A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma denúncia formal contra Jair Bolsonaro e um grupo de aliados por tentativa de golpe de Estado em 2022.
O documento aponta que o ex-presidente liderou uma organização criminosa que praticou atos nocivos contra a democracia e tinha um "projeto autoritário de poder".
Se a denúncia for aceita, Bolsonaro se tornará réu e responderá a um processo penal no STF, podendo ser condenado pelos crimes descritos na acusação.
Dentre os principais pontos da denúncia da PGR estão:
Bolsonaro e o núcleo do golpe
A PGR identificou que a tentativa de golpe foi conduzida por um núcleo central dentro da organização criminosa. Entre os principais nomes envolvidos, além de Bolsonaro, estão:
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e deputado federal
Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional
Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército
Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
Segundo a denúncia, "deles partiram as principais decisões e ações de impacto social", sendo Mauro Cid o responsável por "transmitir orientações aos demais membros do grupo".
Crimes atribuídos a Bolsonaro e seus aliados
A PGR denunciou Bolsonaro e os demais integrantes da organização criminosa pelos seguintes crimes:
Liderança de organização criminosa armada
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Golpe de Estado
Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União
Deterioração de patrimônio tombado
Discurso golpista desde 2021
De acordo com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, Bolsonaro adotou um tom de ruptura com a democracia desde 2021, ao atacar instituições e questionar o sistema eleitoral.
"A partir de 2021, o Presidente da República adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional nos seus repetidos pronunciamentos públicos, nos quais expressava descontentamento com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor", destacou Gonet.
Essa escalada autoritária ganhou mais força após a anulação das condenações do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, tornando possível sua candidatura e, posteriormente, sua vitória nas eleições de 2022.
Decreto golpista e pressão sobre os militares
A denúncia aponta que Bolsonaro editou a versão final do decreto golpista, apresentado em 14 de dezembro de 2022 pelo general Paulo Sérgio Nogueira aos comandantes das três Forças Armadas. O documento previa:
Decretação do Estado de Defesa, que daria a Bolsonaro poderes extraordinários
Criação da "Comissão de Regularidade Eleitoral", um órgão que revisaria o resultado das eleições
O objetivo da reunião foi pressionar os militares a aderirem à insurreição e garantirem suporte armado para impedir a posse de Lula. O general Freire Gomes, então comandante do Exército, confirmou à PGR que a minuta apresentada era ainda mais abrangente do que a versão inicial de Bolsonaro.
"A reunião tinha o intuito de pressionar novamente os militares a aderirem à insurreição, garantindo, assim, o suporte armado para as medidas de exceção que deveriam ser adotadas", destacou a PGR.
A minuta do decreto golpista foi encontrada na residência do ex-ministro Anderson Torres.
Operação 'Copa 2022' e monitoramento de Alexandre de Moraes
A delação de Mauro Cid revelou que Bolsonaro ordenou diretamente o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes. A espionagem fazia parte da Operação "Copa 2022", que tinha como objetivo a "neutralização" do magistrado.
Inicialmente, as ordens partiram de Rafael Martins de Oliveira e Hélio Ferreira Lima, denunciados como articuladores da operação. O ex-assessor presidencial Marcelo Câmara foi apontado como um dos responsáveis por executar as ações.
"O monitoramento então foi solicitado pelo colaborador ao Coronel Marcelo Câmara, que era quem realizava essas operações", afirmou Cid.
A PGR destaca que a ordem de monitoramento foi reforçada às vésperas do Natal de 2022:
"Quem solicitou o monitoramento do Ministro Alexandre de Moraes foi o ex-Presidente Jair Bolsonaro", diz a denúncia.
Acampamentos golpistas e tentativa de golpe no 8 de janeiro
Segundo a PGR, Bolsonaro e seus aliados deliberadamente incentivaram os acampamentos em frente aos quartéis militares, para tentar provocar uma ação das Forças Armadas em favor do golpe.
"O então Presidente sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe", disse Mauro Cid em delação.
O general Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro, mantinha contato direto com os manifestantes nos acampamentos e reforçava a narrativa golpista. O mesmo ocorreu com o general Mário Fernandes, que chegou a visitar pessoalmente os acampamentos em novembro de 2022.
Os ataques de 8 de janeiro de 2023, com a invasão das sedes dos Três Poderes, foram resultado direto dessa articulação, segundo a PGR.
Plano para matar Lula e Moraes
A denúncia também afirma que Bolsonaro sabia e concordou com um plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Alexandre de Moraes. O plano foi denominado "Punhal Verde Amarelo" e previa:
Execução de Moraes e envenenamento de Lula
Controle total dos Três Poderes após a eliminação de opositores
Criação de um gabinete para organizar a nova ordem golpista
A PGR revelou um áudio de um assessor de Bolsonaro confirmando que o ex-presidente sabia do plano e esperava que fosse executado até 31 de dezembro de 2022.
"O áudio não deixa dúvidas de que a ação violenta era conhecida e autorizada por Jair Messias Bolsonaro", afirmou Gonet.
Além disso, mensagens trocadas por um grupo de WhatsApp chamado "Acompanhamento" confirmam que a reunião no Palácio do Planalto foi para planejar a execução do golpe.
Relatório sobre urnas
Segundo a delação de Mauro Cid, que é citada na denúncia, o ex-presidente Jair Bolsonaro interferiu diretamente na redação do relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas, determinando que sua conclusão fosse alterada para alimentar dúvidas sobre o sistema eleitoral.
De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Bolsonaro pressionou o Ministério da Defesa para modificar o documento e evitar que ele reafirmasse a inexistência de fraudes nas eleições de 2022.
De acordo com Cid, a versão inicial do relatório não apontava qualquer irregularidade no sistema eleitoral, o que contrariava o discurso bolsonarista de desconfiança nas urnas. No entanto, por ordem do ex-presidente, o texto foi ajustado para sugerir a possibilidade de que fraudes pudessem ocorrer, mesmo sem qualquer prova que sustentasse essa tese. A denúncia destaca que essa interferência foi parte de uma estratégia maior para desestabilizar a democracia.
O relatório manipulado foi amplamente explorado por aliados de Bolsonaro para mobilizar sua base e justificar a necessidade de uma intervenção militar. Essa narrativa foi crucial para manter os acampamentos em frente aos quartéis após a derrota eleitoral, além de fortalecer a tentativa de invalidar o resultado das urnas. Segundo a PGR, a disseminação dessas informações falsas foi essencial para alimentar o movimento golpista.
'Sangue nos olhos'
De acordo com o documento, Bolsonaro manteve interlocução com apoiadores, estimulou manifestações em frente a quartéis e buscou alimentar um clima de instabilidade para justificar uma intervenção militar.
Segundo a PGR, Mário Fernandes, então chefe substituto da Secretaria-Geral da Presidência, atuava como elo entre o governo Bolsonaro e os grupos que pediam a intervenção militar.
Fotos encontradas no celular de Fernandes confirmam sua presença em acampamentos montados no Quartel-General do Exército em Brasília, onde esteve pelo menos quatro vezes. Além disso, os investigadores apontam um “estreito vínculo” entre Fernandes e as principais lideranças dos atos antidemocráticos.
A denúncia também inclui mensagens enviadas ao ex-presidente pelo major-brigadeiro Maurício Pazini Brandão, indicando que os apoiadores aguardavam um sinal para agir. Em uma das mensagens, Brandão escreveu:
“A ‘minha tropa’ (hehehehe) continua com ‘sangue nos olhos’. [...] Conversa hoje com o Amir. Desmobilizamos a tropa ou permanecemos em alerta?”. O texto reforça que o plano golpista contava com apoio e articulação entre setores militares e civis.
Além disso, Mauro Cid afirmou em sua delação que Bolsonaro incentivava os acampamentos em frente aos quartéis para manter viva a expectativa de um golpe militar. Segundo Cid, Bolsonaro “sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe”. Esse teria sido um dos motivos pelos quais o então presidente nunca ordenou a desmobilização dos manifestantes, mesmo após o fim das eleições.
A PGR conclui que a permanência dos acampamentos foi deliberada e que os comandantes das Três Forças chegaram a assinar uma nota autorizando a continuidade das manifestações por ordem de Bolsonaro. O documento descreve os eventos de 8 de janeiro como o resultado de uma longa construção da organização criminosa, que desde 2021 propagava a falsa narrativa de que o sistema eletrônico de votação havia sido manipulado para prejudicar o ex-presidente.
Próximos passos
Agora, cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir se aceita a denúncia da PGR. Caso isso ocorra:
Bolsonaro e os demais denunciados se tornarão réus
Será aberta uma ação penal com coleta de provas, depoimentos de testemunhas e defesa dos acusados
Ao final do julgamento, o STF poderá condená-los ou absolvê-los
Além disso, a defesa dos réus poderá apresentar recursos dentro do próprio tribunal.