O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA), concedeu na tarde desta terça-feira (24) vista coletiva (mais tempo para que os deputados estudem o caso) e adiou para a próxima terça-feira (1º) a votação do parecer preliminar que defende a continuidade do processo que investiga o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por quebra de decoro parlamentar. Se o processo chegar ao plenário, Cunha pode ter o mandato cassado.
Uma das estratégias de Cunha para preservar o mandato é adiar ao máximo a conclusão do processo, a fim de que esvaziar as denúncias de que mantém contas bancárias secretas na Suíça e de envolvimento no esquema de corrupção investigado na Operação Lava Jato.
Antes do pedido de vista, o relator do processo por quebra de decoro parlamentar, deputado Fausto Pinato (PRB-SP), defendeu que as investigações tenham continuidade.
Segundo ele, “não há dúvida de que os fatos que embasam a representação, se comprovados, constituem atos incompatíveis com o decoro parlamentar”, afirmou Pinato.
O presidente da Câmara é acusado de mentir à CPI da Petrobras, quando disse, em maio, que não possui contas no exterior. Documentos enviados pelo Ministério Público da Suíça revelam, porém, a existência de contas no país europeu.
Depois disso, Cunha admitiu que possui ativos na Suíça, mas alegou não ser “dono” das contas e sim “usufrutuário” dos recursos, já que as contas, justificou, são administradas por trustes (entidades legais que administram bens em nome de um ou mais beneficiários).
Para o relator do processo, seria “temerário” arquivar a representação contra o presidente da Câmara sem investigar as acusações.
“O arquivamento inicial da representação seria temerário e passaria para a sociedade a impressão de que este colegiado não atua com cautela.”
Pinato embasou o seu parecer pela continuidade do processo em dois incisos do artigo 4º do Código de Ética, argumentando que há indícios de que Cunha recebeu vantagens indevidas e omitiu informações relevantes.
O Código de Ética estabelece que, entre os procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato, estão: "perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas" e "omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o art. 18".
O artigo 18 do código especifica que, ao tomar posse, o parlamentar deverá apresentar declaração de bens e rendas.
No relatório, Pinato citou trechos da denúncia contra Cunha feita pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No pedido de abertura de ação penal, a PGR acusa o presidente da Câmara de cometer corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
De acordo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Cunha teria recebido, entre junho de 2006 e outubro de 2012, pelo menos US$ 5 milhões para viabilizar a contratação de dois navios-sonda para a Petrobras.
“Os fatos presentes na primeira parte [da denúncia] configuram, em tese, a percepção em proveito próprio ou de outrem de vantagem indevida”, disse o relator.
Fausto Pinato citou ainda, como argumento para a continuidade das investigações, o fato de o presidente da Câmara ter dito à CPI da Petrobras que não possui contas no exterior, embora seja beneficiário de ativos mantidos na Suíça.
"Em relação aos fatos inseridos na segunda parte da representação, eles configuram, em tese, a prestação de informações falsas quanto a contas bancárias declaradas à Câmara dos Deputados", disse o deputado.
Defesa
Após a apresentação do relatório por Pinato, o advogado Marcelo Nobre, que defende Eduardo Cunha, teve dez minutos para se pronunciar em favor do cliente (veja no vídeo acima).
O advogado pediu o afastamento de Pinato da relatoria sob a alegação de que o deputado antecipou o relatório ao divulgar argumentos no dia 16 de novembro, antes que a defesa se manifestasse.
Na fase do parecer preliminar do processo por quebra de decoro, o Código de Ética não exige a apresentação de defesa do acusado. Mas Eduardo Cunha havia dito publicamente que pretendia apresentar uma “defesa prévia”.
“A defesa se insurge, reclama, e se indigna, porque o relator não nos aguardou. Ele não teve interesse em se preocupar com os argumentos da defesa. Esta preliminar diz respeito à manifestação pública feita pelo relator, já antecipando seu voto”, disse o advogado.
Pinato rebateu os argumentos do advogado, dizendo que no exame de admissibilidade do processo, o relator não precisa ouvir a defesa do acusado.
“O relator não está vinculado a uma defesa prévia. A partir do momento em que o relator vê indícios mínimos de autoria, ele pode apresentar exame de admissibilidade. E havendo o exame de admissibilidade, será aberto todo o prazo de defesa e contraditório”, afirmou.
Ele destacou que o deputado alvo da representação pode se manifestar em qualquer etapa do processo, mas isso não impede ou vincula a decisão do relator na fase do relatório preliminar.
O relator também afirmou que não antecipou o voto quando convocou uma coletiva de imprensa -- alvo de crítica da defesa de Cunha -- para falar do parecer preliminar.
"Insta ressaltar que a coletiva só ocorreu três horas após a protocolização do parecer preliminar, não havendo, assim, antecipação de voto", defendeu-se Pinato.
O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo, indeferiu o pedido de afastamento feito pelo advogado, mas destacou que levaria o questionamento para análise dos consultores do colegiado.