Em ação judicial em que cobra R$ 13,6 milhões do Santos, o escritório de advocacia Bonassa Bucker, de São Paulo, acusa o clube de adulterar um documento anexado como prova no processo. O Santos nega irregularidades no caso.
Trata-se do contrato assinado em 2015 para que o escritório representasse o Santos nas disputas contra o fundo de investimentos Doyen – uma longa batalha que terminou só em 2017 com um acordo em que o clube se comprometeu a pagar 23,35 milhões de euros (R$ 90 milhões) à empresa que detinha direitos econômicos de atletas como Lucas Lima e Gabigol e que havia financiado a contratação de Leandro Damião por 12 milhões de euros (cerca de R$ 42 milhões à época).
A versão do contrato apresentada pelo Santos à Justiça omite, segundo o Bonassa Bucker, uma cláusula que determina o pagamento do que é chamado de "honorários de sucesso", uma fatia de 10% sobre a possível economia do clube ao final da ação contra o Doyen.
A cobrança é baseada nessa cláusula. A alegação é de que o Santos deixou de pagar R$ 107,9 milhões ao fundo com a celebração do acordo – uma diferença entre os 51,1 milhões de euros (cerca de R$ 198 milhões, na cotação da época) pedidos pelo Doyen e os 23,35 milhões de euros (aproximadamente R$ 90 milhões) que definiram o fim da disputa.
Procurado, o Santos se manifestou através de comunicado. Nele, nega ter feito qualquer alteração no contrato:
- Apesar de o caso correr em segredo de justiça, o Santos faz questão de ressaltar que se houve qualquer adulteração no contrato, ela não foi feita pelo clube - afirma, em nota enviada ao GloboEsporte.com.
Em documentos a que o GloboEsporte.com teve acesso, o escritório afirma que o Santos forjou o contrato para que esse trecho fosse suprimido – a defesa do clube diz que não reconhece a dívida justamente por essa cláusula não constar na via do contrato em poder do Santos.
O clube teria, conforme relatado pelos advogados do escritório, juntado a primeira página do contrato relacionado ao caso do Doyen com a segunda página de outro contrato, este ligado ao fundo de investimentos DIS, em que o Bonassa Bucker também defendeu o Santos.
Os documentos têm estruturas semelhantes, mas, no caso do da Doyen, a cláusula sobre os honorários de sucesso aparece no alto da segunda página (definidos em 10%), enquanto que, no caso DIS, ela consta na primeira página (com honorários definidos em 20%) – a segunda página começa com a cláusula seguinte, que trata sobre o reembolso de despesas do escritório durante o curso da ação.
Dessa forma, o contrato apresentado pelo Santos tem, na primeira página, apenas o objeto do acordo (ações contra o Doyen), na cláusula primeira, e os honorários de pro-labore, estipulados em R$ 400 por hora, limitado a 300 horas, na cláusula segunda, alínea a. A alínea b, onde deveriam constar os honorários de sucesso, não aparece no documento.
A imagem abaixo compara os dois contratos, sendo o primeiro, com grifos em amarelo, o do caso DIS, e o segundo, com grifos em azul, a segunda página do contrato do caso Doyen.
Procurada por telefone e por mensagens de texto, uma das sócias do escritório Bonassa Bucker não retornou os contatos da reportagem.
O Santos responde à acusação no processo. O clube nega que tenha adulterado o contrato deliberadamente e cita "obscuridade" na contratação do escritório durante a gestão anterior, de Modesto Roma Júnior. Diz que os contratos, assinados em 2015, só foram cadastrados no clube no ano seguinte.
O relacionamento com o escritório é um dos tópicos do relatório de uma auditoria realizada no ano passado por uma empresa privada nos contratos do clube. A consultoria aponta falhas nos contratos, todas negadas pelo escritório, que atuou em casos de grande repercussão no Santos, como os processos contra o Doyen, o DIS, o Barcelona, o atacante Neymar e a Sport 10, empresa que licencia a marca de Pelé.
Créditos de Bruno Henrique como garantia
Ainda no ano passado, a Justiça já havia determinado o bloqueio de contas do Santos para o pagamento da dívida. Os valores encontrados, porém, pouco superavam os R$ 3 mil, somados.
Por conta disso, o escritório pediu que o Banco Central bloqueasse qualquer valor recebido pelo Santos de entidades do exterior – de olho, principalmente, no acordo com o Real Madrid pela venda de Rodrygo, no ano passado, por 45 milhões de euros (R$ 190 milhões). O pedido foi atendido em janeiro.
A primeira parcela, de 20 milhões de euros (R$ 84,5 milhões), já foi paga pelos espanhóis, em julho de 2018. Em julho deste ano, quando o Rodrygo se transferir para a Europa, será paga a parcela restante de 25 milhões de euros.
A decisão em vigor, porém, causou problemas ao Santos. Com pouco dinheiro, o clube acertou um empréstimo com uma instituição estrangeira no começo desta temporada para adiantar esse valor – um total de R$ 82 milhões. Que, se enviado ao Brasil, poderá ter os R$ 13,6 milhões bloqueados.
Para tentar desenrolar esse nó, o Santos sugeriu a penhora da Vila Belmiro, já rejeitada pelo escritório, e também os créditos que tem a receber pela venda de Bruno Henrique ao Flamengo.
O acordo com os cariocas foi fechado há cerca de um mês por R$ 23 milhões. O Santos já recebeu R$ 8 milhões no dia 21 de janeiro, mas ainda restam duas parcelas: R$ 4 milhões, previstos para 21 de julho, e R$ 11 milhões, com vencimento para 21 de janeiro de 2020.
A Justiça ainda não se manifestou sobre essa opção.