BRASÍLIA - O presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entrou nesta segunda-feira com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para afastar o juiz Sérgio Moro da condução de um dos processos da Operação Lava-Jato. Cunha foi citado nesse processo pelo consultor Júlio Camargo, que o acusou de pressioná-lo a pagar US$ 10 milhões em propinas referentes à contratação de navios-sonda pela Petrobras. O presidente da Câmara alega que Moro usurpou uma prerrogativa do STF, que é o tribunal responsável por julgar parlamentares. Assim, ele pede que o caso seja encaminhado ao Supremo e que sejam anulados todos os atos do processo que tenham alguma ligação com ele.
Caso o pedido da defesa do presidente da Câmara prospere, o trecho do depoimento em que Júlio Camargo o cita não terá mais validade. O relator no STF é o ministro Teori Zavascki, que já conduz os inquéritos da Lava-Jato, entre eles um que tem Cunha como investigado. Como o Supremo está de recesso, o presidente do tribunal, ministro Ricardo Lewandowski, poderá decidir liminarmente sobre o caso.
Os advogados apontam uma mudança de comportamento de Moro. Segundo eles, em situações anteriores, o juiz orientava os depoentes a não citar o nome de políticos com foro privilegiado, uma vez que isso era prerrogativa do STF. Recomendava que, em vez disso, falassem genericamente em "agentes políticos". No caso do depoimento de Júlio Camargo, tomado na última quinta-feira, ele não tomou o mesmo cuidado.
A defesa de Cunha diz ainda que Moro induziu Júlio Camargo a incriminá-lo. Anteriormente, ele havia negado ter conhecimento da participação do presidente da Câmara no caso investigado. Indagado por que tinha apresentado uma versão diferente inicialmente, Camargo respondeu que havia sido alertado pelo Ministério Público Federal (MPF) de que casos envolvendo políticos não seriam julgados na Justiça Federal do Paraná. Segundo a defesa de Cunha, Moro não ficou satisfeito com a resposta e o induziu a dizer que estava sendo ameaçado. Somente nesse momento Camargo afirmou ter receio do presidente da Câmara, por ser uma pessoa politicamente influente e que usa o recurso da ameaça, muitas vezes por meio de terceiros.
"Desse quadro se conclui que o juízo reclamado (Moro) pretende, por via transversa, afastar a competência da Suprema da Corte, realizando, ele mesmo, atos de investigação em face de pessoas com prerrogativa de foro", afirma a defesa de Cunha.
"Em suma, mostra-se fartamente demonstrado que o juízo reclamado, ao realizar atos manifestamente investigatórios em face de agente público com prerrogativa de foro, usurpou de forma flagrante a competência desta Suprema Corte. Isso porque é prerrogativa do próprio Supremo Tribunal Federal, em havendo suspeita de envolvimento de pessoas detentoras de foro perante o Tribunal, analisar a sua competência. Vale dizer, cabe ao Supremo julgar o suposto grau de envolvimento de pessoa sob a sua jurisdição originária nos fatos delituosos em investigação perante outras instâncias do Poder Judiciário", diz o texto em outro trecho.
O recurso é assinado pelos advogados de Cunha, entre eles o ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Apesar disso, o texto não poupa críticas ao MPF ou ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo a defesa, repetindo argumentos já citados por Cunha, Janot pressionou Camargo a mentir e incriminá-lo. Diz ainda que integrantes do MPF que atuam na Justiça Federal — e que não têm prerrogativa de investigar Cunha — fizeram o mesmo que Moro, indagando Camargo sobre fatos relacionados ao presidente da Câmara.
No recurso, a defesa pede uma liminar — decisão que pode ser tomada por um único juiz em casos urgentes — para suspender a ação em curso na Justiça Federal do Paraná e encaminhá-la ao STF. Além disso, pede que, posteriormente, seja reconhecida a usurpação de competência e que sejam anulados os atos tomados até o momento em relação ao presidente da Câmara.