O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou nesta quarta-feira (19) que não pretende se afastar do comando da Casa mesmo se for denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no processo da Lava Jato. O peemedebista é suspeito de ter recebido propina do esquema de corrupção que atuava na Petrobras para viabilizar a contratação de navios-sonda para a estatal.
Cunha deu a declaração no momento em que se deslocava de seu gabinete para o plenário da Câmara para comandar a sessão que analisará o segundo turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal. Indagado por jornalistas sobre a possibilidade de ser denunciado por Janot ainda nesta semana, o presidente da Câmara disse que, caso isso venha a se confirmar, não haverá retaliação da parte dele na condução da casa legislativa.
“Eu não farei afastamento de nenhuma natureza. Vou continuar exatamente no exercício pelo qual eu fui eleito pela maioria da Casa. [Estou] absolutamente tranquilo e sereno com relação a isso”, disse Cunha em entrevista coletiva.
“Eu não misturo o meu papel de presidente da Casa com as eventuais situações que possam envolver a minha pessoa. Exercerei o meu papel de presidente da forma que, institucionalmente, eu tenho que exercer. Eu não faço papel de retaliação nem tomo atitudes por causa de atitudes dos outros”, complementou.
Cunha acrescentou ainda que não pretende usar o plenário para discursar em sua defesa. “Não farei jamais discurso em plenário com relação a nenhum assunto, não pretendo fazê-lo.”
A denúncia da PGR contra Cunha deverá ser feita com base em um dos depoimentos do ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo no acordo de delação premiada. Camargo disse que foi pressionado pelo peemedebista a pagar propina de US$ 10 milhões para que a Petrobras contratasse navios-sonda da Samsung. Do total do suborno, contou o delator, Cunha disse que era "merecedor" de US$ 5 milhões. O presidente da Câmara nega a denúncia.
O ex-consultor da Toyo Setal afirmou ao Ministério Público Federal que, sem ter recurso para pagar a propina exigida, Cunha o ameaçou com a apresentação de um requerimento na Câmara solicitando que os contratos dos navios-sonda fossem enviados ao Ministério de Minas e Energias e ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Quando a acusação veio à tona, em julho, Eduardo Cunha acusou o Palácio do Planalto de ter se articulado com o procurador-geral da República para incriminá-lo na Operação Lava Jato. Na ocasião, ele anunciou seu roompimento oficial com o governo Dilma Rousseff.
Afastamento
Quando surgiram os primeiro boatos de que Cunha seria denunciado pelo procurador-geral nesta quarta, cerca de 10 parlamentares de diferentes partidos, entre os quais PSOL, PSB e PT, se reuniram para avaliar pedido de afastamento do peemedebista da presidência da Câmara.
A ideia é formular uma solicitação para que Cunha renuncie e, depois, analisar o teor da denúncia para ingressar com um requerimento por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética. As duas providências só serão tomadas depois que Janot entregar ao STF o pedido de abertura de ação penal contra o presidente da Câmara.
O encontro entre os deputados para debater as medidas ocorreu no gabinete da liderança do PSOL. Segundo o líder do partido, deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), um requerimento no Conselho de Ética precisa ser muito bem fundamentado, porque o colegiado teria uma postura “corporativista”.
“Ele deve se afastar para que tudo seja elucidado e não haja nenhuma suspensão do uso da função para se proteger. E, diante do comportamento do Conselho de Ética, a gente vai esperar a denúncia para tomar as posições necessárias”, declarou.
Já o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), argumenta que eventual denúncia não é motivo suficiente para um afastamento de Eduardo Cunha do comando da Câmara. Ele defende que não haja uma condenação antecipada e disse que a “presunção de inocência serve para qualquer cidadão, inclusive o presidente da Casa.
“Num Estado de Direito, qualquer cidadão pode vir a ser réu. O que precisa é concluir o julgamento. Apenas a condenação pode delimitar isso. Qualquer coisa diferente disso é uma antecipação de condenação, de suposições que não condizem com o Estado de Direito, seja para o presidente da Câmara quanto para qualquer cidadão”, afirmou.
Diligência da PF
Em ofício enviado nesta terça ao deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), o procurador-geral da República afirmou que o presidente da Câmara usa a Casa como “escudo” para se proteger das investigações da Operação Lava Jato. A declaração foi feita por escrito, em resposta a um questionamento de Alencar sobre a coleta de documentos realizada, em maio, pela Polícia Federal no setor de informática da Câmara.
Na ocasião, os agentes cumpriram mandado do Supremo Tribunal Federal para coletar informações que pudessem esclarecer o episódio dos requerimentos apresentados na Câmara para, supostamente, pressionar Júlio Camargo.
Chico Alencar enviou um ofício a Janot perguntando se, na diligência de maio, os investigadores teriam acessado dados de todos os 513 deputados, em vez de se ater às informações referentes a Cunha.
De acordo com o deputado do PSOL, na semana passada o presidente da Câmara informou aos líderes partidários que a polícia fez uma devassa nos computadores de todos os parlamentares. O procurador respondeu que a acusação de Cunha é “inverídica” e “no mínimo leviana”.
Nesta quarta, o presidente da Câmara rebateu Janot e disse que irá provar que, durante a diligência da PF, foram coletados dados de todos os deputados no período de três meses. Ele acrescentou que essa informação foi passada a ele pelos oficiais de Justiça que participaram da diligência da PF.
O presidente disse ainda que pediu à Diretoria-Geral da Câmara a certificação do que foi coletado do sistema de informática. Se, por acaso, ficar demonstrado que ele está errado, Cunha disse que responsabilizará a pessoa que passou essa informação para ele.
“Eu já solicitei ao diretor-geral que me dê a certificação dos dados que foram coletados e nós vamos provar que, efetivamente, os dados coletados aquele dia eram de todos os deputados. Se ele desprezou ou devolveu os dados que não interessam não significa que, quando fizeram a busca e apreensão, não coletaram todos os dados”, enfatizou.