A biografia que conta a conturbada e inquieta vida do multiartista piauiense Torquato Neto ganhou uma segunda edição neste mês de abril. O volume relata a história do menino que saiu do Piauí para Salvador e passou por São Paulo, Londres, Paris e Rio de Janeiro. Período em que fez filmes em super-8, foi peça chave do tropicalismo, autor de grandes letras e poemas, escreveu colunas sobre cultura, rompeu amizades famosas, organizou uma revista de poesias (Navilouca), tendo se entregado ao gás e à morte no dia do seu 28º aniversário, no ano de 1972.
O jornalista curitibano Toninho Vaz passou dois anos para entrevistar 74 pessoas (em Teresina, Rio e São Paulo) e escrever as 408 páginas que compõem o livro. Para o autor, Torquato Pereira de Araújo Neto era um poeta sensível e inconformado, um polemista inteligente e corajoso e, uma das figuras mais carismáticas da sua geração.
Em entrevista ao G1 por e-mail, Vaz afirma que é um grande admirador da pequena (em quantidade) obra do piauiense, e que faz parte de um seleto grupo que luta para que Torquato tenha a importância que merece. “Torquato era pouco conhecido e ainda continua, apesar dos meus esforços. De todos os tropicalistas de primeira hora ele é o maior mistério”, disse.
saiba mais
Morto há 42 anos, Torquato Neto não possui espaço para sua obra no Piauí
‘Torquato escreveu com a morte a sua própria obra', diz primo do poeta
Livros inéditos do poeta Torquato Neto são lançados em Teresina
G1 - Você conheceu Torquato pessoalmente?
TV – Não, eu apenas vi o Torquato na plateia do Teatro Teresa Raquel, durante um show de música, quase dois anos antes da morte dele.
G1 - Como você conheceu a obra de Torquato Neto e como decidiu biografá-lo??
TV – Eu era leitor da coluna do Torquato no jornal Última Hora, que eu recebia em Curitiba. Fui muito influenciado por ele, pois segui também pelo jornalismo cultural, falando de cinema e música, de arte de um modo geral.
G1 - Esta é a 2ª edição da Biografia do Torquato Neto. Quando foi lançada a primeira edição??
TV – Foi lançada em 2006 pela editora Casa Amarela, que não existe mais.
G1 - Como foi o processo de pesquisa para o livro? Quantas pessoas foram entrevistadas e quanto tempo você passou para fazê-lo??
TV – Entrevistei pessoalmente 74 pessoas em Teresina, Rio e São Paulo durante dois anos, incluindo a escrita.
G1 - Além do seu livro, que agora volta às livrarias, e dois inéditos que foram lançados regionalmente em Teresina (O Fato e A Coisa e Juvenílias), a obra de Torquato ficou fora de catálogo por um longo tempo. Isso prejudica o acesso da nova geração a obra do poeta? Qual sua opinião sobre essa ausência??
TV – Torquato morreu aos 28 anos, quando ainda não estava nem na maturidade intelectual. Ou seja, a sua obra não é extensa, muito pelo contrário, cabe em apenas um livro ou dois volumes que consideram também a produção jornalística. Importante saber que ele não trabalhava no sentido de produzir ou publicar um livro. A primeira edição de seus poemas e textos acontece depois de sua morte. Pode-se considerar que ele idealizou apenas a revista NAVILOUCA, reunindo poetas amigos, que foi publicada dois anos depois de sua morte.
G1- Qual lado de Torquato Neto que não é conhecido do público e que o livro mostra?
TV – Bem, o Torquato era pouco conhecido e ainda continua, apesar dos meus esforços. Seus admiradores são fiéis seguidores, mas formam um pequeno e seleto grupo. De todos os tropicalistas de primeira hora ele é o maior mistério. No meu livro ele é mostrado na intimidade revelada por seus amigos e colegas.
G1 - Como era a relação do poeta com sua terra natal, Teresina?
TV – Tristeresina é um poema (texto) escrito por ele e que praticamente sintetiza esta relação, identificada pelos acadêmicos como “a cidade subjetiva de TN”:
Não é minha cidade
É um sistema que invento
Me transforma
E que acrescento à minha idade
G1- Torquato Neto tem o reconhecimento que merece??
TV – Nunca teve o merecido reconhecimento e continua não tendo. De certa forma, Torquato sempre foi identificado como um poeta maldito, não no sentido bíblico, mas no sentido literário pelo romantismo típico de quem está disposto a morrer por amor, pela liberdade ou pela poesia. É uma herança da poesia francesa pós-Francois Villon, considerado o primeiro poeta maldito.
G1- Em 2014, foram lembrados os 50 anos do Golpe Militar. Como foi a relação do poeta com o regime??
TV - Torquato, como jornalista que era, foi atingido frontalmente pela ditadura, que mantinha um representante da Censura na redação, para tudo fiscalizar. Antes, como estudante, foi um dos últimos a sair do prédio da UNE (União Nacional dos Estudantes), no bairro Flamengo, antes do incêndio provocado pela turma da direita furiosa. Não foi preso, como aconteceu com Caetano e Gil, mas resolveu partir para o exílio em Londres e Paris. Sua depressão final acompanha a escalada de violência política determinada pelo AI 5, ato institucional que acabou com o que ainda restava de liberdade democrática.
G1 - O que mais o fascina na figura de Torquato Neto??
TV – A coragem e o inconformismo, elementos de grande relevância quando se vive sem liberdades. Ele foi intransigente na militância anárquica.
G1 - A biografia escrita por você sobre o poeta Paulo Lemniski foi barrada por familiares do poeta. Qual sua opinião sobre as biografias autorizadas, que ganhou notoriedade por conta da atuação controversa da associação Procure Saber? Essa questão foi superada?
TV – Minha biografia do Leminski foi censurada pela família quando estava entrando na gráfica. Portanto, a questão ainda não foi superada, pois o veto e a obrigatoriedade de autorização prevalecem, esperando que a Câmara dos Deputados, em Brasília, analise o pedido de revisão do Código Civil. Enquanto escrevo, neste momento, tenho a informação sigilosa de que o veto vai cair, talvez em uma semana. Será?
Toninho Vaz, autor da biografia de Torquato Neto (Foto: Divulgação)