ministério do Planejamento se limitou a fazer um acordo de cooperação técnica com associações de entidades bancárias, notadamente a ABBC e SINAPP, não havendo qualquer tipo de contrato público, tampouco dispêndios por parte do órgão público federal. Ainda assim, dentro do Ministério do Planejamento, a responsabilidade pelo acordo de cooperação técnica era da Secretaria de Recursos Humanos e, por não envolver gastos, a questão sequer passou pelo aval do Ministro.
Não bastasse isso, o inquérito instaurado para apurar a questão há quase um ano não contou com qualquer diligência, mesmo tendo o Ministro se colocado à disposição por diversas vezes tanto em juízo como no Ministério Público e Polícia Federal.
A defesa não teve acesso à decisão ainda, mas adianta que a prisão é ilegal, pois não preenche os requisitos autorizadores e assim que conhecermos os fundamentos do decreto prisional tomaremos as medidas cabíveis
NOTA DOS ADVOGADOS"