oso e Lula durante a posse do novo presidente do Supremo — Foto: Brenno Carvalho
Até outro dia tidos como adversários no Supremo Tribunal Federal, o novo presidente Luís Roberto Barroso e o decano Gilmar Mendes trocaram amabilidades na solenidade de posse do primeiro, que teve vários símbolos e recados, a começar por esse encontro. Gilmar, que já ouviu do colega que era uma "pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso, com pitadas de psicopatia", teceu loas à carreira do novo presidente da Corte, que se emocionou e disse que guardaria suas palavras elogiosas no coração.
Mas não foram por acaso nem passaram despercebidas as duas menções de Gilmar ao "engajamento" de Barroso, ao fazer menção à sua carreira acadêmica. Não há gratuidade alguma na escolha dessa palavra. Ser um ministro "engajado" sempre foi uma crítica feita a Barroso, autor de algumas soluções reputadas mais como políticas que como jurídicas, como a de declarar inconstitucionais as doações privadas de campanhas eleitorais e propor a revisão dos critérios de foro privilegiado, além de ser autor de teses progressistas nos tempos em que advogava junto ao STF.
Gilmar parecia conhecer previamente o discurso de posse de Barroso, que teve um tom para lá de engajado. Ao lado de Lula, o novo presidente do STF defendeu maior presença de mulheres e pessoas negras em tribunais, reafirmou o direito dos povos indígenas a "ao menos uma parte" de suas terras originárias e reafirmou a constitucionalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, entre outras teses progressistas que defendeu.
Não por acaso, o Congresso acaba de aprovar um projeto de lei que estabelece, em desacordo com o que o Supremo acaba de decidir, a promulgação da Constituição de 1988 como marco temporal para a demarcação de terras indígenas e está discutindo um projeto que proíbe o reconhecimento da união homoafetiva. Barroso chegou a dizer que as teses que propugna não são progressistas, mas civilizatórias, como numa vacina prévia às críticas que provavelmente sabe que seu discurso suscitará.
Mas ele foi um prenúncio do que se espera de sua presidência. O ministro não se furtou, inclusive, a dizer que o STF tem de ser técnico e imparcial, "mas não isolado da sociedade", ao defender que a corte tem de estar de ouvidos e olhos abertos às necessidades da mesma.
Praticamente arriscou um "programa de governo", ao elencar prioridades como combate à pobreza e à desigualdade, temas mais afeitos a decisões do Executivo e do Legislativo, e sobre os quais o Judiciário só pode se manifestar quando provocado.
Diante da plataforma de gestão que esboçou para os próximos dois anos, embates como os que estão postos entre Judiciário e Legislativo tendem a se intensificar, e não a arrefecer. De cara, ele terá a missão de tentar contornar o impasse no tema do marco temporal, e, para isso, deve se valer do expediente que usou em defesa das urnas eletrônicas quando presidiu o TSE: falar, falar e falar, numa clara mudança de estilo em relação à antecessora, Rosa Weber, certamente a mais discreta ministra que já teve assento no Supremo.
Em defesa das urnas Barroso abriu acesso ao TSE a entidades e instituições -- e foi até criticado por fazê-lo também para as Forças Armadas --, participou de audiências públicas no Congresso e montou um dispositivo no site da Justiça Eleitoral para desmentir no ato as fake news bolsonaristas sobre vulnerabilidade das urnas.
Como essas ações podem se replicar em casos como o marco temporal e a união homoafetiva? Barroso não deverá se furtar ao debate com a Câmara e o Senado, inclusive para tentar evitar que a questão tenha de se definir com o STF usando sua prerrogativa constitucional de falar por último e declarar inconstitucionais projetos votados pelo parlamento.
Se esse estilo "engajado" vai acalmar ou acirrar os ânimos, os próximos dois anos vão mostrar. Mas a concorrida solenidade desta quinta-feira mudou que a mudança da guarda no STF não deverá reduzir o protagonismo no Judiciário, como já prometeram em vão os últimos três presidentes da Corte, mas sim intensificá-lo, como vem acontecendo ano a ano.