O juiz Leonardo Brasileiro, da Comarca de Castelo do Piauí, vai encaminhar nesta quarta-feira (5) o processo do estupro coletivo ao Tribunal de Justiça do Piauí. Segundo ele, a decisão foi baseada nas provas levantadas do caso e caberá ao órgão analisar o recurso apresentado pela defesa dos três menores acusados do crime.
De acordo com o recurso do defensor Gerson Henrique Silva Sousa, não há provas de que os três menores internados no Centro de Internação Provisória de Teresina (Ceip) estariam no local do crime e para isto apresentou testemunhas. Por este motivo, ele pediu reformulação da sentença que condenou a três anos de internação como medida socioeducativa os acusados.
"É direito da Defensoria de recorrer e tudo será analisado pelo Tribunal de Justiça. Neste momento, o defensor vai tentar convencer os desembargadores sobre a tese por ele levantada. Ouvimos várias testemunhas, são várias provas documentais no processo e eu garanto que analisei todas elas e a tese de defesa de que os menores não estariam no local do crime foi afastada desde o início", declarou o juiz.
O promotor de Justiça Cesário de Oliveira, responsável pelo caso do estupro coletivo ocorrido com quatro adolescentes em Castelo do Piauí, afirmou ao G1 que todas as teses apresentadas pela defesa são inconsistentes.
"A apelação tem 50 páginas, vários argumentos e mais de 20 testemunhas foram apresentadas pela defesa, mas nenhuma mostra o álibi de que os menores não estariam no local do crime. Pelas provas apresentadas, pelo o horário do estupro eles não estariam em outro lugar do que lá na cena do crime. É direito da defesa recorrer, no entanto, já solicitei ao juiz manter a sentença na integra, porque não há nenhum reparo a ser feito", comentou.
Segundo Cesário, outra tese levantada pela defesa é de que o adolescente Gleison Vieira da Silva, espancado até a morte no Centro Educacional Masculino, teria participado sozinho do estupro coletivo e recebeu R$ 2,5 mil de um policial para acusar os outros menores.
"Durante a audiência os três menores coautores do estupro alegaram que o Gleison recebeu o dinheiro de um policial para incriminar eles e esta pessoa conseguiria também um advogado para absolvê-lo. Já a mãe do adolescente morto contou que os quatro menores receberiam o pagamento para assumir autoria no crime", revelou.
Ainda conforme o promotor, a mãe de Gleison relatou o arrependimento do filho de ter assumido autoria no crime, porque não recebeu o pagamento. Para constatar a acusação, o próprio promotor ouviu o policial citado e os outros militares que participaram das prisões dos menores.
"Ao contrário do que apresentado pela defesa, o policial foi acompanhado de outros até a casa de Gleison e em nenhum momento é relatado o pagamento ao menor. Pela falta de inconsistência das provas, ele não foi colocado como testemunha do caso", falou.
CNMP investiga morte
A investigação que apura a morte de Gleison Vieira da Silva, de 17 anos, será acompanhada de perto pela Comissão da Infância e Juventude do Conselho Nacional do Ministério Público (CIJ/CNMP). Em despacho, o conselheiro e presidente da CIJ, Walter de Agra, afirmou que a vítima foi colocada no mesmo alojamento com outros três adolescentes que já tinham feito ameaças contra Gleison. A intenção é apurar se houve negligência ao colocar todos o envolvidos na mesma cela.
Tanto vítimas quanto agressores são sentenciados pelo cometimento do estupro coletivo contra quatro garotas no mês de maio em Castelo do Piauí, a 190 km de Teresina.
"E esse 'linchamento' foi alertado pelo próprio Gleison, de que seria morto caso ficasse junto aos demais, pois fora ameaçado; no entanto, mesmo tendo avisado sobre a suposta ameaça, foi colocado nos mesmos aposentos, o que causou o seu espancamento e consequentemente a sua morte", afirmou Walter de Agra em despacho no CNMP.
De acordo com o conselheiro, embora o CNMP não possua competência constitucional para apurar diretamente a morte do adolescente Gleison, faz-se necessário acompanhar, no âmbito do Conselho, a atuação do Ministério Público do Estado do Piauí no caso.
Depoimento
Os três adolescentes suspeitos de terem espancado até a morte Gleison Vieira foram ouvidos na segunda-feira (3) pela delegada Thais Paz, que preside o inquérito. Os depoimentos foram acompanhado pelo promotor Maurício Verdejo e ocorreram no Complexo da Cidadania, na Zona Sul de Teresina.
De acordo com a delegada Thais Paz, com o depoimento dos suspeitos, as oitivas estão concluídas e o inquérito policial deve ser finalizado em poucos dias. “Todos os envolvidos foram ouvidos inclusive os menores que estavam nos alojamentos ao lado. Não posso falar muito, pois esse assunto está saturado. Porém posso dizer que já estamos na fase final e que as conclusões serão enviadas até o final da semana para a promotoria”, disse a delegada.
O resultado do laudo cadavérico no corpo de Gleison Vieira mostrou que ele foi morto a socos e pontapés. “A vítima faleceu em decorrência de traumatismo craniano, provocado por uma ação contundente. O que para a gente quer dizer um espancamento. Não houve a utilização de nenhum outro instrumento. Apenas socos e pontapés”, afirmou Thai Paz.
Os três menores, que estavam no alojamento ao lado do onde Gleison morreu, afirmam que não viram nada na noite do crime. A Polícia Civil pediu as imagens da câmera de segurança que fica na ala do alojamento e intimou quatro socioeducadores a prestar depoimento.
Gleison cumpria medida socioeducativa por participar do estupro coletivo de quatro meninas em Castelo do Piauí. Ele e mais três adolescentes foram condenados pelo crime. Segundo a polícia, os outros garotos envolvidos no estupro confessaram terem matado Gleison no CEM.
Carta para a mãe
Gleison escreveu uma carta para sua mãe dois dias antes de morrer. No texto, ele pede a Elizabeth Vieira que o perdoe pelo que fez, agradece seu amor, diz que não vai esquecê-la e encerra dizendo para ela ficar com Deus.
O adolescente inicia a carta dizendo que sente muita falta da mãe, em seguida pede perdão, mas não chega a mencionar o crime de Castelo do Piauí. O texto da carta contém erros de português e os trechos transcritos na reportagem foram corrigidos para facilitar a leitura.
Perdão
"Mãe eu sinto muito a sua falta, eu quero que você me perdoe pelo que fiz. Eu sei que Deus me perdoou, agora eu quero seu perdão. Desculpa, mãe, eu não ter sido um filho que você sempre quis, mas eu quero que você saiba que você nunca vai sair da minha mente e do meu coração", escreveu.
Elizabeth recebeu a carta durante uma visita que fez ao filho quando ele ainda estava no Centro de Internação Provisória (CEIP), antes da transferência para o CEM. Segundo a mãe do rapaz, dois dias após receber a carta, o filho foi espancado e faleceu dentro do alojamento.
Em outro momento da carta, o adolescente pede para que a mãe não o esqueça e se desculpa por não ter recompensado o que ela fez por ele.
"Mãe, eu peço que você lembre que teu filho te ama muito. Eu sei que nunca recompensei o que você fez por mim e que continua fazendo. Obrigada por ter sido uma mãe tão boa. Eu agradeço a Deus por ter você comigo, eu nunca vou esquecer de você e nem da minha vovó e nem do meu padrasto".
O rapaz se despede pedindo para a mãe para ficar com Deus e no envelope chega a pedir que ela guarde o bilhete durante os três anos em que cumpriria a medida socioeducativa.
Investigação
Um inquérito policial foi aberto para investigar a morte de Gleison da Silva. A titular da delegacia do Menor Infrator, Thaís Paz, já ouviu o depoimento dos adolescentes suspeitos de assassinar o jovem dentro do alojamento do CEM.
Conforme a delegada, os menores assumiram a autoria do crime e relataram que mataram o rapaz porque ele entregou a polícia o nome dos suspeitos de participar do estupro coletivo.
“Um dos adolescentes disse que foi apenas uma discussão que terminou na morte do Gleison, já os outros dois narram que a intenção era realmente matar o delator. Os adolescentes afirmam que assassinaram Gleison porque ele teria dito para a polícia que eles participaram do estupro coletivo sem terem envolvimento com o caso”, afirmou a delegada.
Além dos suspeitos, a delegada ouviu no dia 21 três adolescentes que teriam presenciado o espancamento, mas com medo de represálias, eles não revelaram o que viram na noite do crime.
Após a morte de Gleison, os outros três menores culpados pelo estupro coletivo foram retirados do CEM e agora estão no Centro de Internação Provisória (Ceip).
Superlotação
Após determinar a transferência dos três adolescentes acusados de estupro para o Ceip, o juiz Antônio Lopes, da 2ª Vara da Infância e Juventude da capital, falou sobre a dificuldade de encontrar vagas nas unidades socioeducativas no Piauí.
"Não vou deixar de sentenciar nenhum adolescente por falta de vaga do estado. O judiciário julga e quem deve manter estes menores é o executivo. Se o estado é inoperante, o problema não é meu", disse. Segundo ele, os menores ficarão em celas separadas no Centro até que o estado providencie um local definitivo para eles ficarem internados.
Afastamento de diretoria
A direção do CEM de Teresina foi afastada no dia 20, três dias após a morte de Gleison dentro da unidade. Foram afastados o coordenador do CEM, Marivaldo Viana, o gerente de Internação do CEM, Herbert Neves, e o diretor da Unidade Socioeducativa da Secretaria de Assistência Social e Cidadania (Sasc), Anderlly Lopes.
O atual coordenador do Centro Educacional de Internação Provisória (CEIP), Emerson de Oliveira, deixará o cargo para assumir a coordenação do CEM, de forma interina. Já a direção da Unidade Socioeducativa da Sasc será de responsabilidade do capitão Anselmo Portela.
Vistória da OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional Piauí, realizou uma vistoria no dia 20 no CEM. Segundo William Guimarães, presidente da OAB-PI, atualmente o Centro abriga 83 internos, 20 a mais do que sua capacidade.
Foram encontrados problemas como falta de colchões em todos os alojamentos, insuficiência de educadores e estrutura precária, com uma fossa estourada numa das celas.
Guimarães pretende elaborar um relatório sobre a vistoria, que será entregue ao governo do estado e à direção do CEM. "Vamos solicitar uma audiência com o governador e cobrar dele o investimento para a reforma deste centro como a construção de um novo", disse.
Segundo ele, a União disponibilizou R$ 5,5 milhões para a nova unidade, que correm o risco de serem devolvidos por "porque o estado não tem tido eficiência da aplicação desses valores".
O Governo do estado confirmou a devolução de R$ 3,5 milhões. Segundo a administração, havia um convênio entre o estado e a União para a construção de um Complexo Socioeducativo para Adolescentes do Sexo Masculino em Conflito com a Lei, em terreno localizado na BR 316. Entretanto, segundo a Sasc, a administração anterior perdeu os prazos do convênio e o dinheiro teve que ser devolvido.
Chacina no CEM
Lopes disse que o CEM poderia ter sido palco de uma chacina, já que os adolescentes internados pelo crime de Castelo do Piauí vinham sendo ameaçados de morte pelos demais jovens da unidade.
“Eles [os internos] disseram que os agressores tiveram foi sorte, porque iriam matar os quatro. Poderia ter sido uma chacina. Há 14 anos vejo que o estado não tem cumprido o que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é manter separados menores com alto grau de agressividade, a exemplo de estupradores, e quando há riscos para a integridade física deles”, afirmou o juiz.
Mãe grava vídeo
Elizabeth Vieira gravou um vídeo depois que soube do assassinato do filho.
"Foi um choque muito grande porque eu não estava esperando [a morte de Gleison]. Recebi a notícia, é uma dor muito grande", disse.
A mãe da vítima disse ainda que acredita que a briga entre os jovens tenha sido motivada por causa dela. No vídeo, ela diz que ele a defendia muito. "Ele tinha que pagar pelo crime que cometeu, mas não desta forma", disse.