BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal ( STF ) suspendeu para intervalo o julgamento sobre a legalidade do compartilhamento com o Ministério Público ( MP ) e a polícia, sem necessidade de decisão judicial, de dados em posse dos órgãos de controle. Além de definir quais são os limites para isso, os ministros vão ter que analisar outro ponto: se vão restringir o julgamento apenas aos dados da Receita Federal, ou se vão tratar também da Unidade de Inteligência Financeira ( UIF ), que é o antigo Coaf.
O ministro Luís Roberto Barroso foi o segundo a votar na sessão desta quarta-feira. O ministro se posicionou favorável ao compartilhamento de informações ao MP e afirmou ainda que não há a quebra de sigiloso do indivíduo, mas sim a transferência do sigilo a outro órgãos. O voto do Barroso acompanhou a posição dos ministros Edson Fachin , primeiro a votar nesta sessão, e Alexandre de Moraes , que votou na semana passada, que entendem como constitucional o compartilhamento de dados da Receita e do antigo Coaf com o Ministério Público, mesmo sem decisão judicial.
Primeiro a se manifestar nesta quarta-feira, o ministro Edson Fachin votou de maneira semelhante a Alexandre de Moraes , a favor do amplo Segundo Fachin e Moraes, a Receita pode compartilhar informações, sejam elas globais ou detalhadas. Os dois pensam de forma diferente do relator, ministro Dias Toffoli , que quer impor restrições ao compartilhamento de dados detalhados.
O próximo a votar será a ministra Rosa Weber . Na semana passada, apenas dois ministros votaram. O relator do processo e presidente do STF, Dias Toffoli, aplicou algumas restrições, principalmente à Receita. Já Moraes se posicionou a favor de uma atuação com menos amarras. Ambos trataram tanto da Receita como do Coaf.
— Tenho possível o compartilhamento de informações entre o Fisco (Receita) e o Ministério Público, quer quando referentes a montantes globais, independentemente da instauração de procedimento fiscal, quer, quando tendo havido procedimento fiscal, compreenda contas, extratos bancários, depósitos e aplicações financeiras. Vale dizer, entendo viável a irrestrita remessa das informações coletadas pelo Fisco bem como da integralidade do procedimento fiscalizatório, sendo desnecessária em ambos os casos prévia autorização judicial — disse Fachin.
O voto de Barroso
Antes de iniciar o seu voto, Barroso fez uma espécie de desabafo contra reações aos esforços de combate à corrupção no país.
— Há um processo e uma tentativa de tentar reescrever a história que produz as alianças mais esdrúxulas... e nessa versão que se tenta construir tudo não teria passado de uma conspiração de policiais federais, procuradores da república e juízes dotados de um punitivismo insano contra gente que conduzia o país com lisura - disse Barroso.
Um dos principais pontos de seu voto é o de que o compartilhamento de dados entre órgãos de controle com o MP não representaria, necessariamente, a quebra de sigilo bancário ou financeiro dos investigados.
— Acho que há um ponto importante que é o seguinte: A receita compartilha os dados com o MP, mas não há quebra de sigilo. Há uma transferência de sigilo e o MP tem o dever de preservar o sigilo. E constitui crime vazar informação protegida por sigilo fora daquelas exceções protegidas - disse Barroso.
O voto de Fachin
Havia a expectativa de que Fachin pudesse querer restringir o julgamento apenas aos dados da Receita, tema original do processo em julgamento. Mas ele também se manifestou em relação às informações do antigo Coaf. Esses dados foram incluídos no processo posteriormente, por decisão de Toffoli. Fachin disse que a questão chegou a ser debatida no plenário e há muitos processos baseados em informações do antigo Coaf que estão parados. Assim, entendeu que esse ponto também deveria ser julgado.
— Os relatórios de inteligência financeira (do antigo Coaf), ao retratar a ocorrência de determinada transação, desde que respeitado o devido processo legal podem funcionar como fontes de convencimento do juiz, ainda que sujeitos a elementos de corroboração — disse Fachin, acrescentando: — As informações recebidas pela UIF e a análise empreendida, aspectos materializados em relatório de inteligência financeira, podem se revelar aptas em tese à reconstrução histórica de um determinado fato, circunstância suscetível, se for o caso, de indispensável e oportuno contraditório e valoração em sede judicial respectiva.
Quanto aos dados do antigo Coaf, Toffoli entende que as autoridades competentes, como o Ministério Público, podem pedir relatórios de inteligência financeira (RIFs) apenas de cidadãos contra os quais já haja uma investigação criminal ou um alerta emitido por unidade de inteligência. Não podem, assim, fazer os chamados "fishing expeditions" ou "relatórios por encomenda" em relação a qualquer pessoa. Moraes não abordou esse ponto em seu voto. Já Fachin disse, pelo modo como a UIF opera, não verificar a possibilidade de que ocorram "devassas sob encomenda".
— A UIF nao detém acesso a extratos bancários ou algo que o valha. Figura, ao revés, como destinatária de informações específicas, que por sua atipicidade devem ser fornecidas pelos setores obrigados (bancos, gestores de fundo, etc). Isso retira, a meu ver, a possibilidade de que se verifique a produção de alegadas devassas sob encomenda, na medida em que as comunicações devem ser adotadas pelos setores obrigados independentemente de provocação. Tal proceder não significa que a UIF jamais possua qualquer possibilidade de participação ativa na coleta de dados. Poderá fazê-lo em caráter residual para obter esclarecimentos acerca de eventual inconsistência das informações já prestadas por algum daqueles que integram os setores obrigados — afirmou Fachin.
Segundo o ministro, caberá ao MP manter o sigilo das informações recebidas tanto da Receita como do antigo Coaf.
Três ministros que não votaram ainda manifestaram desconforto com a possibilidade de a Corte julgar neste momento a legalidade do compartilhamento de dados do antigo Coaf: Rosa Weber , Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski .
Julgamento pode afetar investigações de Flávio Bolsonaro
O processo dizia respeito inicialmente apenas a dados da Receita. Mas em julho deste ano, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro , Toffoli mandou paralisar as investigações baseadas não apenas em dados da Receita, mas também do antigo Coaf. Flávio é suspeito de ter participação na prática conhecida como "rachadinha", quando servidores de um gabinete devolvem parte dos seus salários ao parlamentar. Flávio nega participação na prática.
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Na quinta-feira passada, sem antecipar posição, o ministro Edson Fachin destacou que, se a maioria dos ministros do STF restringir o julgamento à Receita, a consequência será a continuidade das investigações baseadas em dados do antigo Coaf. Esse é justamente o caso de Flávio Bolsonaro. Por outro lado, mesmo que isso ocorra, é preciso resolver outro ponto para que o processo de Flávio seja retomado. Com base na decisão tomada por Toffoli em julho, o ministro Gilmar Mendes deu outra, em setembro, também paralisando as investigações. Caindo a determinação de Toffoli, é preciso também que Gilmar revogue a sua
— Isso (eventual restrição do julgamento aos dados da Receita) tem como implicação prática de imediato ou a reconsideração ou a revogação da tutela provisória deferida pelo senhor presidente e o prosseguimento de todas as investigações e os processos penais respectivos. Sobre isso irei me manifestar — disse Fachin na última quinta-feira.
No mesmo, em resposta aos questionamentos da ministra Rosa Weber, Toffoli justificou a inclusão do antigo Coaf no processo que originalmente dizia respeito apenas à Receita:
— A tese é o compartilhamento de informações entre as instituições. Na medida em que, assim como os bancos podem compartilhar com a Receita, se a Receita pode compartilhar os dados recebidos dos bancos com o Ministério Público. Ela também recebe e há outros expedientes que vão ao Ministério Público com dados fornecidos pela UIF, antigo Coaf.