O Brasil tem uma profusão de criminosos amplamente conhecidos. O casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá ficou sob os holofotes ao jogar a pequena Isabella pela janela do 6º andar, em 2008. Elize Matsunaga seguiu o mesmo caminho depois de matar e esquartejar o marido, em 2012, assim como o professor universitário Luís Felipe Manvailer, que, em 2018, esganou e atirou o corpo da esposa, Tatiane Spitzner, do 4º piso do prédio onde moravam. Midiática, a pastora Flordelis foi parar nas páginas policiais ao orquestrar um plano para dar cabo do marido, em 2019. O ex-médico e ex-vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Jairinho, também passou a ser falado nacionalmente após a morte do enteado, o menino Henry Borel, de 4 anos, ocorrida em 2021. Por último, o empresário Thiago Brennand atraiu atenções para si, a partir de 2022, depois de ser acusado de uma série de estupros, cárcere privado, tortura e agressões físicas contra mulheres. Por trás desses crimes de grande repercussão, porém, há advogados criminalistas quase tão famosos quanto os clientes que passaram a defender.
Elize Matsunaga era estudante de direito em São Paulo quando assassinou com um tiro na testa um dos herdeiros da Yoki, o empresário Marcos Matsunaga. No início das investigações, ela dizia aos policiais que o marido havia fugido com uma amante. Quando todas as suspeitas convergiram contra si, Elize pediu para seu professor de direito penal Luciano Santoro defendê-la. Com 34 anos na época, o jovem advogado pegou a causa.
Nos primeiros encontros com Santoro, Elize assumiu autoria do crime. Ele, então, a orientou que confessasse na delegacia, pois, se falasse a verdade, seria mais fácil obter benefícios e redução da pena. Submetida ao Tribunal do Júri em 2016, ela saiu de lá condenada a 19 anos e 11 meses de prisão. Três anos depois, Santoro conseguiu em instâncias superiores reduzir a sentença da sua cliente para 16 anos, o que foi considerado um grande êxito processual, tendo em vista a gravidade e a enorme repercussão do esquartejamento. Para efeito de comparação, Flordelis mandou seus filhos matarem o marido, o pastor Anderson do Carmo, e foi condenada em 2022 a 50 anos de prisão.
Com a pena reduzida, Elize já está solta graças a um livramento condicional obtido por Santoro. Por outro lado, foi graças à sua cliente de renome que o defensor deu inúmeras entrevistas em jornais e apareceu dezenas de vezes no horário nobre da TV. Com isso, ele acabou se tornando um profissional famoso e disputado no mercado. Contratado pelo Santos Futebol Clube em 2020, ele advogou na Itália para o jogador Robson de Souza, o famoso Robinho. Na época, o atacante era acusado de ter estuprado junto com outros cinco homens uma mulher albanesa em uma boate em Milão. Segundo a acusação, a vítima estava alcoolizada durante a violência sexual. Em defesa do cliente santista, Santoro afirma que a relação foi consentida. Mesmo assim, o jogador foi condenado no ano passado pela Corte italiana a 9 anos de prisão. Extraditado para o Brasil, o jogador vai enfrentar o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em breve para ratificar a sua pena em solo nacional. “Nós reunimos provas contendo fotos e vídeos para sustentar que a versão da vítima não é verdadeira. Se o Robinho tivesse sido julgado em primeira instância no Brasil, certamente ele seria absolvido”, garante. Essa causa espinhosa já custou ao atleta cerca de R$ 3 milhões de reais.
De Elize, Santoro não cobrou um tostão para defendê-la do assassinato do marido. Mas isso não quer dizer que ela não faça pagamentos ao escritório do advogado. Atualmente, Elize tenta reaver a guarda da filha de 13 anos que teve com Marcos ao mesmo tempo em que se defende de outra causa cível movida na Vara da Família pelos pais do marido. A guarda da menina está com os avós paternos, que movem uma ação para retirar o nome de Elize da certidão de nascimento da adolescente. Assim, a homicida confessa jamais poderia se aproximar da filha e tampouco acessaria por sucessão os bens milionários que ficaram em nome da menina. Nessa causa, Elize é representada pela esposa de Santoro, a advogada Juliana Fincatti Santoro. Essa ação não é gratuita. Estima-se que a Elize já tenha gastado mais de R$ 1 milhão na causa.
'Ela apanhava do marido todos os dias'
Nas barras do tribunal, poucas estrelas criminalistas têm brilho tão reluzente quanto o advogado Cláudio Dalledone Júnior. Em média, suas causas custam entre R$ 2 e 3 milhões. Mas ele também faz de graça, dependendo do poder aquisitivo do cliente e da projeção do caso na mídia. Atualmente, Dalledone defende os interesses de Jairinho e da pedagoga Cláudia Tavares Hoeckler, a mulher de 40 anos que dopou o marido e, na sequência, o amarrou e matou por asfixia. Para esconder o corpo, ela colocou a vítima dentro de um freezer e o manteve congelado, por cinco dias. Para não levantar suspeita, a esposa foi à delegacia dar queixa do sumiço do companheiro. Numa das vezes em que os investigadores foram até a sua casa, Cláudia serviu a eles um refrigerante que estava no freezer diretamente sobre o cadáver, causando posterior nojo e indignação aos policiais.
'Muito, muito feliz', diz Elize Matsunaga sobre liberdade condicional
O crime da mulher do freezer ocorreu em 2022, no município de Lacerdópolis (SC). Dalledone garante que vai inocentar Cláudia, que confessou o crime e está solta à espera do julgamento, previsto para este ano. “Ela apanhava do marido todos os dias. Não aguentava mais tanta humilhação, pois vivia uma vida de abusos”, defende o advogado com veemência. A história de vida da acusada tem todos os ingredientes para comover o júri. Cláudia é filha de uma prostituta, foi estuprada desde a infância pelo padrasto e abandonada na adolescência — uma biografia semelhante à de Elize Matsunaga. A causa do freezer é pro bono, ou seja, gratuita.
Dalledone já conseguiu inocentar outra cliente em um caso de projeção nacional. Em 2019, a empresária Tânia Zapelline Ribeiro matou o marido, o coronel da reserva da Polícia Militar de Santa Catarina Silvio Gomes Ribeiro, de 54 anos. O casal havia se conhecido por aplicativo de namoro e, depois de três meses de conversa, resolveu morar junto, em um condomínio de luxo em Florianópolis. Tânia conta que, em poucos meses de relacionamento presencial, o coronel tornou-se um homem ciumento, possessivo e demasiadamente violento. Ela tinha o hábito de ir diariamente à academia para se exercitar. Com receio de ser traído, Silvio comprou equipamentos de musculação para Tânia treinar dentro de casa. Nos meses seguintes, ele avançou sobre o patrimônio da companheira, exigindo que a empresária pagasse as prestações de um apartamento que ele havia comprado. Segundo relato da acusada, o militar também transferiu o carro dela para o nome dele e esvaziou suas contas bancárias.
No dia 22 de maio de 2019, segundo contou no tribunal, Tânia foi surpreendida com o marido segurando uma faca de cozinha, dizendo que a mataria, caso saísse de casa sem ele. A mulher diz ter reagido quando ele pôs a faca sobre o sofá para amarrar o sapato. Em fração de segundos, Tânia pegou um haltere da academia montada pelo companheiro e arremessou o peso de 10 quilos na cabeça dele. “Nem sei de onde tirei tanta força”, contou no julgamento. Ato contínuo, Silvio caiu no chão e começou a estrebuchar. Ainda assim, ele tentou apanhar a faca novamente, segundo o relato dela. Tânia foi mais rápida: pegou a arma branca e passou a lâmina afiada no pescoço e no pulso da vítima, provocando um derramamento de sangue no tapete da sala. No julgamento, ela confessou o crime com uma riqueza de detalhes impressionantes.
Defendida por Dalledone com atos cênicos típicos de grandes júris, Tânia foi inocentada pela maioria dos votos em 2021 sob a alegação de ter agido em legítima defesa. O Ministério Público recorreu, pontuando que a ré usou meios cruéis e não deu chance de defesa à vítima. Os promotores conseguiram condená-la em um novo julgamento a 8 anos de prisão. Dalledone recorreu da sentença ao Supremo Tribunal Federal (STF) e convenceu a Corte a manter a absolvição da primeira sentença. Hoje, Tânia tem ficha limpa, está livre e acabou se transformando no principal case de sucesso do portfólio do advogado.
Com 50 anos e 30 de carreira, Dalledone protagonizou muitas polêmicas. É o criminalista que mais aparece na mídia. Já deu entrevista para todos os programas policiais da TV, apareceu no Fantástico, Linha Direta e até no Jornal Nacional. Na rua, costuma ser reconhecido e solicitado para fazer fotos com fãs. Também é famoso pelas chicanas que promove nos tribunais.
Atualmente, Dalledone coordena a banca de defesa de Jairinho, considerado um dos maiores desafios da sua carreira, “pois a opinião pública já o condenou”, analisa. O primeiro depoimento do ex-médico na 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, ocorrido em 16 de maio de 2022, foi marcado por uma confusão. A juíza Elizabeth Machado Louro ordenou que os advogados presentes na sessão se sentassem, mas eles se recusaram a obedecê-la. A magistrada pediu mais uma vez. Houve uma nova recusa. Afrontoso, Dalledone disse que ficaria de pé e ainda pegou o celular para filmar a juíza, que o acusou publicamente de misógino e se disse intimidada por ele. “É direito do advogado manter-se em pé no tribunal, e o tom prepotente e impositivo dessa juíza tinha que ser combatido naquele momento”, rebate. Dalledone tentou afastar Elizabeth do caso sob alegação de parcialidade.
Com escritório em Curitiba, Dalledone também defendeu o professor universitário Luís Manvailer, outro caso bastante explorado pela mídia. O réu foi filmado pelas câmeras de segurança espancando a esposa, Tatiane Spitzner, de 29 anos, dentro do elevador e na garagem do prédio onde o casal morava, em Guarapuava, região central do Paraná. Uma outra câmera instalada na rua registrou o momento em que Tatiane despencou da sacada do 4º andar.
Segundo laudo do Instituto Médico Legal (IML), Tatiane morreu em decorrência da queda. As imagens mostram ainda Manvailer pegando o corpo da esposa da calçada e levando para dentro do prédio. Depois de deixar o cadáver da vítima na sala, em meio a uma poça de sangue, o professor pegou o carro e fugiu. Foi preso por policiais na BR-277 a 340 quilômetros de casa. O caso ganhou projeção nacional em função das imagens chocantes captadas pelas câmeras de segurança.
Manvailer se diz inocente até hoje. No tribunal, Dalledone tentou emplacar a tese de que eles eram um casal feliz e que a queda de Tatiane teria sido acidental. Não colou. O professor se sentou no banco dos réus em 2022 e se levantou de lá com uma pena de 31 anos em regime fechado por matar a esposa. “Esse caso é uma aberração jurídica, pois o meu cliente foi condenado com base numa fraude processual. Mas esse caso ainda está sendo discutido em cortes superiores e tudo pode mudar”, opina o defensor sobre a condenação do seu cliente.
Simulação polêmica
A atuação de Dalledone no julgamento de Manvailer foi controversa. Durante os debates no tribunal, o advogado reconstituiu a agressão física sofrida por Tatiane na advogada Maria Eduarda Lacerda, funcionária do seu escritório. Num jogo cênico, Dalledone apertou o pescoço da colega de trabalho. No momento da simulação, Maria Eduarda ficou toda descabelada e quase foi ao chão. A ideia era mostrar aos jurados que os sopapos que o réu deu na esposa não seriam capazes de matá-la. Pela encenação realista demais, Maria Eduarda foi procurada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). Aos seus pares, a advogada disse não ter sofrido agressão e que tudo havia sido combinado.
No rol das causas que ganhou, Dalledone computa como êxito a absolvição de 13 policiais militares do Paraná acusados de matar cinco suspeitos de roubo em 2009. E também o famoso caso dos emasculados de Altamira, julgado em 2003. Nesse, a repercussão foi mundial. Dalledone defendeu e conseguiu inocentar por falta de provas a dona de casa Valentina Andrade, de 72 anos na época. Ela era apontada pelo Ministério Público do Pará como líder de uma seita satânica que castrava e assassinava meninos com idades entre 8 e 14 anos no interior do Pará. Do total de 14 vítimas, seis foram assassinadas com a mutilação dos órgãos sexuais e cinco continuam desaparecidas até hoje. Os crimes ocorreram entre 1989 e 1993. Por causa dessa defesa, Dalledone quase foi linchado dentro do tribunal e nas ruas de Belém logo após o juiz proferir a sentença. Seu carro foi apedrejado pela população. Valentina morreu aos 91 anos no último dia de 2022, em Londrina (PR).
O empresário Thiago Brennand já foi condenado três vezes por crimes sexuais e agressões. Sua pena soma 20 anos e dois meses de prisão em regime fechado. E isso é só o começo. Pelo julgamento de uma modelo vítima de estupro e cárcere privado e tortura, previsto para breve, Brennand pode pegar mais 30 anos, somando meio século de pena. Atualmente, ele é defendido por três escritórios de respeito, dois em São Paulo e um no Recife. Entre os seus defensores está o criminalista Roberto Podval, um dos mais prestigiados do país. Em seu escritório luxuoso, causas complexas como a de Brennand não saem por menos de R$ 5 milhões. O empresário também já foi defendido por outra estrela do direito criminal, o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que defendeu lendas do crime e da política, como Suzane von Richthofen e o ex-presidente Michel Temer.
Podval tem em sua carteira de clientes figuras como o casal Nardoni e o ex-ministro José Dirceu, que se enrolou até o pescoço na finada operação Lava-Jato. Alexandre foi condenado a 31 anos, e Anna Carolina Jatobá pegou 26. Ela foi sentenciada por ter esganado Isabella Nardoni, e ele por ter atirado a própria filha pela janela, em São Paulo. O casal jura inocência até hoje e essa não-confissão dá bastante trabalho a Podval, que acompanha a execução da pena dos dois réus. Alexandre está preso no regime semiaberto em Tremembé. Anna Carolina já foi solta e cumpre pena no regime aberto desde o ano passado. “A previsão é que o Alexandre saia da cadeia até o final do ano”, prevê Podval. Sobre as sentenças de Brennand e do casal Nardoni, o defensor acredita que seus clientes só foram condenados por causa da repercussão e não pelo o que eles supostamente fizeram. “É difícil alcançar Justiça quando o caso é midiático”, sentencia Podval.
Troca-troca jurídico
Os advogados estrelados dos criminosos famosos estão sempre se movimentando, pulando de caso em caso. Dalledone estaria a um passo de engrossar a defesa de Brennand. Amigo do réu de velhos carnavais (eles treinavam jiu-jítsu juntos na década de 1990), o advogado visitou o réu duas vezes no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros, em São Paulo. É lá que Brennand cumpre pena e aguarda seus próximos julgamentos. A primeira visita ocorreu na última quinta-feira (18), e a segunda no dia seguinte. Nesses encontros, Brennand pediu ao amigo que ele se torne seu porta-voz no caso, já que ele se sente “apanhando” da mídia de forma sistemática desde que seus crimes ganharam repercussão nacional. Dalledone ficou de dar uma resposta em breve se aceita ou não representá-lo nessa seara.
Pagamento atrasado há quatro anos: Irmão de Suzane von Richthofen tem dívidas até na manutenção do túmulo dos pais assassinados
Fiel escudeira de Flordelis, a advogada Janira Rocha também ganhou notoriedade no julgamento da pastora. Recentemente, ela teve encontros com o coronel Jairo de Souza Santos, pai de Jairinho, para avaliar a possibilidade de ingressar na banca de defesa do ex-vereador. Janira e Jairo atuaram no mesmo período como deputados estaduais na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, na primeira metade da década de 2010. Dalledone, que coordena a defesa de Jairinho, vai incluir a advogada de Flordelis no núcleo de análise política, que tem como missão esmiuçar a atuação do réu na época em que ele era vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. “Ela é uma ótima advogada”, elogia o defensor.
A defesa de Flordelis e de seus filhos no tribunal está orçada em quase R$ 1 milhão reais. Até agora, a pastora pagou desse total R$ 200 mil em despesas operacionais, como passagens de avião e hospedagem da sua banca. Os honorários dos defensores no júri ficaram em R$ 600 mil, mas só seriam pagos se ela tivesse sido absolvida no julgamento de 2022. Como foi condenada, seus procuradores só vão ver a cor desse dinheiro caso tenham êxito em um possível novo julgamento, que está sob análise em instâncias superiores.
Apesar de não ter conseguido uma sentença favorável para Flordelis, Janira se capitalizou profissionalmente com as decisões que inocentaram três filhos afetivos da pastora: André Luiz Oliveira, Marzy Teixeira e Rayane dos Santos. Eles estavam envolvidos diretamente no crime e foram denunciados por homicídio triplamente qualificado. Marzy chegou a confessar que contratou um pistoleiro para matar o pastor Anderson, enquanto André falava em envenenar o “pai” com pedaços de frango. Ainda assim, eles foram inocentados pelo júri — e quem faturou com a absolvição foi Janira, que elaborou a tese de defesa do trio.