A advogada Eloisa Samy Santiago que representa a menor de 16 anos, vítima de um estupro coletivo na Zona Oeste do Rio, disse que o delegado Alessandro Thiers, titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), não irá mais investigar o caso de estupro.
— (A investigação) Continua com as duas delegacias, mas agora a DCAV (Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima) apurando o estupro — afirmou a advogada.
Ou seja, agora, segundo Eloisa, houve um desmembramento do inquérito. Assim, a DRCI vai ficar encarregada apenas de investigar o vazamento das imagens do estupro coletivo nas redes sociais. Enquanto que o caso do estupro será apurado pela DCAV. A decisão foi tomada, de acordo com a advogada, pelo juiz do plantão judiciário, na madrugada deste domingo.
Eloísa comemorou a decisão em uma rede social: “Vitória das mulheres!!!!”, escreveu a advogada na publicação.
O pedido para troca de delegado foi feito por Eloisa neste sábado, sob a alegação de que Thiers estaria criminalizando a vítima. Segundo a advogada, a delegado teria perguntado à menina se ela “tinha por hábito fazer sexo em grupo”.
MP dá parecer favorável a três de quatro pedidos feitos pela advogada
O Ministério Público endossou o pedido feito pela advogada da menor de 16 anos para que o delegado Alessandro Thiers seja investigado pelo delito previsto no artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”. Segundo o MP, a advogada alega que a vítima sofreu constrangimento durante o depoimento. O órgão endossou ainda outros dois pedidos: que a investigação sobre o estupro ficasse com a DCAV e a divulgação das imagens com a DRCI. Por último, o MP deu parecer favorável ao pedido para que os suspeitos do crime fiquem distantes da vítima.
O afastamento do delegado do caso não foi endossado pelo MP porque, segundo o órgão, não seria sua atribuição.
O EXTRA entrou em contato com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mas ainda não teve uma confirmação sobre o afastamento do delegado.
Na manhã deste domingo, a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que ainda não havia sido notificada sobre a decisão.
Criminalistas criticaram tratamento dado à vítima
Inoportuna, abominável e machista. Foi assim que a pergunta feita pelo delegado Alessandro Thiers à adolescente vítima de estupro coletivo foi tratada por advogados criminalistas ouvidos, ontem, pelo EXTRA. Segundo a advogada da vítima Eloisa Samy Santiago, o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) questionou se a jovem, de 16 anos, tinha por hábito fazer sexo em grupo. Para os criminalistas, essa postura tende a transferir a culpa para a vítima.
— Uma das principais queixas das vítimas de violência sexual é justamente essa falta de acolhimento por parte da polícia, que tende a tratar a pessoa agredida como uma suspeita — apontou Luciana Boiteux, professora de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Após encerrar o depoimento da vítima antes do fim, a advogada Eloisa pediu a saída de Alessandro do caso. Na sexta-feira, Thiers chegou a falar, em coletiva, que ainda estava “investigando se houve consentimento dela, se ela estava dopada e se realmente os fatos aconteceram”.
— Quando você tem o próprio delegado criminalizando a vítima, você entende por que tantas mulheres deixam de levar ao conhecimento das autoridades as denúncias sobre abuso sexual e violência — disse Eloisa.
Em nota, a Polícia Civil afirmou que a investigação é conduzida de “forma técnica e imparcial”, mesmo argumento usado por Thiers ao jornal “O Globo”:
— A investigação é técnica. Tudo o que está sendo levantado tem coerência. Estamos buscando informações. Todos os fatos estão sendo investigados. O que ainda não foi passado até agora é porque ainda não há conclusão — disse Thiers.
O professor de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes Rafael Faria, porém, aponta que o vídeo prova o estupro.
— Fazer sexo é saudável, e se é com uma pessoa ou grupal não compete a ninguém. O problema é ser feito sem consentimento. (Pelo vídeo) Ela não tinha capacidade de dizer sim ou não à prática sexual, seja por uma embriaguez, uma dopagem ou um remédio dado pelo grupo. Logo, ela foi estuprada e teve sua vulnerabilidade atingida.
Para Luciana Boiteux, a versão de que a vítima teria concordado com o sexo grupal anteriormente não se sustenta e nem inviabiliza a acusação de estupro.
— O fato de ela estar desacordada já configura estupro, independentemente de qualquer questão que tenha acontecido antes. Mas eu insisto que, para mim, isso é uma grande mentira contada em defesa dos acusados. E uma mentira típica de uma sociedade machista, prática comum nesses processos de crimes sexuais.
Presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a deputada estadual Martha Rocha (PDT) também criticou a indefinição de Thiers sobre o caso. Ela disse que as declarações sobre ainda não ser possível dizer se houve consentimento é uma das razões para mulheres deixarem de denunciar casos de abuso sexual e violência.