O empresário Joesley Batista, um dos donos da holding J&F, disse nesta quinta-feira (7), em depoimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), que acreditar no conteúdo da conversa gravada entre ele e o diretor de Relações Institucionais do grupo, Ricardo Saud, é como acreditar em uma "conversa de bêbados."
Joesley, Saud e o advogado da empresa, Francisco de Assis e Silva, prestaram depoimento na sede da PGR em Brasília para esclarecer o teor do áudio, que aponta omissão de informações dos três delatores aos investigadores da Lava Jato.
Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, dependendo do resultado da investigação, os benefícios oferecidos a Joesley Batista e outros delatores poderão ser cancelados.
O depoimento desta quinta também atende a pedido da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, de investigar falas dos delatores envolvendo ministros da Corte.
Na conversa, Joesley e Saud discutem como gravar o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo para ele "entregar" ministros do STF, o que poderia reforçar a delação dos executivos.
Fontes com acesso aos depoimentos informaram à TV Globo que Joesley disse nesta quinta que acreditar no audio é como acreditar em dois bêbados dizendo que a Coreia do Norte vai invadir os EUA.
Ainda de acordo com essas fontes, Joesley inocentou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de qualquer atitude ilegal e também negou qualquer irregularidade em seu contato com o ex-procurador da República Marcelo Miller, que foi acessor de Janot.
O audio levantou suspeitas de que Miller teria ajudado os executivos da J&F nas negociações para fechar o acordo de delação premiada. O procurador, que atuou na Lava Jato, deixou a PGR em abril deste ano e, uma semana depois, começou a trabalhar em um escritório de advocacia que atuou no acordo de leniência da J&F.
Joesley admitiu no depoimento que se encontrou com Miller em fevereiro deste ano, mas que tinha sido informado que ele já havia pedido exoneração. O pedido realmente ocorreu em fevereiro, mas Miller só deixou o órgão em abril.
No acordo com a PGR, Joesley e outros executivos apresentaram provas para incriminar políticos, entre eles o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e, em troca, receberam benefícios, entre eles a imunidade (garantia de que os delatores não seriam denunciados criminalmente), que foram duramente criticados.
Joesley, ainda de acordo com as fontes, negou que gravação tenha sido entregue por engano e afirmou que foi uma iniciativa de transparência.
Em nota, a J&F informou nesta quinta que "não é possível fornecer detalhes" dos depoimentos prestados por Joesley, Saud e Silva "em razão de sigilo." "O empresário e os executivos continuam à disposição para cooperar com a Justiça", diz a nota.
Novo áudio
A gravação que pode levar à anulação dos benefícios dos delatores da J&F foi feita, aparentemente por descuido, no dia 17 de março. Na conversa que dura quatro horas, Joesley Batista e Ricardo Saud falam de uma suposta atuação do ex-procurador da República Marcelo Miller para ajudá-los a fechar a delação, que acabou garantindo a eles imunidade penal. À época, Miller ainda trabalhava no Ministério Público.
Em um dos trechos da gravação que está sendo investigada pela PGR, Joesley Batista relata ao diretor de Relações Institucionais que Marcelo Miller incentivou o procurador-geral da República a fechar acordo de delação premiada com os executivos da J&F.
O dono da JBS ressalta ainda a importância de eles se aproximarem de Miller para "chegar no Janot" e, com isso, negociarem a delação premiada com imunidade penal, que assegurou que os delatores da empresa não seriam denunciados pelo Ministério Público.
No bate-papo, Ricardo Saud também conta que Marcelo Miller repassava informações a Janot por meio de um "amigo em comum".
Miller trabalhou com Janot durante três anos, período no qual atuou nos casos ligados à Lava Jato. Ele deixou a PGR em abril deste ano e passou a atuar no escritório de advocacia Trench Rossei e Watanabe, que atende a JBS.
Como advogado, o ex-procurador Miller chegou a atuar nas negociações da JBS para fechar um acordo de leniência, mas o escritório no qual ele trabalhava deixou o caso antes do fechamento do acerto. Em julho, Miller foi desligado do escritório. Agora, a PGR também quer apurar os motivos da saída do ex-procurador da banca de advocacia.